STF no 2º semestre: troca de comando, pauta diversa, tensão e ativismo
Luiz Fux segue na presidência da Corte até setembro, quando assume Rosa Weber
O segundo semestre na mais alta Corte do país será marcado pela troca de comando no tribunal e o julgamento de pautas relacionadas à proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; o sigilo de dados e de comunicações telefônicas e regras do processo eleitoral. O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar ainda a aplicação retroativa da lei de improbidade administrativa e a soberania do tribunal do júri.
+ Leia as últimas notícias no portal SBT News
Após o recesso forense, os trabalhos serão retomados em 1º de agosto, duas semanas antes do início da campanha eleitoral, nas ruas e na internet, marcada para o dia 16. Até o fim da gestão do ministro Luiz Fux à frente da presidência do STF, estão programadas 11 sessões de julgamento: nove em agosto e duas em setembro.
Ativismo Judicial: um sintoma à procura de melhor diagnóstico
O advogado com atuação em Direito Público, Constitucionalista e administrativista Daniel Vila-Nova aposta em um semestre marcado por mais protagonismo político da Corte e de intensificação dos sintomas da judicialização da política, ainda que na vertente mais específica do chamado ativismo judicial. Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel é autor de um estudo intitulado Supremologia: O STF nas Encruzilhadas da Política e do Direito.
Ele defende, primeiramente, que a judicialização da política é um elemento constitutivo do desenho constitucional adotado no Brasil desde a proclamação da República (1890). Ao compreender a "judicialização" enquanto um ponto de partida -- e não de chegada -- da análise institucional da atuação do Judiciário, o fenômeno do ativismo passa a figurar como um sintoma da (falta de) saúde das instituições políticas e dos institutos jurídicos do país.
Diante da amplitude de ações diretas, que permitem que quase tudo seja levado à análise do STF, e do fenômeno conhecido como 'judicialização da política', Vila-Nova acredita que o desafio em um ano eleitoral é a Corte saber dosar esse ativismo "de tal sorte que a intervenção seja medida extrema -- e não a regra da regulação eleitoral do país".
"A democracia, em regra, não precisa de tutores. Agora, sempre que a normalidade institucional e a lisura dos procedimentos estiver ameaçada, o Judiciário não poderá fugir de sua missão de estabilizar expectativas quanto ao cumprimento das regras do devido processo eleitoral", afirma Daniel Vila-Nova.
Sobre os temas que estarão em pauta no Plenário do STF nos próximos meses, o pesquisador e, também, mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), destaca o julgamento das ações relacionadas às pautas de direitos humanos e matérias ambientais, temas que estiveram no eixo central de gestão do ministro Fux, desde que assumiu o tribunal em setembro de 2020. "Então como é o último mês, a gente percebe que há, do início ao fim da gestão, uma priorização da presidência em sinalizar quais são os assuntos mais sensíveis da pauta. E a gente espera que o tribunal possa finalizar esses debates e possa apresentar à sociedade a sua visão sobre os assuntos."
Compartilhamento de dados
Daniel Vila-Nova chama atenção para o julgamento de uma ação que pode impactar em informações pessoais de quase 80 milhões de brasileiros. Está marcado para 18 de agosto o julgamento de um conjunto de ações, dentre elas, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 695, em que se questionam medidas do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Além da legitimidade de um convênio entre Serpro e Denatran -- realizado sem qualquer supervisão pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), há proposição legislativa (PL) que reduziu, no ano passado, as barreiras para o compartilhamento de dados pessoais entre órgãos da administração pública.
O Plenário deve avaliar se a regulamentação que é anterior à LGPD -- Lei Geral de Proteção de Dados abre brechas em relação à privacidade das informações, em especial quanto às informações que correspondam a "dados sensíveis".
O especialista exemplifica que o caso envolve a autorização dada pelo governo à Abin, que solicitou a base de dados sobre a CNH de mais de 76 milhões de brasileiros.
"Trata-se de medida invasiva; que permite o acesso e o tratamento de dados sensíveis de milhares de cidadãs e cidadãos condutores. Após a emergência da LGPD e do Marco Civil da Internet, faz sentido cogitar limites e procedimentos mínimos de resguardo da privacidade e da vida privada e íntima das pessoas, ou o Estado pode dispor livremente dessas informações? O assunto é delicado e envolve dinâmicas que têm promovido o esvaziamento de direitos fundamentais e humanos, assim como garantias institucionais seculares no Brasil. O risco do chamado 'tecnoautoritarismo' é elevado e o terreno do debate, movediço", pontua, Vila-Nova.
Mudanças no comando
O segundo semestre também será marcado pela troca de presidente no STF. A última sessão plenária sob o comando de Luiz Fux está marcada para 8 de setembro. Oficialmente ele segue à frente do STF até o dia 10, que vai cair em um sábado. Portanto, a data mais provável para a posse da vice, Rosa Weber, seria 9 de setembro, uma 6ª feira. Mas para evitar o clima de tensão com o Planalto e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), a posse de Weber, foi agendada para 2ª feira, 12 de setembro, 20 dias antes do primeiro turno das eleições gerais de outubro.
Rosa Weber vai presidir o tribunal durante uma das mais tensas campanhas eleitorais desde a redemocrartização. Ela terá como vice-presidente, o ministro Luís Roberto Barroso.
Magistrada discreta e de perfil técnico, a ministra integra o STF há 11 anos, e é avessa a entrevistas. Nos bastidores, a aposta é de que a nova presidente deve manter a tendência e fugir das polêmicas e dos embates com o poder executivo. Rosa terá o desafio de manter uma relação institucionalmente equilibrada entre o Judiciário e o Palácio do Planalto, mesmo diante de ataques direto de Bolsonaro.
Protagonista nas disputas políticas, o Supremo vem sendo cada vez mais provocado para definir políticas públicas, apaziguar conflitos entre Poderes e garantir direitos. A Corte tem sido vista por partidos como caminho estratégico para aprovação de matérias diversas. E ao mesmo tempo, segundo juristas, o STF tem se tornado necessário para preservar a integridade das instituições e o Estado Democrático de Direito. Caberá à nova presidente frear ou colocar nos trilhos os pleitos que tentam decidir, por exemplo, questões políticas fora da arena adequada.
Confira os destaques da pauta:
01/08
FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
Na primeira sessão do segundo semestre, os ministros retomam o julgamento em conjunto de três Ações Diretas de Iconstitucionalidade (ADIs 4785, 4786 e 4787) ajuizadas contra leis estaduais de Minas Gerais, Pará e Amapá, que instituíram taxas de fiscalização ambiental sobre mineração.
03/08
LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
O Tribunal vai definir se as alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) inseridas pela Lei 14.230/2021 podem ser aplicadas retroativamente ao prazo de prescrição para as ações de ressarcimento e aos atos de improbidade administrativa na modalidade culposa. A matéria, discutida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 843989, teve repercussão geral reconhecida.
04/8
TRANSPORTE INTERESTADUAL
O plenário avalia a Ação Direta de Iconstitucionalidade (ADI 5657) ajuizada contra dispositivo do chamado Estatuto da Juventude (Lei federal 12.852/2013) que garante aos jovens de baixa renda gratuidade nos ônibus interestaduais.
10/8
SISTEMA ELEITORAL
Em pauta, a Ação Direta de Iconstitucionalidade (ADI 5507), onde o colegiado discutirá a validade de norma da "minirreforma eleitoral" (Lei 13.165/2015) que estabelece a reunião, para julgamento comum, de ações eleitorais propostas por partes diversas, mas sobre o mesmo fato.
PRISÃO ESPECIAL
Na mesma data, os ministros devem avaliar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 334) que discute a validade de dispositivo do Código de Processo Penal (CPP) que concede prisão especial a pessoas com diploma de nível superior.
17/08
JORNADA DE TRABALHO
A Ação Direta de Iconstitucionalidade (ADI 5322) vai validar ou não pontos instituídos pela Lei dos Caminhoneiros (Lei 13.103/2015), que regulamenta o exercício da profissão nas atividades de transporte rodoviário de cargas e de passageiros e, entre outros pontos, reduziu horários para descanso e alimentação e passou a exigir exame toxicológico.
CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE
A Corte deve analisar os dispositivos inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que criaram o contrato de trabalho intermitente. A Ação Direta de Iconstitucionalidade (ADI 5826) sustenta que a medida leva à precarização da relação de emprego e ofende princípios como o da isonomia e das garantias do salário mínimo, do 13º salário, férias remuneradas e da duração da jornada de trabalho.
18/08
INVIOLABILIDADE DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS
o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1042075) trata da inviolabilidade do sigilo de dados e das comunicações telefônicas no acesso da autoridade policial a dados de telefone celular encontrado no local do crime. A matéria teve repercussão geral reconhecida.
SIGILO DE DADOS
Ainda sobre matéria semelhante, está prevista para o mesmo dia, a análise em conjunto de uma Ação Direta de Iconstitucionalidade (ADI 6649) e de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 695) que discutem a validade do Decreto 10.046/2019 da Presidência da República, que trata da governança no compartilhamento de dados no âmbito da administração pública federal e institui o Cadastro Base do Cidadão e o Comitê Central de Governança de Dados.
24/8
CÓDIGO FLORESTAL
A pauta ambiental volta a ser analisada no fim do mês com embargos de declaração na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 42) e nas Ações Diretas de Iconstitucionalidade (ADIs 4901 e 4902), que abordam as diferenças entre os conceitos de aterro sanitário e lixão e a possibilidade de continuidade de funcionamento de aterros situados em Áreas de Preservação Permanente (APPs).
25/8
SOBERANIA DO JÚRI
O colegiado irá decidir se um tribunal de segunda instância pode determinar a realização de novo júri, caso a absolvição do réu tenha ocorrido com base em quesito genérico, por motivos como clemência, piedade ou compaixão, mas em suposta contrariedade à prova dos autos. A controvérsia é objeto do ARE 1225185, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.087).
31/8
DIREITOS HUMANOS
O Tribunal irá se manifestar sobre a federalização dos crimes contra direitos humanos, instituída pela Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Judiciário). O tema é objeto de duas Ações Diretas de Iconstitucionalidade (ADIs 3486 e 3493).
Contribuição sobre terço de férias
O Plenário irá analisar embargos de declaração no RE 1072485 (Tema 985 da repercussão geral), no qual o STF decidiu que é legítima a incidência da contribuição social sobre o terço constitucional de férias. Os recursos pedem, entre outros pontos, que a tese fique restrita aos trabalhadores submetidos ao Regime Geral da Previdência Social e que o termo "contribuição social" seja substituído por "contribuição patronal". Também será analisada se haverá modulação na decisão.
A pauta das sessões de setembro, dos dias 1º e 8, será composta por processos remanescentes.
Regime de Plantão
O poder judiciário entrou em recesso na última 6ª feira (1º.jul), com a suspensão dos prazos processuais. Os trabalhos serão retomados no primeiro dia de agosto. Neste período, a Corte funcionará em regime de plantão. Até o próximo dia 17 de julho, a ministra Rosa Weber, vice-presidente do STF, será responsável pelas demandas urgentes e entre os dias 18 e 31 de julho, será o presidente do tribunal, ministro Luiz Fux.