Estudo muda conceito de "curados" da covid: Milhões continuam doentes
Levantamento sobre os efeitos prolongados da doença catalogou mais de 200 sintomas, 6 meses após a infecção
Sérgio Utsch
Nove em cada 10 pessoas que ficaram doentes de Covid-19 precisaram de um tempo superior a 35 semanas pra se recuperar. Mais de 200 sintomas foram catalogados no maior estudo realizado até agora sobre a chamada "covid longa".
Publicado hoje na EClinicalMedicine da revista britânica The Lancet, o trabalho, já revisado, monitorou 3762 pacientes em 56 países. Segundo os pesquisadores do Reino Unido e dos Estados Unidos, os efeitos de longo prazo podem atingir pelo menos 10 órgãos do corpo humano e afetar diferentes sistemas como o neurológico, gastrointestinal, dermatológico e até o reprodutivo.
Os sintomas mais frequentes 6 meses após a contaminação são fadiga, mal-estar após algum tipo de esforço e confusão mental causada pelo funcionamento irregular dos neurônios. O trabalho joga luz sobre o grande desafio deixado para os sistemas de saúde e é mais uma evidência do quão arriscada é a estratégia cada vez mais refutada de atingir a imunidade de rebanho com um grande número de pessoas contaminadas.
No Reino Unido, uma das coordenadoras da pesquisa disse ao jornal The Guardian que os problemas respiratórios são apenas uma das sequelas deixadas por quem teve a covid-19. A neurocientista Athena Akrami, da Universidade de Londres, afirmou que "há provavelmente dezenas de milhares de pacientes com a covid longa sofrendo em silêncio, sem ter certeza de que os sintomas tem relação com a covid-19".
Diante das evidências, os pesquisadores dizem que a covid longa tem "com impacto significativo em mortalidade e qualidade de vida". Os cientistas afirmam que é preciso um estudo multidisciplinar pra entender melhor a doença e as melhores formas de tratamento.
Brasil
Em Vitória, no Espírito Santo, o médico neurologista Fernando Furtado de Melo estima que as vítimas dos efeitos longos da covid já sejam 10% dos seus pacientes. Ele diz que muitos chegam ao seu consultório depois de terem tido sintomas imediatos de pouca ou nenhuma gravidade. O pior, segundo ele, veio semanas e até meses depois.
"As maiores queixas são os esquecimentos de graus variados, déficit de atenção, dores de cabeça como enxaqueca, transtornos psíquicos como ansiedade e depressão. São sintomas que tem persistido por meses até mesmo por quem teve sintomas leves da doença", afirmou o médico, em entrevista ao SBT News.
No início, o neurologista estranhou a quantidade de pacientes que pediam atestados por não terem condições de trabalhar. "Achei que havia um exagero, mas só com o tempo essa situação ficou mais clara". No estudo, 22% dos pacientes disseram não ter condições de trabalhar. 45% precisaram reduzir a carga de trabalho.
As estatísticas oficiais mostram que 19,2 milhões de brasileiros foram contaminados pelo novo coronavírus. Segundo o Ministério da Saúde, 17,8 milhões de pessoas já estão recuperadas. Esse conceito está caindo por terra por conta dos efeitos prolongados da doença.
Veja reportagem do SBT Brasil: