Exclusivo: SBT mostra testes das novas câmeras corporais da PM que permitem apagar ocorrências
Seis concorrentes alegam que a empresa vencedora do pregão foi beneficiada; ouvidor diz que vai pedir revisão do processo
Derick Toda
Fabio Diamante
O processo licitatório da aquisição de 12 mil Câmeras Corporais Portáteis (COP) para a Polícia Militar teria beneficiado a empresa Motorola Solutions, que não cumpriria os requisitos exigidos pelo Edital. Essa é a denúncia de seis empresas que participaram do certame e entraram com recurso administrativo, pedindo desde a suspensão do processo licitatório ao indiciamento de um dos capitães responsáveis pelo pregão por abuso de autoridade e prevaricação.
Nesta sexta-feira (19), a PM decide se acata aos pedidos das empresas ou se aprova a Motorola Solutions como a vencedora do concurso. Segundo o Ouvidor da Polícia Militar, Cláudio Aparecido da Silva, em caso de aprovação do edital, ele vai pedir que o Tribunal de Contas do Estado revise o pregão e os testes das câmeras.
Com exclusividade, o SBT News teve acesso à íntegra da prova conceito, que é o teste final do equipamento oferecido pela empresa ganhadora.
As denúncias apontam que a bateria das câmeras corporais não duraria o turno completo dos militares, de 12 horas, o sistema oferecido pela empresa possibilitaria o apagamento de imagens gravadas pelos policiais, além de falhas no uso da inteligência artificial e no vazamento de dados sigilosos. Veja ponto a ponto:
Botão de excluir e edição de imagens
De acordo com o recurso apresentado pelas empresas concorrentes e as imagens da prova conceito, a Motorola disponibilizou, para administradores do sistema operacional das câmeras corporais, um botão de excluir e um modo de editar as imagens gravadas pelos policiais, o que é contra o edital:
- 18.11.5. São vedados à solução a sobrescrição, a exclusão e o descarte de arquivos obtidos pelos coletores;
- 18.11.7. É vedada a exclusão manual de arquivos;
- 23.7.6.2. O Sistema não poderá permitir edição ou alteração dos vestígios digitais armazenados.
Pelo novo equipamento, serão possíveis a alterção de data, hora, autoria ou local de gravação das ocorrências policiais.
Na visão de Rafael Rocha, coordenador do Instituto Sou da Paz e que analisou o material obtido pelo SBT News, essas opções de edição e de excluir são críticas, principalmente, "se o acesso [à ferramenta] for disponibilizada ao superior imediato do batalhão".
Bateria e GPS
As concorrentes também alegam que o teste de bateria, que verificaria se as câmeras duram 12 horas funcionando com geolocalização (GPS) e pacote de dados ligagos, teria sido burlado. Imagens mostram que as câmeras foram testadas sem que o GPS estivesse ligado, em alguns momentos, o que promoveria autonomia para o equipamento.
"Duas bodycams de teste de bateria, C07 e C08, que deveriam estar demonstrando o GPS ativo como os demais, estão com o sistema de georreferenciamento ora hibernando, ora simplesmente desligado", aponta uma das empresas.
Para Rafael Rocha, é fundamental que as câmeras funcionem ininterruptamente com a localização e é "muito grave que não tenha sido mantido o GPS durante todo o teste".
Inteligência artificial
O edital exige que a câmera corporal por meio do uso da inteligência artificial reconheça pessoas, tipos de veículo, como carros, motos, caminhões, placas de trânsito e armas.
Mas, de acordo com o recurso das concorrentes, a própria Motorola afirmou que não tem a tecnologia que identifique armas de fogo. Além disso, na prova conceito, as câmeras não foram capazes de realizar a leitura das placas Mercosul, somente as chapas de modelo antigo.
Justamente o reconhecimento das placas foi um dos pontos elogiados no novo edital, uma vez que poderia identificar automaticamente veículos produto de roubo e furto no estado de São Paulo e integraria as informações com a Secretaria de Segurança Pública.
Marca d'água
De acordo com o edital, o equipamento da empresa precisa adicionar automaticamente a marca d'água da Motorola nas imagens gravadas, o que garante a fidelidade e autenticidade do conteúdo registrado. No entanto, segundo as denúncias, o novo sistema não foi capaz de atender esse requisito em todas as bodycams.
"A marca d'água é importante para a cadeia de custódia, para evitar vazamentos e o uso como prova judicial", afirma Rafael Rocha.
Com isso, uma imagem vazada sem a identificação que foi registrada pela Polícia Militar poderia comprometer a proteção dos dados pessoais e registros sensíveis dos próprios militares.
Modo velado
O modo velado é um dispositivo na câmera corporal que, quando acionado, desligam a luz e o som que emitem do equipamento, sem que a imagem pare de ser gravada. A função é importante nas situações em que o policial precisa entrar em uma viela escura, de madrugada ou em operações que necessitam de discrição.
De acordo com o edital, para acioná-la é preciso pressionar o botão "por mais de 3 segundos". No entanto, a ferramenta da motorola é ativada com um toque, o que poderia fazer com que policiais a ligassem ou desligassem por acidente, durante as ações policiais.
Testes das câmeras
Além disso, na ata divulgada pela Diretoria de Tecnologia da Informação e Comunicação, a empresa vencedora realizaria, no dia 19 de junho, testes de equipamento antes da prova conceito. No entanto, a Motorola realizou outros testes nos dias 20, 21 e 24, sem que os concorrentes fossem notificados. Em um desses dias, um dos técnicos da empresa EMITER, contratada como fiscalizadora da licitação, teria acompanhado a Motorola antes da prova final, onde teria ocorrido um conflito de interesse, segundo os recursos.
"Diante desse flagrante desrespeito, é evidente que o princípio da competitividade foi comprometido de forma irreversível", afirma uma das empresas que entrou com recurso.
Teste de resistência à água
De acordo com o edital, as câmeras corporais deveriam resistir à imersão em água em até 1 metro de profundidade. No entanto, a denúncia aponta que não houve a verificação do mesmo porque as câmeras foram mergulhadas em um aquário com altura menor que o notebook, em comparação.
O outro lado
O SBT News entrou em contato com a empresa Motorola Solutions, a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar. Veja na íntegra o que disseram:
Motorola Solutions:
"A Motorola Solutions não comenta processos licitatórios até a sua devida conclusão. Sobre os recursos administrativos dos outros participantes do certame, todos já foram devidamente respondidos e encaminhados em cumprimento a Lei de Licitações e Contratos.
A Motorola Solutions tem orgulho de ser um fornecedor de tecnologia confiável para 100.000 clientes em mais de 100 países, ajudando a manter comunidades seguras em todo o mundo".
Secretaria de Segurança Pública:
"A Polícia Militar do Estado de São Paulo ressalta que o Pregão Eletrônico para a contratação de 12 mil novas câmeras operacionais portáteis (COP) está em curso e cumpre rigorosamente as determinações da Lei Geral de Licitações. Seu andamento é acompanhado pelos órgãos de controle externo. Portanto, as denúncias são infundadas.
Conforme publicado no Diário Oficial do Estado do dia 3/7, todas as amostras de testes para a prestação de serviços para a prova de conceito cumpriram os requisitos legais, técnicos e tecnológicos exigidos, demonstrando alta capacidade de desempenho, segurança e integridade. Não foi registrado qualquer elemento ou dispositivo ilegal ou em desacordo com o edital. Atualmente, o certame está na fase de análise de recursos administrativos", disse a SSP, em nota.
O SBT News também procurou a empresa Emiter, mas não nos respondeu. O espaço segue aberto.