Cai número de assassinatos de jornalistas, mas impunidade é regra, diz relatório da Unesco
De cada 10 assassinatos de jornalistas, em nove não há solução no sistema de Justiça
Roseann Kennedy
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgou o relatório sobre liberdade de expressão e ameaças à atividade jornalística no mundo. O documento Tendências Globais a Liberdade de Expressão e Desenvolvimento da Mídia traz algumas boas notícias, como a redução do número de assassinatos de jornalistas. Mas revela que a impunidade é comum, quando se trata de atentados à liberdade de expressão e da atividade da imprensa.
Em entrevista exclusiva à jornalista Roseann Kennedy, do SBT News, o chefe global da seção de Liberdade de Expressão e Segurança da Unesco, Guilherme Canela, falou sobre o relatório, que será lançado nesta 3ª feira (2.nov), por ocasião do Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas. Confira os principais trechos:
Relatório da Unesco
"Neste dia mundial para colocar fim à impunidade nos crimes contra jornalistas, a Unesco volta a lançar luzes sobre o complexo fenômeno dos ataques à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa, que vêm, infelizmente, crescendo nas várias regiões do planeta. Em relatório atualizado e publicado a cada quatro anos, Tendências Globais a Liberdade de Expressão e Desenvolvimento da Mídia, na qual há a inclusão de um capítulo especial sobre a temática da segurança de jornalistas, a organização detalha elementos importantes desse triste fenômeno da violência contra profissionais de imprensa."
Assassinatos de jornalistas
"O relatório começa, entretanto, com uma boa notícia. Comparativamente ao quinquênio anterior, há uma redução de 20% no número de assassinatos contra jornalistas. No entanto, esse dado não conta toda a história. Infelizmente, outros indicadores ainda seguem sendo muito negativos."
Impunidade
"A impunidade, por exemplo, em relação a esses crimes segue sendo da ordem de 90%. Ou seja, de cada 10 assassinatos contra jornalistas, em quase nove casos não há uma solução no sistema de Justiça. E outros tipos de ataques aos profissionais de imprensa estão, infelizmente, numa curva ascendente. Entre eles, as prisões arbitrárias, os ataques online, sobretudo contra mulheres jornalistas, e os ataques a jornalistas que cobrem protestos sociais são alguns dos fenômenos que foram registradas pela Unesco ao longo do período."
Assédio judicial
"Há um crescente volume de assédio judicial contra os profissionais da imprensa. Isto é, o uso do sistema de Justiça de uma forma deturpada para tentar calar o trabalho da imprensa. Então, esse conjunto de dados demonstra que ainda há muito por se fazer para proteger uma imprensa livre, independente e plural, instituição central para a consolidação das democracias, para o desenvolvimento sustentável e para a proteção e promoção dos direitos humanos. Porque os jornalistas que são atacados e atacadas são jornalistas que estão cobrindo corrupção, crimes ambientais, violação de direitos humanos. E isso são elementos que são detalhados nesse informe da Unesco, que já está disponível para discussão de todos os atores interessados em resolver esse problema, que é um problema complexo e que demanda portanto políticas públicas complexas."
Plano global
"Do ponto de vista de elementos para equacionar essa grave situação dos ataques à liberdade de expressão em geral e à liberdade de imprensa em particular, a Unesco vem sugerindo, já há muitos anos, mas, em particular, desde 2012, quando se aprova um plano global das Nações Unidas para segurança do jornalistas e a questão da impunidade, que as políticas públicas que são necessárias para equacionar essa agenda são políticas públicas que precisam contar com três elementos centrais: elementos preventivos; elementos de proteção e elementos de procuração de Justiça, ou seja, de combate à impunidade."
Conscientização
"A Unesco e muitos outros atores no âmbito nacional, internacional e regional vêm investindo em uma série de elementos que merecem ser sublinhados aqui. O primeiro dele, sobretudo, no âmbito da prevenção, é a importância de gerar consciência entre todos os atores, sobretudo na cidadania em geral, de que o ataque à liberdade de imprensa não é um ataque somente aos jornalistas que são envolvidos nessa violência praticada contra eles. O ataque à liberdade de imprensa é um ataque a todos nós. Quando os jornalistas deixam de falar criam-se zonas de silêncio, e isso tem impactos na nossa vida cotidiana, porque outros direitos além da liberdade de expressão também deixam de ser protegidos quando isso acontece. Então, é preciso criar consciência através de campanhas, através de uma discussão ampla com a sociedade sobre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa."
Proteção
"No âmbito da proteção, é fundamental desenvolver mecanismos de proteção de jornalistas que estão ameaçados, mecanismos de proteção que dão conta da complexidade do fenômeno. Proteção em relação à violência física, proteção em relação à violência online, proteção em relação ao assédio judicial, proteção em relação aos jornalistas que estão cobrindo protesto e sociais, por exemplo."
Envolvimento da Justiça
"E, no que se refere à procuração de Justiça, o fim da impunidade, é fundamental envolver os atores do sistema de Justiça, membros do Ministério Público, as forças policiais que precisam também participar da investigação dos crimes, e o Poder Judiciário. Nesse sentido, por exemplo, a Unesco, em conjunto com uma série de parceiros, desenvolveu um programa global de formação de juízes e outros operadores judiciais pelo qual já passaram 23 mil juízes, promotores e outros atores vindo de150 países."
Investigação jornalística
"Neste dia mundial, por exemplo, para a luta contra a impunidade de crimes contra jornalistas, nós estamos fazendo uma série de discussões com membros do Ministério Públicos de várias partes do mundo, justamente sobre a especificidade de investigar crimes contra jornalistas, os quais também precisam ser investigados pelo próprio jornalismo investigativo. Por isso, a Unesco, através de seu fundo global para defesa da mídia, vem financiando investigações jornalísticas sobre crimes praticados contra os colegas. Nesse sentido, é uma chamada a um esforço global para que esse tema tão dramático da violência contra imprensa tenha um fim, e esse é o tema da campanha deste ano: como conseguimos parar as ameaças que existem contra os profissionais da imprensa?"