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Crise comercial e geopolítica: entenda o que está em jogo entre Níger e Europa

País vem mudando estratégia após tomada de poder; crise aumenta influência russa na África Ocidental

Crise comercial e geopolítica: entenda o que está em jogo entre Níger e Europa
O Níger é um dos maiores produtores de urânio do mundo | Reprodução
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O continente africano voltou a ser notícia após militares capturarem e afastarem do poder o presidente do Níger, Mohamed Bazoum. O cenário, chamado de golpe de Estado ou de tomada de poder, está gerando preocupação entre os países europeus, sobretudo para a França, que, como ex-colonizadora, mantém vínculos estratégicos e econômicos com o Níger. O principal deles é a importação de urânio, material fundamental para manter as usinas nucleares ligadas e abastecer o sistema energético do país.

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A insegurança europeia acontece porque o Níger está passando por mais um momento político conturbado. Apesar da tomada de poder, ainda não está claro quem irá assumir o comando do país, uma vez que Bazoum foi detido pela Guarda Presidencial, que é chefiada pelo general Omar Tchiani, enquanto a declaração televisionada que informou o golpe foi lida pelo Major Amadou Adramane, porta-voz do Exército. Uma das únicas certezas, como dito por Adramane, é que o grupo não tem intenção de retomar o governo antigo.

"Já desde 2021 havia um ambiente muito questionador ao governo do Níger, quando houve uma tentativa de golpe. Essa tentativa foi barrada com apoio do serviço secreto francês, infiltrado nessa região, mas deixou claro que a situação no país já estava tensa e que existia uma aspiração da base militar por mudanças radicais dentro do governo", avalia James Onnig, professor de geopolítica do Laboratório de Pesquisa em Relações Internacionais da Faculdades de Campinas (FACAMP).

Ele avalia que a justificativa dos militares para derrubar o presidente Bazoum, que envolve o aumento da insegurança no país devido à ação de grupos jihadista, é válida. Segundo Onnig, é comum a atuação de grupos extremistas na fronteira do Níger com a Nigéria, onde os integrantes vêm agindo com violência. Entre eles está o Boko Haram, considerado a Al-Qaeda da Nigéria. Desde que assumiu o governo, Bazoum também foi alvo constante dos extremistas.

Outro motivo para a tomada de poder, ainda que não exposto publicamente, é a diminuição da influência e presença colonial europeia no Níger. Isso porque o país se tornou independente da França em 1960, mas continuou com laços importantes com Paris. A importação de urânio é o principal acordo entre os governos, promovendo maior segurança energética para França e auxiliando a economia do Níger - que ainda depende fortemente da ajuda humanitária do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A preocupação do governo de Emmanuel Macron é, portanto, o corte abrupto da oferta de urânio. O cenário poderia comprometer a oferta de energia e a economia francesa, já que o outro país forte em importação de petróleo e gás é a Rússia. O acordo entre os países foi interrompido, assim como com a maior parte da União Europeia (UE), devido ao apoio do Ocidente à Ucrânia na guerra. Com o urânio do Níger, no entanto, a França foi um dos poucos países a sentir a mudança econômica no setor energético.

"O interesse dos países europeus é buscar alternativas para minorar a dependência que se tinha com relação à Rússia. O Níger é um dos maiores produtores de urânio, que é essencial para energia nuclear. Além do interesse na promoção de valores democráticos, a questão primordial reside no interesse que se tem na capacidade que o Níger tem de fornecer os elementos essenciais à energia europeia", explica Carolina Ferreira Galdino, doutora em Relações Internacionais e especialista na História da África.

Apesar de grande parte dos moradores apoiarem a tomada de poder e promoverem movimentos anti-França, muitos líderes europeus, bem como africanos, estão pedindo a libertação e reintegração imediata de Bazoum na presidência do Níger. Nesta semana, o presidente da Nigéria, Bola Tinubu, enviou uma comitiva ao país para abrir as negociações com a junta militar. A missão foi considerada fracassada após os mediadores não conseguirem se encontrar com o general Tchiani para debater o tema. 

"Toda e qualquer usurpação de poder não pode ser considerada legítima. Um fator relevante a ser considerado é que a continuidade de tal ação não culminará no reconhecimento do sistema internacional, ou seja, os países que compõem a arena internacional não reconhecerão esse poder, aumentando as fragilidades internas do país e aumentando as tensões externas", afirma Carolina.

Apoio na região do Sahel e preocupação geopolítica

A tomada de poder no Níger fechou um ciclo de golpes na região do Sahel - uma faixa de 5.400 km de extensão que vai desde o Mar Vermelho até a região mais afastada do Oceano Atlântico - também conhecida como África Ocidental. O cenário gera preocupação geopolítica para a Europa, pois há um grande desejo de outros países da região comandados por militares, como Mali e Burkina Faso, em elaborar mudanças estratégicas e diminuir a influência da presença colonial europeia. 

Região do Sahel | Arte/SBT News

"A tomada de poder no Níger marca a formação de um cinturão de países que mudaram rapidamente de governo através de golpes ou levantes militares feitos entre 2021 e 2023. Isso dá força para os militares dos países vizinhos, já que a existência do golpe confirma o que eles fizeram nos próprios países", avalia Onnig. "Em primeira análise, os países estão interessados em deter o avanço jihadista. Mas, ao mesmo tempo, nota-se um grande esforço para apagar os laços e traços franceses e ingleses na região", acrescenta.

Na 6ª feira (4.ago), a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) se reuniu em Abuja, capital da Nigéria, para debater a situação política no Níger. O encontro aconteceu após o grupo dar um prazo de uma semana para os militares reintegrarem Bazoum no poder. Anteriormente, o bloco já havia considerado usar "a força necessária" para assegurar a democracia no país. A declaração foi criticada por Burkina Faso e Mali, que alertam que qualquer intervenção seria considerada uma "declaração de guerra".

"O uso da força contra o Níger poderia levar Mali e Burkina Faso a atuar em prol do Níger. Em linhas gerais, pode levar a um processo de transbordamento afetando os países vizinhos, deteriorando a situação de segurança da África Ocidental", explica Carolina.

Crise aumenta influência da Rússia

A crise política no Níger é vista como uma oportunidade para a Rússia, que vem tentando aumentar a influência na África Ocidental, deixando a Europa para trás. Na Cúpula Rússia-África, realizada no dia 28 de julho - dois dias após a tomada de poder no Níger -, o presidente Vladimir Putin se comprometeu a abastecer os países africanos com alto nível de insegurança alimentar. A fala se deu após Moscou suspender o acordo com a Ucrânia que permitia a exportação de grãos por um rota humanitária no Mar Negro.

Para Onnig, Putin assumiu o compromisso como forma de mostrar ao mundo que o envio de grãos ucranianos pode ser superado pelas remessas russas. "Existem questionamentos quanto a isso, porque a Ucrânia é considerada um dos grandes celeiros do mundo, ou seja, uma das grandes produtoras de alimentos. Neste sentido, essa cúpula também representa uma afirmação de Putin como líder global, que é 'se o Ocidente está plantando um inimigo para a Rússia na Ucrânia, agora a Rússia planta regimes antiocidentais na África', onde a Europa tem influência e, consequentemente, os Estados Unidos devido às alianças."

+ Estrangeiros fazem fila para deixar Níger após golpe militar

Além disso, outro interesse da Rússia é a Líbia, vizinha da região de Sahel, onde, inclusive, estão alguns mercenários do grupo paramilitar russo Wagner - também encontrados em Mali e Burkina Faso. A ideia estratégica de Putin é criar uma espécie de "cinturão" que possa se tornar uma barreira de defesa aos interesses do Kremlin em Trípoli e em outros países no norte da África que vieram a aderir à aliança Rússia-África. Sudão e Chade, próximos à Líbia, já mostraram apoio a Moscou.

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