Afeganistão: entenda a preocupação das mulheres com governo Talibã
Grupo extremista islâmico pode ameaçar direitos femininos básicos conquistados ao longo dos últimos 20 anos
Liberdade, segurança e oportunidade. Essas são as principais preocupações que assombram as mulheres que habitam no Afeganistão, agora sob comando do grupo extremista islâmico Talibã.
Em declaração à BBC, o porta-voz do grupo extremista, Suhail Shaheen, afirmou que, apesar dos relatos, o Talibã pretende manter os direitos femininos. Segundo ele, as propriedades e a vida da população estão asseguradas, principalmente no que tange aos residentes de Cabul. No entanto, centenas de mulheres não acreditam nas garantias e temem retroceder aos parâmetros estipulados durante os cinco anos do antigo governo Talibã - 1996 a 2001.
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Na época, quando a sharia (conjunto de normas proveniente do Alcorão, que possui as falas e condutas do profeta Muhammad) estava em vigor em suas formas mais estritas, as mulheres não tinham direitos básicos como o de ir e vir. Para isso, era preciso sair acompanhada de um homem ou ter uma permissão por escrito, também assinada por um homem. O uso da burca -- vestimenta que cobre o corpo inteiro, deixando apenas espaço para olhos -- era obrigatório e o estudo e o trabalho eram proibidos. As infrações de qualquer uma das regras resultava em punições severas como prisão, tortura, apedrejamento ou até execução em lugares públicos.
Para a antropóloga, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes (GRACIAS), Francirosy Campos Barbosa, a interpretação da sharia que o Talibã adota foge do que a lei estabelece. "O objetivo da sharia é preservar a vida, a propriedade, a religião e o conhecimento, qualquer coisa que se faça contra isso está, certamente, distorcendo os princípios islâmicos", afirma.
"Qualquer mulçumamo que proíba uma mulher de seus direitos como, por exemplo, escolher o marido, se divorciar, estudar ou trabalhar, está indo contra os preceitos da religião", completa.
Com a saída do regime extremista, houve um avanço nos direitos das mulheres, ainda que a sociedade afegã tenha se mantido conservadora. As meninas eram permitidas nas instituições de ensino fundamental e superior e as mulheres ocupavam cargos em empresas e no Parlamento do Governo. Além disso, "os movimentos ativistas, que já estavam em andamento durante o governo Talibã, se ampliaram e, certamente, durante esses 20 anos, se fortaleceram", diz Francirosy.
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Na tarde de 3ª feira (17.ago), algumas mulheres protestaram a favor de seus direitos nas ruas de Cabul. No mesmo dia, Shaheen conversou com a rede britânica Sky News e garantiu que as mulheres continuarão tendo acesso a escolas e universidades e, ainda, que não precisarão usar a burca, podendo ser substituída pelo hijab -- véu islâmico que deixa o rosto à mostra.
These brave women took to the streets in Kabul to protest against Taliban. They simplify asking for their rights, the right to work, the right for education and the right to political participation.The right to live in a safe society. I hope more women and men join them. pic.twitter.com/pK7OnF2wm2
? Masih Alinejad ?? (@AlinejadMasih) August 17, 2021
"Tudo tem que ser olhado com desconfiança, pode ser que o Talibã seja mais pragmático agora. O mundo é outro e mudou, muito novos atores políticos surgiram nesses 20 anos... mas não há como fazer previsões", disse a professora e co-fundadora do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom), Muna Omran. "Fato é que uma crise humanitária se instalou e várias pautas humanitárias poderão ser ignoradas", completou.
Francirosy reforça que "não é uma questão de vestimenta e sim uma questão de garantir os direitos humanos. Da mesma forma que podemos pensar que o Talibã se 'reformou', essas mulheres também são outras e estão muito mais preparadas para uma resistência". "Devemos ficar num ponto de equilíbrio para tentar ver os movimentos futuros do Talibã, principalmente em relação às mulheres, mas não podemos esquecer que essa é uma luta das mulheres afegãs", finaliza.