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"Nova geopolítica que aparece", avalia professor sobre protestos em Cuba

Pandemia levou país a uma forte crise econômica e escassez de produtos essenciais

"Nova geopolítica que aparece", avalia professor sobre protestos em Cuba
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Esta semana, no cenário internacional, foi marcada por um acontecimento histórico e suas repercussões: milhares de pessoas saíram às ruas de Cuba em protesto contra o governo do país e fizeram aquela que pode ser considerada a maior manifestação local do tipo desde a Revolução Cubana, em 1959. Por parte dos manifestantes, os gritos de "abaixo a ditadura" e "liberdade" apareceram para o mundo como possível justificativa para os atos, enquanto o governo encabeçado pelo presidente Miguel Díaz-Canel acusou os Estados Unidos de estarem por trás dos distúrbios, por meio da sua política de sanções e uma campanha na internet. Porém, o que de fato explica o evento?

Em entrevista ao SBT News, o doutor em ciência política e professor de Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Maurício Santoro disse que "Cuba tem enfrentado uma crise econômica muito severa por causa da pandemia e que resultou na escassez de alimentos e na escassez de remédios". "São duas necessidades essenciais que afetam o cotidiano das pessoas e que realmente estão aí na origem dessas manifestações", observou. Protestos nas ruas cubanas, fala ele, são raros e não aconteciam há 25 anos; na década de 90, após o fim da União Soviética, Cuba mergulhou em uma crise econômica também e se deparou com seus cidadãos protestando contra o governo, e, antes disso, houve distúrbios nos anos 60 e 70.

Na visão do professor, "o que a gente está vendo agora é parte de uma onda internacional mais ampla, uma nova geopolítica que está aparecendo a partir da pandemia, principalmente porque esta tem lançado muitos países numa situação de fome, de pobreza muito extrema". Ele relembra que Colômbia e África do Sul também registraram protestos, cujo estopim tem relação, em graus diferentes, com os impactos econômicos da crise sanitária.

Em nota enviada ao SBT News, o embaixador de Cuba no Brasil, Rolando Gómez González, pontua que "o que aconteceu no dia 11 de julho foi resultado de uma ação política realizada de fora, altamente ampliada no campo digital, virtual, que tem sido confrontado com o apoio e participação do povo e com um mínimo de força policial, o que em qualquer estado de direito é necessário para a aplicação da lei". Ainda de acordo com ele, Cuba apresenta dificuldades "que são agravadas pelo embargo [praticado pelos americanos], pelos desastres naturais, pela pandemia, mas temos um consenso muito forte e coeso em torno de um projeto de sociedade defendido pela grande maioria do nosso povo baseado na independência e não submissão aos Estados Unidos, que sempre desejaram dominar nosso país".

Mas, no entendimento do professor da UERJ, Cuba tem tratado todos os manifestantes como pessoas executando atividade ilegal e deu início a uma repressão política em larga escala. "A gente tem algumas estimativas que estão falando de milhares de pessoas presas. O que seria muita gente, em especial, para um país pequeno como Cuba", afirmou. Além disso, avalia o professor, o embargo praticado pelos Estados Unidos em relação à ilha desde o século passado "causa uma série de problemas para Cuba, não resta dúvida, mas a gente tem muitas dificuldades da própria economia cubana, principalmente na questão agrícola".

As sanções impostas pelos americanos, segundo Maurício, foram alteradas em diferentes pontos nos últimos 20 anos. Em suas palavras, "desde o final do governo [de Bill] Clinton, os Estados Unidos podem vender alimentos para Cuba, coisa que os americanos fazem em grande quantidade". "Na verdade, mesmo com o embargo, os Estados Unidos são um dos maiores parceiros comerciais cubanos por causa das exportações de alimentos. Agora, é claro que sem o embargo esse comércio poderia ser muito maior."

Problemas econômicos internos

Com uma abertura econômica para a iniciativa privada pequena na área agrícola e não tendo realizado reformas econômicas similares à da China e Vietnã, dois de seus aliados políticos, Cuba, para o doutor em ciência política, "vive nessa corda bamba, depende do turismo, depende das remessas que os cubanos nos Estados Unidos mandam para suas famílias e depende do açúcar, e tudo isso foi muito prejudicado desde o início da pandemia". Ele acrescenta que o país planta principalmente cana-de-açúcar, mas teve uma colheita ruim no ano passado devido a um período de estiagem.

As soluções para os problemas econômicos, então, diz o professor, passam pela realização de reformas econômicas abrangentes, que poderiam elevar o crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) -- atualmente em 2% ao ano -- para um patamar suficientemente transformador. "O meu ponto é que essas reformas econômicas que foram feitas pelo governo cubano simplesmente não foram suficientes para o que são as necessidades sociais e econômicas do país, até que chegou um ponto em que a própria legitimidade desse sistema está sendo colocada em cheque pela população. E aí a gente tem um presidente que não tem nem de longe a força política dos seus antecessores. O Miguel Díaz-Canel é um tecnocrata de uma geração que cresceu já depois da revolução de 59", pontuou Maurício.

Próximos passos

Pensando nas manifestações do dia 11 de julho, o embaixador de Cuba no Brasil afirma que o governo cubano tem "absoluta paz de espírito e confiança de que esses eventos não se repetirão e que nosso povo e o país têm todas as chances de superá-los". O professor da UERJ, por sua vez, acredita numa continuidade deles, mas em tamanho e duração menores. Também em sua visão, não está claro até que ponto Miguel Díaz-Canel conseguirá manter a repressão diante de pressões dos Estados Unidos e União Europeia (UE), por exemplo. "A política cubana não tem mais o nível de autonomia que ela tinha na década de 2000, quando havia uma série de governos de esquerda na América Latina que protegiam Cuba diplomaticamente, ajudavam na economia. O grande aliado econômico de Cuba nos últimos anos foi a Venezuela, que enfrenta a sua própria tragédia humanitária", concluiu.

Veja o posionamento do embaixdor Rolando Gómez González na íntegra:

Nota Embaixador by Guilherme Delinardi Resck on Scribd

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