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"O Brasil não é neutro na guerra", diz novo embaixador na Ucrânia

Rafael de Mello Vidal assume a embaixada no momento em que Brasil e China tentam mediar negociações sobre conflito com a Rússia

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Rafael de Mello Vidal, novo embaixador do Brasil na Ucrânia. | Sérgio Utsch/SBT
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É impossível não notar o gramado com milhares de bandeiras, nomes e rostos na Praça Maidan, no centro de Kiev. Quando chegou ali, numa manhã fria na capital ucraniana, o novo embaixador do Brasil na Ucrânia contou ao SBT News que está determinado a fazer com que o Brasil seja notado de uma outra maneira nesta parte do mundo.

"É preciso deixar claro que o Brasil não é neutro na guerra. O que se confunde muitas vezes é o não engajamento militar com neutralidade. O Brasil não é engajado militarmente, mas o Brasil não é neutro moralmente. No terreno moral, o Brasil tem aderido e, desde o início, se manifestou claramente contra a invasão da Ucrânia e contra os desdobramentos da guerra, que tem levado ao sofrimento da população civil de uma forma brutal".

Na Praça Maidan, Mello Vidal depositou flores para a jornalista ucraniana Viktoriia Roshchyna, de 27 anos, cuja morte foi confirmada na última semana. Ela tinha sido presa em agosto do ano passado e estava sob custódia de autoridades russas.

"A gente não podia deixar de se solidarizar com o povo da Ucrânia especialmente quando temos em mente o sofrimento da população civil muitas vezes fora do teatro de operação de guerra”, afirmou o diplomata, que deixou o posto em Angola, chegou ao país há pouco mais de um mês e aguarda a confirmação da data em que entregará suas credenciais ao presidente Volodomyr Zelensky.

Bandeiras expostas na Praça Maidan, em Kiev | Sérgio Utsch/SBT
Bandeiras expostas na Praça Maidan, em Kiev | Sérgio Utsch/SBT

O diplomata brasileiro quer avançar com o trabalho feito por seu antecessor, Norton Rapesta, que comandou a embaixada durante a invasão em larga escala da Rússia à Ucrânia. Vidal assumiu o novo posto com uma missão ainda mais difícil. O Brasil quer mostrar aos ucranianos a viabilidade da proposta de negociação apresentada em conjunto com a China, vista com desconfiança em Kiev.

Os ucranianos rejeitam qualquer negociação, enquanto a Rússia não desocupar os territórios que invadiu e anexou ilegalmente.

"É uma visão que temos que respeitar. O esforço negociador brasileiro, conhecido como a proposta dos seis pontos, seis passos, está em construção. Ele pode receber sugestões. Em vez de serem seis, podem ser sete, podem ser oito pontos", afirma o embaixador.

"Evidentemente, a visão inicial que existe e que para se chegar a um acordo de paz, é preciso baixar as baionetas, baixar as armas, sentar e negociar", reforça o embaixador, ciente de que também terá que trabalhar para diminuir os ruídos criados tanto pelo presidente Lula quanto pelo presidente Zelensky.

Em maio de 2022, em entrevista à revista norte-americana Time, o brasileiro afirmou que o ucraniano é "tão responsável" pela guerra quanto Vladimir Putin. Na última troca de farpas, em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, no último mês, o presidente Volodomyr Zelensky criticou a proposta brasileira.

"E quando a dupla sino-brasileira tenta se transformar num coro de vozes, com alguém na Europa, na África, falando sobre uma alternativa para um mundo pleno e justo, surge a pergunta: qual é o real interesse? Todos devem entender que não se pode fortalecer o seu próprio poder às custas da Ucrânia", afirmou Zelensky.

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Para o novo embaixador do Brasil, "é importante que as conversas entre as autoridades se façam utilizando os canais diplomáticos”. Muitas vezes, a troca de versões pela imprensa pode gerar ruídos que não são a essência do que está sendo discutido".

"Plano de vitória" de Zelensky

Enquanto o Brasil fala em baixar as armas, a Ucrânia propõe incrementar seu poder militar. O presidente Volodomyr Zelensky apresentou ao Rada, como é chamado o congresso ucraniano, o seu "plano da vitória", que propõe a entrada imediata dos ucranianos na Otan, a aliança militar liderada pelos Estados Unidos, e a autorização para que seu país use os mísseis de longo alcance doados pelos aliados em território russo.

O plano já tinha sido apresentado aos líderes de Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e Itália. Nesta quinta, Zelensky apresentará pessoalmente a proposta a outros líderes europeus, durante a Cúpula da União Europeia e também aos ministros de Defesa dos países da Otan que, assim como a UE, também tem sede em Bruxelas, na Bélgica.

Além do que já foi divulgado, há 3 pontos que não foram divulgados publicamente. O tom do plano de Zelensky é forçar a Rússia a deixar os territórios que invadiu. No Itamaraty e em Kiev, fontes ouvidas pelo SBT News consideram esta a parte mais difícil e já vislumbram um cenário em que a Ucrânia terá de ceder territórios para terminar com a guerra, algo que, por enquanto, o governo ucraniano rejeita publicamente.

Brasil e o diálogo com a Rússia

O embaixador Rafael Mello Vidal lembra que o Brasil tem um "espaço político junto à Rússia, sobretudo no contexto dos Brics, um espaço que a maioria dos aliados da Ucrânia não tem hoje", mas insiste que é preciso primeiro baixar as armas e depois estabelecer as condições de negociação.

"Muitas vezes pra você chegar a um cessar-fogo, se você colocar condições que já fazem parte de um acordo de paz, você não vai chegar ao cessar-fogo. Portanto, seria natural que em todo o processo de cessar-fogo que as armas deixem de atuar mas circunstâncias em que se encontram. E a partir daí se vai buscar uma negociação que, no caso da Ucrânia, está mais do que claro e o Brasil defende também a integridade territorial da Ucrânia. Isso já foi dito em todas as instâncias políticas multilaterais".

Se há um desentendimento público entre os líderes dos dois países, em outras esferas de poder e da sociedade ucraniana, há um esforço para que haja aproximação e entendimento. Nos bastidores do governo do país, há um entendimento de que, se o Brasil emitiu sinais equivocados, a Ucrânia também errou a mão. Há um consenso de que é preciso reconfigurar as relações.

Deputado mais jovem do parlamento ucraniano, Sviatoslav Yurash, de 28 anos, faz parte de um grupo que une Legislativo e Executivo do país para tentar se aproximar da América Latina, especialmente do Brasil. "Está muito claro que não prestamos a devida atenção. Nós não tentamos nos envolver mais com o Brasil, especialmente quando estava planejando iniciativas para tentar chegar à paz com a Rússia"

"Foi um erro não ter feito isso antes?"

"Claro".

Yurash participa de um grupo que promove intercâmbio entre autoridades, representantes da sociedade civil e jornalistas dos dois países. Mas nada é simples em um país em guerra. Na próxima semana, o deputado deixa as atividades parlamentares e volta para a frente de batalha, onde luta como soldado desde o início do conflito.

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