"Ajudamos a criar um monstro", diz executivo de reality show sobre Donald Trump
Chefe de marketing de "O Aprendiz" disse lamentar ter criado falsa imagem de sucesso para Donald Trump, candidato à presidência dos Estados Unidos
O ex-chefe de marketing da NBC e NBCUniversal John D. Miller publicou um editoral, nesta quarta-feira (16), pedindo desculpas para os Estados Unidos: "Eu ajudei a criar um monstro". Em seu texto, Miller lamenta ter promovido a imagem de Donald Trump no reality show "O Aprendiz".
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O programa foi ao ar pela primeira vez em 2004 e, ao longo de 14 temporadas, teve Donald Trump como apresentador. O reality norte-americano reunia um grupo de pessoas que disputavam entre si um cargo na empresa de Trump e um salário de, no mínimo, seis dígitos. Na época, o programa impulsionou a imagem de Donald Trump, tornando o ex-presidente conhecido para além de Nova York.
"Para vender o show, nós criamos a narrativa de que Trump era um empresário extremamente bem-sucedido, que vivia como se fosse da realeza. [...] No mínimo, foi um exagero substancial; na pior das hipóteses, isso criou a falsa uma falsa narrativa, fazendo-o mais bem-sucedido do que ele realmente era. Na realidade, Trump declarou falência empresarial quatro vezes antes de o show ser produzido e ao menos duas vezes durante suas 14 temporadas como apresentador", conta Miller.
O ex-chefe de marketing conta que Trump pode ter sido a escolha perfeita para o show, pois "CEOs mais bem-sucedidos estavam muito ocupados para se envolverem em um reality de televisão".
"A imagem de Trump que promovemos foi extremamente exagerada. De certa forma, era uma 'fake news' que propagamos pelos EUA como uma forte nevasca. Nunca imaginei que a imagem que fizemos de Trump como um empresário bem-sucedido iria ajudar a catapultá-lo para a Casa Branca", lamenta Miller.
Em seu texto, o ex-funcionário da NBC conta que aprendeu muito sobre Trump durante os anos em que conviveram no reality, afirmando que Trump era "manipulador, mas extremamente fácil de manipular". Miller também disse que o ex-presidente é extremamente temperamental com aqueles que o criticam.
"Eu aprendi logo no início do meu convívio com Trump que ele acha que poderia simplesmente repetir algo diversas vezes e, eventualmente, as pessoas iriam acreditar. [...] Ele continuava dizendo que (O Aprendiz) era o 'show nº1 na televisão', mesmo depois de eu o corrigir. Ele repetia isso nas turnês de imprensa também, sabendo muito bem que era errado. Ele não gostava de ser verificado naquela época também".
Miller também traça um paralelo entre a desinformação propagada por Trump na época do reality com suas falas "muito perigosas" como presidente e candidato à presidência, como a de que imigrantes estão "comendo gatos e cachorros", informações erradas sobre a pandemia por Covid-19 ou de que ele teria vencido Joe Biden nas eleições de 2020.
"Ao mesmo tempo que fomos bem-sucedidos no marketing de 'O Aprendiz', também causamos danos irreparáveis por criar a falsa imagem de Trump como um líder de sucesso. Eu me arrependo disso profundamente", disse Miller.
Ao final do texto, apesar de dizer que sempre foi um republicano, o executivo declara apoio à candidata democrata Kamala Harris nas eleições norte-americanas, no dia 5 de novembro.
"Se você acredita que Trump será uma melhor opção para você ou para o país, isso é uma ilusão, assim como 'O Aprendiz' era. Mesmo que você tenha nascido e sido criado um republicano, assim como eu fui, eu encorajo fortemente que você vote em Kamala Harris. O país ficará melhor e você também".
Filme "O Aprendiz"
Nesta quinta-feira (17), foi lançado no Brasil o filme "O Aprendiz", que recebe o mesmo nome do reality show norte-americano. O longa conta a história do início da carreira de Donald Trump, retratando o ex-presidente como uma pessoa insegura, que aprende a mentir, trapacear e chantagear autoridades com o advogado Ron Cohn.
Apesar de já estar nos cinemas do Brasil, o filme enfrentou dificuldades para ser distribuído e exibido nos Estados Unidos. Segundo o jornal The New York Times, empresas como Netflix e Sony ficaram com receio de reações negativas por motivos políticos.
Esse, porém, não foi o único motivo: a equipe de Donald Trump notificou os responsáveis pela produção e ameaçou processar qualquer um que distribuísse ou adquirisse os direitos do filme, por "interferência na eleição norte-americana".
O porta-voz da campanha de Trump, Steven Cheung, também ameaçou processar os produtores do filme antes da exibição no Festival de Cannes, em maio deste ano, afirmando que o longa "sensacionaliza mentiras".