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Assessor mais influente de Boris Johnson deixa governo do Reino Unido

Dominic Cummings saiu de Downing Street hoje com uma caixa de papelão nas mãos

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conselheiro de Boris Johnson, Dominic Cummings
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Dominic Cummings/PA

A notícia da demissão de um assessor do governo não costuma ganhar muito destaque nos jornais britânicos, ainda que ele seja um assessor especial. Mas Dominic Cummings fez todas as manchetes nesta sexta-feira (13.nov). O homem conhecido como "o gênio do mal" é uma figura de bastidores, mas nunca passou despercebido.  

O assessor especial de Boris Johnson nunca disputou eleições, mas tornou-se uma dos nomes mais importantes da política britânica, "um dos mais poderosos em gerações", disse uma fonte do governo à revista Foreign Policy. Ele é famoso por destratar ministros e influenciar, como poucos fazem, as decisões de Boris Johnson. Fez muitos servidores desistirem da carreira. Hoje, no início da noite em Londres, deixou Downing Street com uma caixa de papelão nas mãos. 

Dominic é um outsider que sempre se colocou como inimigo da burocracia estatal. Em janeiro deste ano, chegou a publicar um anúncio para "esquisitos e mal vestidos com habilidades estranhas" que se interessassem em trabalhar no governo. A retórica fazia referência ao seu próprio estilo e, ao mesmo tempo, servia como crítica ao serviço público britânico, que ele vê como muito polido, lento e pouco eficiente.

Tim Mongtomerie, ex-assessor de Boris Johnson, é um dos muitos nomes do Partido Conservador que se opunham ao método de Cummings. À BBC, ele disse que "não havia tolerância para vozes alternativas. Você tem que estar com ele, incluindo ministros, imprensa, assessores ou você está contra ele". O ex-primeiro-ministro David Cameron chegou a descrevê-lo como um "psicopata carreirista".

Não poderia haver pior momento para uma crise política no seio do governo britânico. O Reino Unido voltou a ter um dos piores índices da Covid-19 na Europa. Há dois dias, o país superou os 50 mil mortos, o maior da Europa em números absolutos. Além disso, os próximos dias serão essenciais para chegar ou não a um acordo com a União Européia. O período de transição termina no dia 31 de dezembro.  

Durham

No governo, muitos se referem à gestão de Dominic Cummings como "reinado". O "rei" de Downing Street colocou seu poder à prova quando fez uma viagem a Durham, no interior da Inglaterra, quando milhões de britânicos estavam confinados em casa, durante o primeiro lockdown, em abril. Por muito menos, ministros são demitidos ou obrigados a renunciar. Boris Johnson bancou o assessor.

"Eu me lembro que quando caía um ministro, eu tinha que ler as reportagens duas, três vezes pra entender o porquê da demissão. Geralmente, era algo mínimo. Isso (a viagem de Dominic Cummings) foi um escândalo. Ele desrespeitou a principal regra do governo naquele momento", disse ao SBT News um diplomata, que acompanha a política britânica e prefere falar em condição de anonimato. "Ele é o sujeito a quem o Boris deve a vitória do Leave (campanha pela saída da União Européia). Por isso, o Boris virou primeiro-ministro. Ele é um comunicador genial".

Take Back Control

Dominc Cummings, 48, é o cérebro por trás do Brexit. O estrategista foi o diretor da campanha vitoriosa que defendeu a saída do Reino Unido da União Européia. O slogan "Reassuma o controle" foi o ápice de uma campanha com mensagens cirúrgicas, que se espalharam pelas redes sociais e ajudaram a convencer milhões de britânicos.

Uma das mais polêmicas foi estampada em letras gigantes na lateral do ônibus que levava os integrantes da campanha pelo país. "Nós mandamos 350 milhões de Libras para a União Européia toda semana. Vamos investir esses dinheiro no NHS" (o sistema público de saúde do Reino Unido). A veracidade da promessa nunca foi confirmada, mas ajudou a capturar o imaginário de boa parte do público, ao apresentar a União Européia como usurpadora do dinheiro dos contribuintes britânicos.


"Nós mandamos 350 milhões de Libras para a União Européia toda semana. Vamos investir esses dinheiro no NHS" / Getty Images

Cummings também é acusado de ter ligações com a Cambridge Annalytica. A empresa de dados é acusada de usar sem autorização os dados de 50 milhões de usuários do Facebook para elaborar estratégias para campanhas políticas. Christopher Wylie, ex-funcionário da empresa, que delatou as irregularidades, disse que o Brexit não teria acontecido sem a Cambridge. O assessor especial de Boris Johnson sempre negou as ligações.  

Get Brexit done 

Cummings chegou a Downing Street, residência oficial dos primeiros-ministros e centro do poder no Reino Unido, a convite de Boris Johnson. O premiê foi um dos entusiastas da campanha pelo divórcio com a União Européia e quis levar o espírito daquela vitória para o seio do governo. Não demorou a colher frutos.

Johnson chegou ao poder com uma maioria frágil no parlamento, que havia herdado da ex-primeira-ministra Theresa May.  Depois de sucessivas derrotas, veio de Dominic Cummings um dos planos mais audaciosos defendidos pelo chefe de uma das democracias mais consolidadas do planeta. Boris Johnson não só expulsou do partido 21 deputados considerados moderados e pró-União Européia, como decidiu suspender o Parlamento por 5 semanas, o que daria ao governo a chance de levar projetos adiante sem a autorização dos parlamentares. A manobra acabou suspensa pela Suprema Corte do país. Todos os 11 juízes consideraram a tentativa "ilegal".

Mas Dominic Cummings tinha uma carta na manga. Convenceu o primeiro-ministro a convocar eleições gerais a uma semana do natal. "Get Brexit done" (Faça o Brexit acontecer) foi a mensagem central da campanha no momento em que o país vivia uma crise política em torno do assunto. De novo, o cérebro do Brexit acertou em cheio. Boris Johnson ganhou as eleições com uma margem avassaladora, a maior desde a era Margaret Thatcher, na década de 1980.
 

Brexit, The Uncivil War

Cummings é um personagem tão importante que virou tema de documentários, séries especiais nos principais meios de comunicação da Europa e até um filme. "Brexit, a guerra primitiva", em tradução livre, foi uma produção do Canal 4 de Londres com a HBO. Todo o processo que culminou na saída do Reino Unido da União Européia é descrito a partir da visão do personagem escolhido pelos produtores como o mais importante da história. O papel de Dominic Cummings foi interpretado pelo ator Benedict Cumberbatch, famoso por seu papel como Sherlock Homes.



Uma das cenas do filme torna-se ainda mais irônica diante das atuais circunstâncias. Craig Oliver, chefe da campanha pela permanência dos britânicos no bloco europeu, interpretado por Rory Kinnear, é confrontado por Dominic Cummings: "Tem uma nova política por aí e você não vai conseguir controlar". Oliver responde: "Cuidado com o que você deseja. Você também não vai conseguir".
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