A ética na medicina
O médico deve cumprir uma série de códigos morais e profissionais para balizar suas relações com a sociedade civil organizada
O Código de Ética Médica, publicado em novembro de 2018, em vigor desde 2019, é um compilado de códigos morais e administrativos que têm a finalidade de orientar a relação entre os profissionais médicos e a sociedade.
O documento prevê 11 normas diceológicas, relacionadas aos direitos profissionais, e 117 normas deontológicas, relacionadas aos deveres, com quatro disposições gerais, a saber: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça.
O princípio da autonomia se refere ao respeito à vontade e às crenças tanto dos profissionais para com os pacientes, quanto dos pacientes para com os profissionais; a beneficência busca a prática do máximo de benefícios possíveis ao paciente e a não maleficência objetiva evitar todos os danos previsíveis.
Não menos importante, a justiça põe-se em prática por meio da aplicação dos recursos de saúde conforme as reais necessidades.
O SUS e seus princípios
No âmbito do Sistema Único Saúde (SUS), reflexo do direito social à saúde, protegido pelos artigos 196 a 200 da Constituição Federal de 1988, estão dispostos princípios doutrinários que regem a prestação de serviços de saúde, baseando-se no acesso universal ao sistema e na integralidade do indivíduo, ofertando serviços que vão desde a prevenção de doenças até as práticas de reabilitação e diminuição de agravos.
Ainda nesse sentido, há o princípio da equidade, que apresenta a grande relevância da isonomia no tratamento e cuidado com a população, devendo o profissional tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.
Ou seja, observar questões específicas relativos a cada indivíduo para, a partir daí, “personalizar” as providências a serem tomadas de acordo com a pessoa.
Neste panorama, o Brasil é pioneiro no mundo ao criar o SUS, proporcionando um acesso digno da população aos serviços de saúde, de forma gratuita.
Sendo inclusive vedada qualquer cobrança do atendimento ou de procedimentos realizados por parte dos profissionais, contando também com vedação expressa quanto à remuneração profissional pela coação dos usuários ao consumo de produtos farmacêuticos e outros de prescrição médica em locais por eles determinados.
De modo semelhante, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) retrata a inadmissibilidade de habeas corpus para as ações de estelionato, conduta prevista no artigo 171 do Código Penal, praticada pelo médico.
Logo, o profissional em atividade não deve registrar sua presença no hospital e deixar o serviço de saúde sem que tenha realizado o seu trabalho, trazendo benefícios para si, com prejuízos incalculáveis à população pela ausência da prestação de serviços, negando o exercício real de sua profissão e infringindo o real sentido do juramento de Hipócrates.
Além disso, é vedado ao médico romper o sigilo de informações referentes ao paciente no qual ele prestou qualquer serviço de saúde, o que é reforçado pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que descreve o tratamento dos dados pessoais, não podendo esses serem violados ou expostos, sendo mantido o sigilo profissional.
No entanto, o código de ética médica traz que, em casos de autorização expressa do paciente, justa causa ou dever legal, as informações contidas sobre o paciente podem ser relatadas sem que haja infração da ética e da responsabilidade profissional.
Sendo assim, a quebra do sigilo, além dessas exceções, pode colaborar para o prejuízo da relação médico-paciente, trazendo penalidades para o profissional.
Plano Nacional de Saúde regulamenta atuação profissional
Nesse contexto, é importante destacar que existe um Plano Nacional de Saúde, voltado à regulamentação do modo de atuação quadrienal, com a aplicação de políticas públicas, devendo observar as Leis Orçamentárias, sendo o Plano Plurianual aquele que trará as metas e o planejamento a serem alcançados no período de 4 anos, seguindo para a definição das prioridades anuais por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias, com a efetivação do programa por meio da Lei Orçamentária Anual, responsável por colocar em prática a execução do planejamento das políticas públicas.
Tais políticas atuam considerando a história natural das doenças e visam a prevenção de agravos à saúde por meio da prevenção primária com medidas de promoção e proteção da saúde; da prevenção secundária, que atua no rastreamento, no diagnóstico e no tratamento das doenças, visando a cura ou a limitação de incapacidade; da prevenção terciária, que visa a reabilitação; e da prevenção quaternária, que promove a interrupção de intervenção médica inapropriada.
Considerando esses tipos de prevenção como forma de cuidado, nota-se que os tempos modernos trouxeram novos pensamentos a respeito das condutas envolvendo médicos e pacientes, saindo de um modelo paternalista para um modelo contratualista, no qual se conjugam a opinião do profissional com a visão do paciente e dos seus familiares quanto ao diagnóstico e possível tratamento.
Hoje, a medicina centrada na pessoa ganhou espaço na prática clínica dos profissionais médicos, sendo um método baseado em quatro pilares:
- Exploração da doença e da experiência da doença, considerando a percepção pessoal do paciente;
- Entendimento da pessoa na totalidade, composto por aspectos biopsicossociais e espirituais;
- Elaboração de planos conjuntos de manejo dos problemas; e
- A intensificação da relação entre a pessoa e o médico.
O médico deve garantir a saúde sem ferir a ética
Frente ao que foi discutido, o médico deve atuar garantindo a prevenção e promoção da saúde, agindo de forma ativa e benéfica no processo saúde-doença, respeitando sua própria autonomia e a do usuário, sem ferir os princípios éticos que regem sua profissão por meio do Código de Ética Médica, demonstrando-se que a ética se aplica a todas as áreas e a todas as funções.
A única forma de construir um país mais íntegro é não negociando princípios, prezando pela honestidade como a regra e não como a exceção, servindo ao povo e não servindo-se dele.
*Texto publicado em coautoria com Rafaela Maria Martins Queiroz (1) e Agda Yasmin Ferreira Correia (2)
(1) Acadêmica de Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba. Sócia-Fundadora da Liga Acadêmica de Anatomia Orientada para a Clínica. Pesquisadora Acadêmica (2019.1- 2019.2- 2020.1- 2020.2- 2021.1 -2021.2)".
(2) Médica pela Afya Faculdade de Ciências Médicas da Paraiba (Afya Paraíba). Residente do Programa de Medicina de Familia e Comunidade do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figusta (IMIP). Pesquisadora Acadêmica (2021.1 - 2021.2- 2022.1 - 2022.2).
*Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID) do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Os artigos têm publicação semanal.