Retrospectiva 2022: os acontecimentos que marcaram o ano
Bicentenário da Independência e eleição que coroou Lula novamente presidente estão entre principais fatos de 2022
Emanuelle Menezes
2022 não foi um ano qualquer. Marcou a comemoração do bicentenário da Independência, o acontecimento histórico que mudou a trajetória do Brasil e desenhou um novo rumo para o país. Símbolo e memória dessa ruptura com Portugal, o Museu do Ipiranga, reaberto após permanecer quase uma década fechado, nos faz olhar para trás e resgatar o passado de um país que ainda enfrenta muitos desafios, apesar de incontáveis vitórias.
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Não foi um caminho fácil até aqui. Sobrevivemos a uma dura pandemia. Sofremos os reflexos de uma guerra que já se tornou o maior conflito na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Retomamos o fôlego para superar uma polarização que pôs à prova nossas diferenças. Que dividiu amigos e famílias.
Eleições
Enfrentamos as eleições mais difíceis e disputadas desde a redemocratização. Toda a disputa pelo comando dos estados e do país foi acompanhada de perto pelo SBT, com a realização de debates, sabatinas e entrevistas.
A partir do dia 1º de janeiro, o Brasil passa a ter um novo comando. Uma vitória que significou deixar rixas antigas para trás, como a com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Fazer do até então rival, Geraldo Alckmin (PSB), um aliado. E costurar novas alianças, o que aconteceu com a presidenciável Simone Tebet (MDB). Reconciliações necessárias para chegar a um número de votos nunca antes registrado.
Por menos de dois pontos percentuais de diferença, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi escolhido para voltar a presidir o Brasil, depois de 12 anos, para um terceiro mandato inédito. Subir a rampa do Palácio do Planalto será o ponto final de uma disputa difícil. As eleições se encerraram no dia 30 de outubro, mas os embates, os desgastes e os questionamentos infundados sobre o processo eleitoral começaram muito antes. E tiveram desdobramentos inesperados mesmo depois da divulgação do resultado.
Foram meses de tensão entre os poderes. O motivo: as urnas eletrônicas. Diante de tantas discussões, uma comissão de transparência foi criada, com a participação das Forças Armadas, para verificar possíveis fragilidades. Entre os avaliadores, um coronel do Exército que foi expulso da equipe por divulgação de fake news.
Na corrida por votos, a aprovação de mudanças na Constituição para furar o teto de gastos. A PEC dos Auxílios, que ficou conhecida como PEC Kamikaze, liberou a criação e a ampliação de alguns benefícios sociais a três meses do pleito.
Em meio às turbulências pré-eleitorais, Rosa Weber assumiu a presidência da mais alta corte do país, o STF.
O combate às notícias falsas foi um dos pontos defendidos pelo ministro Alexandre de Moraes, durante a posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Além da desinformação, os ataques a representantes do Supremo Tribunal Federal também ganharam espaço na internet, principalmente em aplicativos de mensagens. Um deles, o Telegram, acabou bloqueado por não cumprir a ordem da Justiça de suspender perfis do blogueiro Allan dos Santos, investigado por suposta atuação em milícia digital.
A defesa da democracia e do sistema eleitoral motivou a leitura de duas cartas no dia 11 de agosto, no prédio da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Um dos documentos foi assinado por mais de 100 entidades da sociedade civil. O outro, por quase 1 milhão de brasileiros -- anônimos, artistas, empresários e juristas.
Quanto mais as eleições se aproximavam, mais os ânimos se acirravam. As diferenças políticas invadiram o campo da violência. Em um dos casos, um tesoureiro do PT foi assassinado no Paraná por um policial penal, apoiador de Jair Bolsonaro, que invadiu a comemoração de aniversário do petista, que tinha como tema o Partido dos Trabalhadores.
Uma das principais aliadas do presidente, a deputada Carla Zambelli (PL-SP), foi flagrada de arma em punho perseguindo um homem.
Outro político próximo a Jair Bolsonaro também apontou uma arma, um fuzil, para policiais federais. E atirou. Além dos disparos, o ex-deputado Roberto Jefferson lançou granadas em direção aos agentes, que foram até a casa dele para prendê-lo. Dois policiais ficaram feridos.
Uma eleição que deixou o congresso mais conservador. O chamado Centrão se fortaleceu e os partidos de direita cresceram. O PL, partido de Jair Bolsonaro, elegeu o maior número de parlamentares na Câmara e no Senado. Por outro lado, 6 partidos não conseguiram eleger o número mínimo de deputados federais exigidos na Cláusula de Barreira -- uma espécie de patamar eleitoral que dá acesso ao fundo partidário e direito a tempo de propaganda na TV e no rádio.
Apesar da transparência e das provas de que o sistema eleitoral é confiável, houve quem se recusasse a aceitar o resultado das urnas. Apoiadores de Bolsonaro bloquearam estradas e acamparam em frente a quartéis pelo país, em protestos antidemocráticos. Os bloqueios colocaram o diretor da Polícia Rodoviária Federal no centro de uma investigação por suposta omissão da PRF. Outro episódio que fez o Ministério Público questionar Silvinei Vasques foi a realização exagerada de operações com abordagens de ônibus que transportavam eleitores no dia da votação para o 2º turno. Além disso, o diretor virou réu por improbidade administrativa, o uso indevido do cargo, por ter pedido votos para Jair Bolsonaro.
Política
A vitória de Lula veio 4 meses depois da Colômbia eleger, pela primeira vez, um presidente de esquerda, o economista Gustavo Petro. Em outro país vizinho, o Peru, o presidente acabou preso após tentar dissolver o congresso para evitar o impeachment. Pedro Castillo foi acusado de insurreição.
Já no velho continente, a França optou pela continuidade de Emmanuel Macron. A Itália colocou no poder uma representante da extrema-direita, a primeira-minista Giorgia Meloni. Tudo isso em uma Europa fragilizada, que viu, pela primeira vez em 20 anos, o Euro valer menos que o Dólar e que sentiu as consequências de um conflito sem solução à vista e que já tirou milhares de vidas.
Depois de ignorar apelos mundiais, a Rússia invadiu a Ucrânia no dia 24 de fevereiro. O avanço dos tanques abafou o choro de uma população em desespero, reduzida a esconderijos. Vladimir Putin tomou para si regiões separatistas, na tentativa de mudar o mapa do mundo. Os ucranianos resistiram, mas também passaram a engrossar as longas filas de refugiados à procura de um novo lar.
No Brasil, de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, o número de brasileiros que convivem com a fome chegou a 33 milhões este ano. Um menino, de 11 anos, chegou a ligar para a polícia pedindo comida e contando que a família estava sobrevivendo a base de água e fubá.
Retomado agora em 2022, o Censo -- pesquisa que traça um perfil da população brasileira -- começou num ritmo mais lento que o previsto e precisou ser prorrogado. O motivo foi a falta de recenseadores.
Em 2022, a tentativa de manter sob controle uma antiga vilã: a inflação. Foram meses de avanços e recuos do IPCA, o medidor oficial. Outro índice importante da economia, a taxa Selic, não saiu da casa dos dois dígitos.
Uma das responsáveis pelos meses em que houve variação negativa dos preços, a chamada deflação, foi a gasolina. Baixar o preço dos combustíveis foi uma das apostas do governo para aliviar uma população que viu os gastos com transportes dispararem no início do ano. Além das reduções nas refinarias, governadores foram obrigados, por lei, a diminuir as alíquotas do ICMS cobrado na gasolina.
Na Petrobras, houve mudança na presidência: saiu José Mauro Coelho e entrou Caio Paes de Andrade, o quinto a ocupar a cadeira no governo de Jair Bolsonaro. E essa não foi a única troca de comando. Pela quarta vez em menos de 4 anos, o diretor-geral da Polícia Federal foi substituído. O presidente do Inep deixou o cargo a menos de 4 meses do Enem.
Já o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, caiu após o vazamento de um áudio em que revelava priorizar os repasses para prefeituras com projetos intermediados por pastores, acusados de tráfico de influência. Um dos pastores que supostamente intermediaram verbas do Ministério pediu, em troca, propina de R$ 15 mil de adiantamento e mais um quilo de ouro. Meses depois do escândalo, Milton Ribeiro foi preso e a polícia cumpriu mandados de busca e apreensão no prédio do Ministério da Educação.
Obrigado a usar tornozeleira eletrônica, o deputado Daniel Silveira dormiu dentro da Câmara para não colocar o equipamento. O parlamentar foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão por ameaças aos ministros do Supremo Tribunal Federal, mas nem chegou a cumprir a pena. Recebeu indulto presidencial.
Quem não teve uma segunda chance foi Arthur do Val. Conhecido como "Mamãe Falei", o então deputado estadual foi cassado na Assembleia Legislativa de São Paulo por comentários sexistas sobre as mulheres ucranianas.
Denúncias de assédio, estupro e pedofilia fizeram o vereador Gabriel Monteiro, do Rio de Janeiro, também perder o mandato.
Nos Estados Unidos, a residência do ex-presidente americano Donald Trump foi vasculhada. Em um dos cômodos da mansão, estavam escondidas caixas com arquivos do governo classificados como ultra-secretos. O material tinha sido levado até lá clandestinamente, quando Trump deixou a Casa Branca.
A Casa Branca confirmou a morte do sucessor de Osama Bin Laden na liderança do grupo terrorista Al-Qaeda. Ayman Al-Zawahiri foi executado em Cabul, capital do Afeganistão. Ele foi um dos responsáveis pelo planejamento dos atentados de 11 de setembro, em 2001, nos Estados Unidos.
Cultura
O reconhecimento do funk, que ganhou os palcos do mundo com Anitta. A primeira brasileira a chegar ao topo das canções mais tocadas no planeta e a receber um dos prêmios mais cobiçados da música.
A idade foi motivo de muitas comemorações em 2022. Neste ano, muitos músicos fizeram 80 anos: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Paulinho da Viola e Paul Mccartney.
Após o silêncio imposto pela pandemia, a passarela voltou a sambar no Rio de Janeiro, com a coroação da Grande Rio. Em São Paulo, a Mancha Verde se sagrou campeã.
Outro motivo de comemoração foi a reabertura das portas do Museu Nacional, restaurado depois de ter sido consumido pelo fogo. Também tivemos a volta da Cinemateca Brasileira, responsável pelo maior acervo cinematográfico da América do Sul e assombrada nos últimos anos por incêndios e inundações.
Em um leilão em Nova York, o retrato de Marilyn Monroe, criado por Andy Wahrol se tornou a obra mais cara produzida no século XX, arrematada por pouco mais de R$ 1 bilhão.
Defender a esposa de uma piada custou ao ator Will Smith uma dura punição da Academia: o banimento do Oscar por 10 anos.
Deixar Hollywood definitivamente foi a decisão tomada por Bruce Willis, depois do diagnóstico de afasia, um distúrbio de linguagem que afeta a capacidade de comunicação.
O mesmo problema fez o cartunista Angeli anunciar o fim de uma carreira de mais de 50 anos. Um traço que se calou.
Pouco antes de uma palestra no estado de Nova York, um homem armado com uma faca feriu o escritor britânico Salman Rushdie, autor de "Versos Satânicos" -- obra considerada ofensiva pelos extremistas islâmicos. Ele era alvo de ameaças de morte desde a década de 80 e, com o ataque, perdeu o movimento de uma das mãos e um olho.
Tecnologia
Em 2022, o país alcançou um novo patamar tecnológico com a chegada do 5G. Brasília foi a primeira cidade a receber o sinal, que representa uma verdadeira revolução na maneira como usamos a internet. Os impactos são sentidos aos poucos, na medida em que a tecnologia se espalha pelo Brasil. O 5G significa um salto na possibilidade de inovação nos mais diferentes setores da sociedade, ao mesmo tempo em que oferece a chance de finalmente reduzirmos as profundas desigualdades no acesso à rede móvel no país. O sinal, até 20 vezes mais rápido que o 4G, deve provocar, nos próximos anos, grandes transformações na forma como o brasileiro trabalha e se relaciona na rede mundial de computadores.
E por falar em mudanças envolvendo a internet, foram elas que chacoalharam uma das mais populares e importantes redes sociais do mundo. Depois de um impasse na compra, Elon Musk se tornou o dono do Twitter, com um plano de demissões que cortou a equipe pela metade. Logo depois, foi a vez da Meta, a dona do Facebook, Whatsapp e Instagram, dispensar mais de 11 mil funcionários. O aviso chegou por email.
2022 foi um ano em que o homem provou que pode ir muito além, como encontrar a estrela mais distante já vista por astrônomos, captada pelo Hubble, da NASA, a quase 13 bilhões de anos-luz da Terra. Mas foi o maior, mais poderoso e mais caro telescópio já lançado ao espaço, o James Webb -- que conseguiu fotografar, com detalhes, nuvens gigantescas de poeira e gás, formadas a partir da explosão de estrelas -- que descobriu galáxias que podem estar entre as mais antigas do universo.
Para testar uma estratégia que poderia tirar algum corpo celeste potencialmente perigoso da rota de colisão com o planeta, a Nasa lançou uma sonda que conseguiu desviar a trajetória de um asteroide. Um fato inédito, que entrou para a história como o primeiro plano capaz de proteger a Terra de uma colisão espacial e de possíveis ameaças futuras que possam colocar em xeque um planeta de 8 bilhões de habitantes.
Meio ambiente
Palco de tantos conflitos e alvo de tantas práticas clandestinas, a Amazônia registrou recordes de desmatamento. Sofreu, em 2022, a pior devastação em quinze anos.
Enquanto isso, o mundo sufocava com a onda de calor histórico que matou mil pessoas na Europa e com as chamas que tiraram mais de duas mil pessoas de casa na Califórnia. Um planeta afogado pelas tempestades que inundaram o Paquistão e soterraram famílias em Pernambuco, em uma das piores tragédias já provocadas por chuvas no estado.
No interior do Amazonas, dois irmãos perdidos em plena floresta. Gleiçon, de 9 anos, e Glauco, de 7, se embrenharam no meio da mata e ficaram 26 dias desaparecidos. Desnutridos e debilitados, conseguiram se manter vivos bebendo água da chuva.
Não foram poucas as vezes que a Região Serrana do Rio de Janeiro testemunhou tragédias provocadas por fortes temporais. A cada chuva, vem à tona o medo de novos deslizamentos, enchentes e perdas. Neste ano, Petrópolis enfrentou a maior catástrofe da história. 233 pessoas morreram. A cidade vivenciou momentos difíceis de esquecer. A cena mais dramática e chocante foi a que registrou passageiros de dois ônibus lutando pela sobrevivência, enquanto os veículos eram arrastados pela correnteza.
Em Minas Gerais, a pedra de um cânion atingiu em cheio embarcações no lago de Furnas, em Capitólio. 10 pessoas que estavam em uma das lanchas não sobreviveram ao desastre.
Escândalos
Uma avalanche de denúncias derrubou o presidente da Caixa, Pedro Guimarães. Cansadas de viver em silêncio, funcionárias vítimas de assédio sexual e moral resolveram trazer à luz a perseguição que sofriam.
Um escândalo parecido derrubou Boris Johnson. A situação do primeiro-ministro do Reino Unido ficou insustentável depois do acobertamento de acusações de assédio sexual no governo e de festinhas em pleno lockdown durante a pandemia.
Por causa de crimes sexuais, o ator José Dumont foi para a prisão. O empresário Thiago Brennand se escondeu em Abu Dhabi e a Itália enviou um pedido de extradição ao Brasil, para o ex-jogador da Seleção, Robinho, condenado na Europa por violência sexual.
Não foram raros os crimes de racismo dentro do estádio. E fora dele, até na TV estrangeira.
Saúde
O mundo voltou a bater recordes de infecções por covid-19 com a variante ômicron, em 2022. A explosão de casos no Brasil deu início a uma correria por testes, que se tornaram escassos. O desafogo veio com o autoteste e a vacinação das crianças.
Erradicada no Brasil há quase três décadas, a poliomielite foi uma das doenças mais temidas do século XX. Mas o baixo índice de vacinação acendeu o alerta de que ela ainda pode assombrar as próximas gerações.
Em outra frente de batalha, o avanço da varíola dos macacos -- declarada uma emergência global pela Organização Mundial da Saúde. A doença trouxe o medo de uma pandemia parecida à que tirou a população das ruas, fechou comércios e atrasou em dois anos o censo demográfico do país.
(in) Justiças
Deixar de cobrir os cabelos pode resultar em punição quando o assunto são as duras regras impostas às mulheres no Irã. A morte de uma jovem de 22 anos, presa pela polícia após violar o código de vestimenta islâmico, desencadeou um novo tipo de protesto que ganhou o mundo.
Os limites da decisão sobre o próprio corpo se tornaram o centro de uma discussão na justiça brasileira. Uma menina de doze anos, vítima de estupro, quase foi impedida por uma juíza de fazer um aborto, previsto em lei.
Um direito que a Suprema Corte dos Estados Unidos resolveu derrubar. A interrupção da gravidez, que era uma garantia em todo o país, passou a ser de competência dos governos estaduais.
Enquanto lá a justiça revogava uma decisão, aqui, ela anulava o maior júri da história. Por dois votos a um, o tribunal do Rio Grande do Sul cancelou o julgamento que condenou os quatro réus da Boate Kiss. Eles deixaram a prisão, para aguardar o andamento do processo em liberdade.
Ser livre, mesmo foragido, é o que planejava Paulo Cupertino, assassino do ator Rafael Miguel e dos pais do jovem. Mas, depois de quase três anos escondido, o criminoso mais procurado de São Paulo acabou localizado e preso pela polícia graças a uma denúncia anônima. Com documento falso e sem dinheiro, ele usava disfarces para se abrigar em um hotel da capital paulista.
E quando alguém paga por algo que não fez? O mecânico Guilherme Lima foi morto em uma blitz montada por investigadores em São Paulo. Na verdade, ele não sabia que se tratava de uma blitz e por isso não parou o carro. Um catador de material reciclado que estava por perto também foi assassinado. A operação contou com a participação de agentes do Instituto Nacional de Defesa e Promoção à Pessoa, o Indep. Na gíria, são os chamados gansos -- uma espécie de polícia paralela. Os envolvidos montaram uma farsa para acobertar a ação desastrosa.
Um golpe milionário aplicado contra a própria mãe. Com a ajuda de videntes, Sabine Boghici convenceu a mãe, uma senhora de 82 anos, a pagar por proteção espiritual. Mais de R$ 700 milhões foram desviados, incluindo joias e um dos maiores acervos de obra de arte do país.
Para a Justiça do Rio de Janeiro, foi uma vingança que motivou a morte do pastor Anderson do Carmo, marido da ex-deputada federal Flordelis. O rigor da vítima no controle das finanças da família teria desagradado a também pastora. Para o Ministério Público, ela não só planejou, como convenceu filhos e netos a participar do assassinato, simulando um latrocínio. Flordelis foi condenada a mais de 50 anos de prisão.
Um outro crime, de contornos parecidos, mas ocorrido há 30 anos, voltou ao noticiário em 2022 com o falecimento de um dos assassinos: o caso Daniella Perez. O que também parecia ser um roubo seguido de morte provou-se um crime planejado e executado pelo ator Guilherme de Pádua e sua então mulher, Paula Thomaz, em 1992. Guilherme morreu este ano, de infarto.
Violência
Uma operação realizada este ano na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro deixou 26 mortos. Uma ação que vai ser lembrada como a segunda mais letal da história do estado, atrás apenas da operação no Jacarezinho, ano passado, quando 28 pessoas morreram. A polícia afirma que a intenção era impedir o deslocamento de um comboio de traficantes da maior facção criminosa do Rio, que pretendia chegar a uma outra comunidade. A equipe policial foi descoberta e uma troca de tiros, mais uma vez, aterrorizou a rotina dos moradores. Em outra operação, desta vez no complexo de favelas do Alemão, mais 18 vítimas. A ação era para combater roubo de veículos, de carga e a bancos. O Serviço de Inteligência também investigava uma possível invasão de pelo menos 100 traficantes do Complexo a comunidades vizinhas.
A dor à flor da pele. O desespero de quem, de joelhos, implorou pela vida, mas foi morto ao proteger a namorada.
O procurador da cidade de Registro, em São Paulo, Demétrius Macedo, espancou a própria chefe depois de descobrir que responderia a um processo administrativo por tratar mal as mulheres com quem trabalhava. Perguntado se estava arrependido, respondeu que não sabia dizer e ainda se mostrou incomodado por ter sido preso e interrogado por mulheres.
O ganhador da Mega-Sena Jonas Alves Dias foi assassinado no interior de São Paulo. Ele foi raptado e abandonado às margens de uma rodovia com sinais de espancamento.
2022 foi um ano em que a violência contra a mulher chegou a um ponto que parecia inimaginável: o estupro de uma mãe durante o parto. A cena chocante foi gravada pela equipe de enfermagem de um hospital da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, que desconfiou do comportamento de Giovanni Quintella Bezerra durante as cesarianas.
Uma agressão já no início da vida. No chão de um banheiro, com as mãos e os braços amarrados. Era assim que bebês costumavam ser deixados em uma escola particular de São Paulo. As donas da escola são duas irmãs, que foram presas.
Um recomeço. Foi o que trouxe o congolês Moïse Kabagambe ao Brasil. Funcionário de um quiosque no Rio de Janeiro, ele foi espancado até a morte, por causa de um salário atrasado.
Por causa de um capacete, Genivaldo foi trancado no porta-malas de uma viatura, sem chance de respirar. Asfixiado por gases tóxicos, ele lutou pela vida durante 11 minutos.
Também foram 11 os dias de buscas pelos corpos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira. Os dois foram assassinados depois de flagrarem a prática de pesca ilegal em uma reserva indígena no Amazonas. Por causa do trabalho realizado no posto da Funai antes de se licenciar do órgão e das denúncias que fazia contra ações ilegais na região, Bruno Pereira recebia ameaças constantemente.
As ameaças também antecederam um ataque brutal a duas escolas no Espírito Santo. As postagens de um adolescente na internet deixavam claro o sentimento de revolta. Foram dois anos de planejamento. O atirador, filho de um policial militar, fez disparos aleatórios, atingindo professores e alunos. Quatro pessoas morreram e mais de dez ficaram feridas.
Há quem tenha escapado da morte por muito pouco. Graças à falha de uma arma. O alvo: a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner. O atirador: um brasileiro que planejou o ataque com a namorada.
Mas foi um outro atentado que mudou para sempre um país que não está acostumado a testemunhar esse tipo de violência. O ex-primeiro ministro japonês, Shinzo Abe, discursava em um comício ao ar livre quando foi atingido por dois disparos. O assassino era um jovem que acreditava que o ex-premiê fazia parte de uma seita culpada por sua situação financeira ruim. Um crime motivado por rancor.
Há desavenças muito mais antigas, que ainda provocam a morte de quem não está no conflito para lutar. O capacete e o colete à prova de balas escrito 'imprensa' não foram suficientes para salvar a vida da jornalista palestina Sherine Abu Akleh, da TV Al-Jazeera, na Cisjordânia a trabalho. Os tiros partiram da polícia israelense, que não quis trégua nem no funeral.
A atuação de criminosos em plena luz do dia se tornou uma cena comum na maior área de comércio popular do país, a rua 25 de março. Os flagrantes de violência se repetiram em saques na região central da capital paulista, protagonizados por usuários de drogas após a dispersão da Cracolândia.
E o que dizer das investidas do chamado novo cangaço? Ações violentas em cidades pequenas, no Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo...
Despedidas
Foi um ano de difíceis ausências para a música popular brasileira. O silêncio de uma voz que nasceu na favela para cantar a dor e o protesto. A força do timbre de Elza Soares refletia uma história vivida com a mesma intensidade. Obrigada a se casar ainda na infância e a testemunhar a perda de filhos e do grande amor, Garrincha, esse ícone da música nos deixou aos 91 anos.
Mãe de todas as vozes, Gal Costa nos deixou numa manhã de novembro, aos 77 anos. Musa do Tropicalismo e ícone de resistência que desafiou conservadores, Gal tinha o poder de encantar e se transformar. Um canto que se tornou eterno, como tudo que é único e belo.
O maior símbolo da Jovem Guarda também nos deixou este ano. Pioneiro do rock nacional, Erasmo Carlos era, antes de tudo, um romântico. Compôs mais de 600 canções, que embalaram milhões de brasileiros nas últimas décadas. Principal parceiro de Roberto Carlos na música, o Tremendão viveu apaixonado até o fim.
Já a música caipira perdeu um de seus principais defensores. Rolando Boldrin levou para a televisão brasileira a simplicidade do homem do campo. A vida no interior do país contada em verso e prosa.
A morte de Jô Soares significou a despedida de um dos artistas mais completos de todos os tempos. Criador de inúmeros personagens, pioneiro no formato que ficou conhecido como talk show, o humorista tinha a genialidade de quem não conseguia ser um só. Precisava se desdobrar em vários. O legado não poderia ser outro: alegria.
A morte. O luto. A marcha silenciada pelo vazio deixado pelo fim de uma era. A morte da Rainha Elizabeth II, aos 96 anos, encerrou o reinado mais longo da história do Reino Unido. Foram sete décadas no trono mais poderoso do mundo. O maior esquema de segurança já visto no país foi montado para a despedida de uma monarca que, com elegância, foi se retirando aos poucos da vida pública... que não participou do próprio jubileu, mas conquistou o direito a um lugar privilegiado na história.
A partida provocou a ascensão de um novo rei. Com 73 anos, Charles III assumiu o desafio de reinar para milhões de súditos sem a popularidade da mãe. Pouco depois, outra autoridade britânica seria trocada. A primeira-ministra Liz Truss, sucessora de Boris Johnson, renunciou após um fracasso econômico, a menos de dois meses no cargo. A cadeira foi então ocupada por Rishi Sunak. O hindu de 42 anos, filho de indianos, se tornou o primeiro-ministro britânico mais novo em dois séculos, nomeado pelo monarca mais velho a assumir o trono.
Futebol
No mundo do esporte, o melhor do ano ficou para o fim. A Copa do Catar. Pela primeira vez, todos os olhos do futebol se voltaram para o Oriente Médio, algo tão inédito quanto a disputa acontecer nos meses de novembro e dezembro. Foi o último mundial com 32 seleções. Infelizmente, não foi dessa vez que o hexa veio. Mas durante 28 dias, tivemos uma competição de belos gols e surpresas.
Uma Copa marcada pela despedida de Cristiano Ronaldo que, aos 37 anos, não deverá estar em 2026. Mas nenhuma despedida será tão lembrada quanto a de Lionel Messi. Ele avisou que essa seria sua última vez na competição e pôde, enfim, realizar o sonho de menino, o sonho de poder dizer "eu sou campeão do mundo".
Já aqui no Brasil, a maior torcida do país termina o ano com emoção e alegria em dose dupla. O Flamengo ouviu o mesmo grito duas vezes em apenas 10 dias. Primeiro, na Copa do Brasil, com a sofrida disputa de pênaltis contra o Corinthians. Depois, com mais tranquilidade, em Guayaquil, no Equador, na grande decisão da Copa Conmebol Libertadores.
E se o Flamengo mandou na Conmebol Libertadores, ninguém foi melhor do que o Palmeiras no Brasileirão. Campanha de campeão. Ou melhor, um hendecacampeão. 11 títulos, e o último com o melhor ataque, a melhor defesa. Altíssima regularidade de um clube que se acostumou, nos últimos três anos, a comemorar pelo menos um título por temporada.
Mas não há hegemonia maior do que o futebol brasileiro praticado pelas mulheres. Na Colômbia, a seleção feminina ganhou a Copa América pela oitava vez. Uma campanha sem derrota e sem sofrer sequer um gol na competição. O título, o primeiro sob o comando da técnica sueca Pia Sundhage, garantiu a vaga no Mundial de 2023 na Nova Zelândia e Austrália.
Hegemonia também é a palavra para a relação do Real Madrid com a UEFA Champions League. O gigante espanhol ganhou sua 14ª taça do torneio, em uma final emocionante contra o Liverpool -- só definida no gol do brasileiro Vinícius Junior. Campeão da Champions em 2021, o Chelsea foi ao Mundial de Clubes e bateu de frente com o Palmeiras numa decisão difícil. Após o empate por 1 a 1 nos 90 minutos, a vitória dos ingleses veio com um pênalti no final da prorrogação. Um título que o time de Londres ainda não tinha.
Esportes
Não faltaram exemplos de brasileiros que, esse ano, fizeram história. O ouro inédito de Marcus D'Almeida na Copa do Mundo de tiro com arco. O pentacampeonato na maratona aquática, nas braçadas de Ana Marcela Cunha. A ginástica olímpica no lugar mais alto do pódio, pela primeira vez no Pan Americano e no Mundial, com Rebeca Andrade. A ginasta mais completa do planeta levou a favela para a terra dos Beatles. A fadinha de ouro, Rayssa Leal, provou que é a rainha do skate, enquanto Alison dos Santos se tornou o protagonista da prova mais rápida de todos os tempos nos 400 metros com barreiras. Teve também o retorno emocionante de Rafaela Silva ao judô. A medalha dourada depois de anos suspensa por doping.
O tênis vai demorar muito, muito tempo até ver surgir alguém como Serena Williams. A maior tenista da história se aposentou em setembro, aos 40 anos. Foram 98 títulos jogando simples, duplas e duplas mistas -- uma marca inigualável. As quadras do tênis masculino também perderam um ídolo. Roger Federer, um mito vivo do esporte, abandonou a carreira aos 41 anos. Considerado o maior da história, Federer não prova isso com números. Mas com beleza, perfeição, eficiência dos golpes e carisma. Rafael Nadal chorou na despedida do rival e amigo. O espanhol segue quebrando recordes que já foram de Federer. Com os dois Grand Slams conquistados neste ano, ele já soma 23 vitórias nos torneios.
Um outro nome do tênis ficou fora das principais competições deste ano por não comprovar a vacinação contra a covid-19. O sérvio Novak Djokovic acabou deportado da Austrália e, logo depois, foi impedido de entrar na França. Já a Inglaterra recebeu Djokovic de braços abertos. Foi o vencedor de Wimbledon.