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Simbolismo e memória: do kibutz à festa rave

SBT News visitou alguns dos lugares mais atingidos pelos ataques do Hamas

Simbolismo e memória: do kibutz à festa rave
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Israel - “Bom dia! Obrigada por virem até aqui.” Foi com um sorriso no rosto e um bom português — de quem já morou em Paraty e disse preferir o Rio de Janeiro a São Paulo — que nos recebeu a israelense Irit Lahav. Ela é a porta-voz do kibutz Nir Oz, comunidade israelense localizada no sul do país, a cerca de 90 quilômetros de Tel Aviv.

Fronteira com Faza, vista do Kibutz

Bem mais perto do kibutz está a Faixa de Gaza. Menos de dois quilômetros de distância. Tão próximo que, durante as quase duas horas em que estivemos por lá, foi possível ouvir, por mais de cinco vezes, o barulho da artilharia israelense lançada contra o território palestino.

Mas Lahav estava ali para nos contar justamente sobre o dia em que os ataques partiram do sentido contrário. Nascida e criada em Nir Oz, ela relembra detalhes do que viu, presenciou e sentiu naquele 7 de outubro de 2023.

“Era de manhã cedo quando minha filha falou: ‘Mãe, escutei tiros’. Eu disse: ‘Não, você está imaginando’. Não passou um segundo sequer e foram tiros pra todos os lados”, conta a israelense.

Irit Lahav, porta-voz do kibutz Nir Oz

Segundo o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, major Roni Kaplan, ao menos 300 terroristas e cerca de 600 civis palestinos invadiram o local. A ação terminou com 52 moradores assassinados e 77 levados a Gaza como reféns. No kibutz, atualmente desocupado, viviam pouco mais de 400 pessoas.

Lahav lembra que teve dificuldade para trancar a porta do quarto porque, segundo ela, um dos valores da comunidade em que vivia era a convivência livre e harmoniosa entre os vizinhos. Simplesmente não havia trancas nas portas. Depois de 20 minutos e com ajuda de dois canos, ela a filha, de 22 anos, se viram trancadas dentro de um dos cômodos da casa, em silêncio.

“Meu corpo tremia, estava tudo escuro. Mas eu tive que prender tudo muito forte porque sabia que minha vida dependia disso”, a israelense prossegue, antes de falar que montou uma barreira de livros atrás da porta trancada e pensou que, assim, os tiros poderiam até machucar, mas não matar a ela e a filha.

Por volta das 10h30, Lahav disse ter ouvido os homens do Hamas gritando na porta da casa dela. De acordo com a porta-voz, eles entraram pelas janelas, destruíram tudo o que viram pela frente e tentaram, por oito minutos, invadir o quarto em que as duas se escondiam.

“Durante aqueles oito minutos eu tive a certeza de que iria morrer. Minha filha pegou a minha mão e disse: ‘mãe, eu te amo’. Eu agradeci pelos 22 anos em que vivemos juntas e, naquele momento, só falamos coisas de amor porque sabíamos que poderiam ser nossos últimos minutos”, a israelense revive, emocionada, o mesmo sentimento quase oito meses depois daquela experiência.

Lahav finaliza a história dela naquele dia dizendo que os terroristas acabaram desistindo de entrar no quarto e saíram da casa. Mas as lembranças no kibutz não pararam por aí. A porta-voz de Nir Oz levou o pequeno grupo de jornalistas brasileiros de rua em rua, de casa em casa. Cada uma com seu cenário particular: os móveis revirados, a louça ainda suja na pia, os brinquedos espalhados pelo chão. Havia um clima de paralisia no ar, como paralisadas estão também as vidas daquelas pessoas da comunidade que ainda esperam pela volta de um parente sequestrado ou de quem tenta conviver com um luto provocado por uma invasão, que começou às 06h35 e só foi terminar depois das 16hrs.

“A verdade é que o nosso fracasso, como Forças de Defesa de Israel, foi colossal. Neste kibutz, ainda mais”, diz o major Roni Kaplan, sobre a demora na reação do exército para proteger a comunidade.

Porta-voz das Forças de Defesa de Israel, major Roni Kaplan

Deixamos Nir Oz e seguimos para aquele que talvez seja o lugar mais emblemático dos ataques de 07 de outubro: o local exato onde acontecia o “Nova Music Festival”, a festa de música eletrônica que reuniu milhares de jovens do mundo todo, inclusive do Brasil. Naquela área, em Re'im, também no sul de Israel, 364 pessoas foram brutalmente assassinadas e 40 acabaram sendo capturadas. Hoje, para todas elas, não faltam homenagens: fotos, flores e muitas bandeiras de Israel, num espaço que se tornou um memorial a céu aberto e que, no momento da nossa chegada, recebia também muitos outros visitantes.

A brasileira Rafaela Treistman, de 20 anos, sobreviveu ao massacre. Ela contou aos jornalistas como foram os últimos momentos junto ao namorado — o também brasileiro Ranani Glazer, que se tornou uma das vítimas — e ao amigo do casal, Rafael Zimerman, que conseguiu sobreviver.

“Eu e o Ranani estávamos bem em frente ao DJ, no palco principal. Por volta das 6h30, a música para. A gente primeiro reclama. Depois todos nós começamos a ouvir várias explosões. Foram muitos mísseis vindos de Gaza”, conta a brasileira que, assim como o namorado e o amigo, conseguiu se esconder em um dos bunkers que normalmente ficam espalhados por esta região do país. “Ficamos num grupo de 40 pessoas, espremidas num bunker pequeno. Depois de um tempo, a gente começou a ouvir tiros do lado de fora”, relata Rafaela, que continua: “o Ranani ouviu uma policial gritando que havia terroristas ali. Os homens do Hamas jogaram bombas de gás pra dentro do bunker. Não se enxergava mais nada. As pessoas começaram a se desesperar. Eram tiros, gás, granada, fumaça. Uma mulher caiu em cima de mim e começou a gritar. O Ranani pediu pra ela se mover e, naquele tumulto, ele decidiu sair. Parece que ele sentiu que deveria agir. Empurrou as pessoas, chegou à entrada do bunker. Ali, o Ranani acabou atingido e caiu no chão”, conta a brasileira, que atualmente tem a função de relembrar essa mesma história a vários grupos que visitam o local.

 Rafaela Treistman, de 20 anos, sobrevivente do massacre

Bem perto de onde aconteceu a rave, algumas vans e ônibus de turismo estacionam num lugar que parece um ferro velho. Mas só parece. O capitão da reserva Adam Ittah nos recepciona logo na entrada do “cemitério dos carros”: uma espécie de depósito ao ar livre, que mantém 1.650 veículos empilhados. Todos, de alguma forma, atingidos por terroristas em outubro. A grande maioria foi incendiada. Mas há também os carros com marcas de tiros, disparados de armas de vários calibres.

“O trabalho mais difícil para os nossos homens foi o de raspagem nos carros queimados, para que pudéssemos retirar os restos mortais de dentro dos veículos e identificar as vítimas, dando a elas e às famílias um pouco de dignidade”, nos conta o capitão Ittah.

Capitão da reserva Adam Ittah

O kibutz Nir Oz, assim como os outros kibutzim da região, foram esvaziados e têm acesso limitado atualmente, podendo ser visitados por pequenos grupos, apenas com autorização do exército israelense. Mas tanto o memorial em Re'im às vítimas que estavam na festa rave quanto o “cemitério de carros” são, agora, espaços de visitação, que também contam com porta-vozes para detalhar os acontecimentos de 07 de outubro. Os dois lugares recebem um número grande de turistas e, certamente, de delegações de jornalistas estrangeiros. É claro que se trata de uma forma digna de Israel prestigiar a memória de seus mortos e sequestrados. Mas, indiretamente, acaba se tornando também um instrumento para impulsionar a validação da retórica do governo de que, para evitar novos massacres, a guerra só poderá terminar quando o Hamas estiver completamente aniquilado.

Após ver de perto as cenas preservadas de tanto sofrimento dos israelenses, não fica tão difícil compreender porque as autoridades e parte da sociedade deste país pensam desta maneira. Mas a pergunta simples, que nunca deve se perder no horizonte — o mesmo horizonte que reserva a vista da Faixa de Gaza a quem olha da cerca do kibutz, em Nir Oz — é: “a que custo?” Já são aproximadamente 37 mil mortes confirmadas de palestinos em seu próprio território. Civis formam grande parte das perdas humanas. Mulheres, idosos, crianças, gente tão inocente quando as cerca de 1.200 vítimas israelenses. Com a diferença de que, pra elas, se os ataques israelenses continuarem neste ritmo e proporção, sobrará absolutamente nada, nem mesmo a dignidade de um memorial.

*O editor de Internacional do SBT, Thiago Ferreira, viajou an Israel com um grupo de jornalistas brasileiros a convite da organização não-governamental StandWithUs Brasil.

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