Estudante de medicina morto por PMs foi levado a hospital superlotado, com emergência fechada e sem tomógrafo
Imagens das câmeras corporais revelam também revelam que PM que atirou contou três versões diferentes do caso
Derick Toda
Novas imagens revelam que o estudante Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos — morto por policiais militares em novembro do ano passado — foi levado baleado a um hospital que estava com a emergência fechada, superlotado e com equipamentos quebrados. O SBT teve acesso ao processo judicial, nesta sexta-feira (17).
As gravações das câmeras corporais dos PMs mostram detalhes do socorro ao jovem. Marco Aurélio foi baleado em um hotel na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Os soldados Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho de Prado faziam patrulhamento quando o estudante deu um tapa no retrovisor da viatura. Em seguida, foi perseguido pelos policiais.
+ Caso Ruy Fontes: polícia prende sétimo suspeito do assassinato de ex-delegado geral
Durante a abordagem dentro do hotel, Marco desequilibrou e quase derrubou o PM Bruno. Logo depois, o colega dele, Guilherme, disparou à queima-roupa, às 2h49 da manhã. Os policiais chamaram o resgate enquanto o estudante ainda estava no chão. Os bombeiros chegaram cerca de 20 minutos depois.
A equipe decidiu levar a vítima ao Hospital Ipiranga, a cerca de cinco quilômetros do local. Mas, segundo o prontuário médico, os bombeiros tinham sido avisados das condições precárias da unidade. O documento alertava que o hospital estava superlotado, com a emergência fechada e o tomógrafo quebrado — equipamento usado para localizar projéteis dentro do corpo.
A conversa registrada nas câmeras, dentro do centro cirúrgico, mostra a sátira durante o atendimento. Um dos bombeiros afirma: “Tá sem tomografia, não tem como localizar nada. Vai ser na mão mesmo. Eles estavam lá, mexendo nele, lá.” Outro completa: “Tem que sofrer mesmo, ninguém é obrigado.”
O atendimento de Marco Aurélio foi bem diferente do prestado ao soldado Bruno, derrubado pelo estudante. O policial foi levado à UPA da Vila Mariana, a apenas dois quilômetros do hotel.
As imagens também mostram que o PM Guilherme, autor do disparo, deu três versões diferentes sobre o ocorrido. Na primeira, afirmou que o estudante encurralou os policiais. Depois, disse que Marco partiu para cima dele. E, por fim, contou que tentou conter o jovem de outro modo antes de atirar — versão desmentida pelas imagens.
Em depoimento, o policial ainda declarou que Marco teria tentado pegar a arma de um dos PMs. No hospital, o estudante sofreu duas paradas cardiorrespiratórias e morreu durante a cirurgia.
Os policiais militares Guilherme e Bruno respondem pelo crime de homicídio em liberdade. Com a divulgação das novas imagens, a defesa da família pediu a prisão preventiva dos dois.
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo afirmou que os diálogos gravados pelas bodycams não representam o posicionamento institucional nem os protocolos do Corpo de Bombeiros. Informou ainda que o PM indiciado por homicídio doloso permanece afastado das atividades operacionais.
A secretaria também declarou que o atendimento à vítima foi feito seguindo os protocolos de emergência, encaminhando Marco ao local considerado mais adequado para o atendimento.
O Hospital Ipiranga informou que o estudante foi atendido por uma equipe médica multidisciplinar e que, apesar dos esforços, não resistiu. As defesas dos policiais envolvidos na ação não responderam aos contatos da reportagem.