Guerra da Ucrânia mostra que apoio da Europa a Lula não é incondicional
Autoridades portuguesas e espanholas não esconderam a satisfação com a volta das boas relações com o Brasil
Seis dias, dois países, um Rei, um presidente, dois primeiros-ministros e 16 acordos assinados com Portugal e Espanha. Na sua primeira viagem oficial à Europa neste terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quebrou o gelo diplomático que separou o Brasil da Europa nos últimos 4 anos.
Só nesta viagem, Lula abriu mais portas do que seu antecessor fez nos últimos 4 anos. Isso não é pouca coisa. Do Rei da Espanha Filipe VI ao chefe de governo Pedro Sánchez, do presidente português Marcelo Rebelo de Sousa ao premiê António Costa, todos fizeram coro ao discurso do "Brasil voltou" que vem sendo usado em demasia pelo próprio presidente.
+ Leia as últimas notícias no portal SBT News
Não há como questionar o fato de que Lula foi sim muito bem recebido e foi alvo de muitos afagos políticos nos últimos dias, apesar dos protestos da extrema direita em Portugal. A repercussão da visita poderia ter sido mais positiva não fosse o excesso de confiança do presidente em sua própria oratória. O mesmo talento que lhe garantiu admiradores mundo afora abriu uma porta de desconfiança mesmo antes da visita à Europa.
Ao contrário da China e de países da América do Sul onde esteve, na Europa, o presidente sentiu o peso de suas próprias declarações. Em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, o presidente afirmou que a "decisão pelo conflito foi tomada por dois países". Muitos analistas entenderam - com razão - que o presidente brasileiro dava o mesmo peso para agressor e agredido.
As mesmas autoridades que o saudaram na Europa fizeram questão de lembrar, em tom bastante respeitoso, que não há como comparar quem invade e quem é invadido. É possível discutir a longa história que antecede 2014, quando a Rússia de fato começou a invadir a Ucrânia, é possível discutir os interesses em quem lucra com a guerra e a expansão da Otan, mas não há como fugir do núcleo desse debate que, neste momento, é um país invadindo o outro.
Pra credenciar o Brasil como mediador para o fim deste conflito e viabilizar o clube da Paz defendido por Lula, é preciso ter com a Rússia um tom diferente daquele adotado por europeus e norte-americanos. O presidente levanta uma questão importante quando diz que países que não estão diretamente envolvidos no conflito podem ter uma papel relevante na mediação dessa crise.
Mas se é preciso abrir um canal de diálogo com os russos, é necessário também manter a confiança dos ucranianos e de quem legitimamente os ajudam a se defender. Nas suas últimas declarações em Madri, Lula reconheceu que a percepção da guerra é muito diferente na Europa e na América do Sul.
Tivesse compreendido isso antes, sua agenda na Europa - naturalmente positiva - teria tido ainda mais destaque. Mas o presidente passou dias tentando desdizer o que disse e lembrando ao mundo que a real posição do Brasil é aquela costurada pelo Itamaraty e consolidada nas votações da ONU, de condenação à invasão e reconhecimento da integridade territorial da Ucrânia.
O único que deixou isso em dúvida foi o próprio presidente. Mais do que boas intenções, é preciso clareza, contexto e uma boa dose de diplomacia para navegar em mares tão turvos e agitados como aqueles que banham a realidade de 2023.
É legítimo querer equilibrar as forças globais, reformar as Nações Unidas, dar mais peso aos países em desenvolvimento e ao sul global e fazer frente ao excesso de poder nas mãos de Estados Unidos e Europa. É muito legítimo pregar a paz e gritar ao mundo que combater a fome é muito mais importante do que sustentar uma guerra.
No entanto, a atual posição das peças no jogo de xadrez geopolítico não segue a mesma lógica da década passada, quando Lula fazia sucesso no mundo inteiro com sua agenda social. A Rússia, aliada do Brasil nos Brics, não é mais a mesma. Putin não é o mais o mesmo. Cada deslize nas declarações é um movimento desfavorável ao Brasil neste tabuleiro e deixa a paz, tão defendida por Lula, ainda mais distante.