Extrema, radical ou ultra? Os extremos querem tomar a França
Formação de novo governo segue indefinida depois das eleições que dividiram o país em três direções
As eleições legislativas da França trouxeram duas grandes surpresas: o terceiro lugar do ultradireita Reunião Nacional de Marine Le Pen, que liderou no primeiro turno, e a maior bancada da coligação de esquerda, a Nova Frente Popular, de Jean-Luc Mélenchon.
A coligação de Macron agora será parte, mas perdeu nos votos o mandato para comandar sozinha o governo da França. Com isso, o presidente perde muito dos seus poderes.
A constituição francesa determina que é obrigação do parlamento tratar da política doméstica. Quando o presidente tem o apoio da maioria dos deputados e aponta o primeiro-ministro de sua escolha, é ele quem dá as cartas.
O caso agora é diferente. E igual pra todos os três blocos. Nenhum tem a maioria necessária para chamar o governo de seu.
A lógica das eleições deverá prevalecer e a ultradireita de Marine Le Pen será isolada pelos outros dois blocos, que terão que ceder para chegar a um acordo e consolidar uma base minimamente estável para o governo na Assembleia Nacional.
Macron só consegue fazer alguma coisa nos próximos 3 anos, quando termina o seu mandato, se negociar com a esquerda, dona da maior bancada e, por tradição, não obrigação, poderá ter o próximo primeiro-ministro.
O bloco de esquerda tem quatro partidos e foi formado há menos de um mês, pouco depois da surpreendente decisão do presidente de convocar eleições nacionais. Pelo menos três deles são considerados, no contexto francês, uma esquerda moderada: Verdes, Socialistas e Comunistas.
Mas moderação é palavra que não combina facilmente com o "França Insubmissa". O partido de Jean-Luc Mélenchon é frequentemente descrito tanto pela turma de Macron como pela da ultradireita como de "extrema-esquerda".
Por isso, nem a ultradireita nem o centro aceitam negociar com este partido.
Entretanto, o Ministério da Justiça e o Conselho de Estado da França rejeitam o termo para o grupo de Mélenchon. Ambos adotam o termo "esquerda".
Que Mélenchon é um populista, crítico de partidos políticos e do sistema atual, ele mesmo não deixa dúvidas. Já assumiu o rótulo publicamente. Mas há dúvidas se o partido dele se encaixaria na definição acadêmica de extrema-esquerda.
Convidado do último Mapa Mundi, no SBT News, o pesquisador Vinícius Bivar, da Universidade Livre de Berlim e do Observatório da Extrema Direita, falou sobre esses conceitos.
Extrema-direita, diz o pesquisador, "são movimentos que se utilizam da violência como ferramenta política pra se chegar ao poder".
E a extrema-esquerda?
"Em relação aos conceitos ligados à esquerda, a gente pode fazer uma análise semelhante à que a gente faz para direita. Se a gente qualifica movimentos de extrema-direita como movimentos de caráter violento, que buscam a chegada ao poder a partir do uso da violência, a gente poderia classificar movimentos de extrema-esquerda da mesma forma".
A década de 1980 foi o tempo da extrema-esquerda na Europa. Vários grupos, como o ETA na Espanha, e o IRA, na Irlanda do Norte, ambos de caráter nacionalista, usaram táticas terroristas para desafiar o poder.
Hoje, ambos são partidos políticos estabelecidos na Espanha e na Irlanda do Norte. No segundo caso, o norte-irlandês Sinn Féin não reconhece o mandato britânico. Os sete parlamentares eleitos pelo partido nas eleições do Reino Unido da semana passada não assumem seus assentos na Casa dos Comuns, em Londres.
E quando não há violência, mas há radicalismo?
"Para esses movimentos que não se utilizam da violência como ferramenta de luta política, a gente tem outro conceito que é conceito de direita radical. São grupos políticos que também têm caráter autoritário, também têm caráter antidemocrático, muitas vezes são contrários a propostas que defendem direitos civis de minorias. Há uma série de pautas em comum, mas essencialmente esses grupos reconhecem alguma legitimidade no jogo democrático, participam de eleições, buscam chegar ao poder através de eleições tradicionais".
Para todos estes grupos de postura mais radical, diz o pesquisador, são usados os termos "ultradireita" ou "ultraesquerda".
Ultra ou extrema, direita e esquerda estão no caminho de Macron, que perdeu a maioria e já não tem sequer a maior bancada.
Com Le Pen, o grupo de Macron não conversa. Isso só é possível com os grupos moderados de esquerda. É a única maneira de resolver o problema que o próprio presidente criou.