"O dia em que conheci a rainha"
Apresentador do SBT Brasil relembra o evento em que ele conheceu Elizabeth II
Marcelo Torres
Elizabeth II não era unanimidade no Reino Unido. Mas era quase. Mesmo entre a minoria dos britânicos que preferem viver em uma república, havia de modo geral o reconhecimento de que a monarca desempenhava bem suas funções, com discrição e senso de dever, ao contrário de outros integrantes da família real de comportamento menos irrepreensível.
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+ TUDO SOBRE a Rainha Elizabeth II
É o que se espera de uma rainha no século 21? No caso do Reino Unido, uma monarquia moderna, um país que como poucos combina tão bem inovação com tradição, cabia a ela simbolizar a segunda parte. Elizabeth não nasceu para isso. O pai dela, George VI, era apenas o segundo na linha de sucessão e possivelmente nunca chegaria ao trono se não fosse a paixão avassaladora de seu irmão rei, Eduardo VIII, por uma mulher divorciada. Por amor a Wallis Simpson ? que ele disse considerar uma glória ainda maior que o reinado -- veio a renúncia e todas as suas consequências.
Vida no campo
A menina Elizabeth gostava de cavalos e da vida no campo, mas não parece ter questionado o novo caminho diante de si. Mesmo mostrando uma personalidade forte, como na época em que foi mecânica para ajudar as tropas britânicas na Segunda Guerra Mundial, era de um tempo em que mulher não tinha muito a escolher. Nem mesmo as princesas.
E tal qual muitos de nossos pais e avós, a monarquia viu o mundo, ou o comportamento das pessoas, mudar de forma tão radical durante seu tempo de vida, que se divorciar deixou de ser um escândalo. O próprio filho, agora prestes a ser tornar o Rei Charles, teve uma das separações mais rumorosas de nossos tempos e, sem nenhum constrangimento, subirá ao trono ao lado de uma mulher também divorciada.
Diz o folclore que a rainha gostava de uma dose de gim, mas sem nunca exagerar. Uma das anedotas em torno de sua figura é que, certa vez, se deliciou com um cálice de vinho branco no almoço e pensou em tomar o segundo. A rainha mãe, que estava na mesa, ponderou com uma frase do tipo: "minha filha, acha mesmo que deveria? Ainda tem que reinar a tarde inteira". Seja lá o que reinar significasse.
O que ela pensa?
O que pensava Elizabeth II em termos de política? Foi com a mãe e com a avó que ela aprendeu que ficar calada diante de situações preocupantes, mesmo com tanto poder nas mãos, era a tarefa mais difícil de todas, mas era necessário. Sua presença afastaria qualquer aventureiro em busca de poder absoluto porque esse já existia e estava personalizado em Elizabeth. Mas a rainha o perderia assim que desejasse exercê-lo. Parece uma contradição, mas vem mantendo um benfazejo consenso político no país há séculos.
Morei nove anos na "terra da rainha", como os brasileiros gostam de dizer, mas nunca fui um súdito. Critiquei-a na época da morte da princesa Diana, mas em quase todos os outros momentos nutri uma grande simpatia por sua majestade. Sempre que aparecia, estampava no rosto a empatia do Estado pelo povo, ora celebrando, ora confortando, ora meramente desempenhando burocráticas funções da monarquia.
Esquema especial
Em março de 2006, o então presidente Lula foi convidado para uma visita de Estado ao Reino Unido. Ao contrário de um encontro qualquer, um evento assim traz consigo pompa, circunstância e deferência. Entre elas, a de ser homenageado em um jantar pela rainha e a de dormir no Palácio de Buckingham.
Na época, eu era correspondente do SBT em Londres. Dezenas de equipes se credenciaram para cobrir a visita e foi organizado um sistema de pool. Os repórteres, fotógrafos e cinegrafistas se espalhariam em diversos pontos e, depois, compartilhariam as imagens entre todos os veículos.
Só uma pessoa poderia ficar dentro do palácio para registrar a chegada do presidente brasileiro e de sua esposa e a recepção pela rainha. Tive a sorte de ser o escolhido. Durante uns cinco minutos, apenas eu e o fotógrafo real nos posicionamos a uns cinco metros de Elizabeth II e do príncipe Phillip.
Naqueles momentos, observei uma senhora que poderia ser a avó de qualquer um de nós, num dia de bom humor, sorrindo ao lado do marido. Quanto poder e simbologia dentro de um corpo tão pequeno! Me veio à cabeça o célebre discurso de Elizabeth I, ainda no século 16, destacando que tinha um corpo frágil, mas o coração de uma rainha. A metáfora perfeita para uma instituição que transcende a individualidade de cada um que passa pelo trono.
Mas a rainha mais longeva da história britânica não era, afinal, tão frágil. Teria, ainda, dezesseis anos pela frente. Testemunharia uma Olimpíada em seus domínios, mas também veria com pesar uma pandemia e uma guerra voltando ao território europeu. Sua síntese era isso: em uma vida tão vasta e rica, viu de tudo.
Muitas vezes de um assento mais confortável que o nosso; em outras, de um lugar em que nunca gostaríamos de estar. Não enfatizava a condição, mas era humana. E, como todos nós um dia, despediu-se desta existência. Parece ter tido uma vida que valeu a pena.