STF começa a julgar ação que tira poder das Defensorias Públicas
Para PGR, prerrogativa de requisitar documentos com prazo é inconstitucional; ação será julgada nesta 6ª
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará, na 6ª feira (11.fev), o julgamento de ações que questionam o poder da Defensoria Pública de requisitar documentos de autoridades e da administração pública. Tal poder ajuda as defensorias a garantirem acesso à Justiça para a população mais vulnerável.
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O julgamento, que havia sido interrompido após um pedido de vista (adiamento) do ministro Alexandre de Moraes, será em plenário virtual. O prazo para a inserção dos votos dos ministros no sistema eletrônico do STF acaba no próximo dia 18.
As Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) contra as defensorias são de autoria da Procuradoria-Geral da República (PGR). Elas afirmam que a possibilidade que os defensores públicos têm de requisitarem documentos deve ser considerada inconstitucional. O argumento é de que a requisição é feita sem autorização judicial, e esse mesmo poder não é igualmente atribuído "aos advogados, ou sequer aos advogados públicos em geral".
No entanto, para o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), Eduardo Kassuga, a advocacia privada não se confunde com a Defensoria Pública e, por esse motivo, a prerrogativa da inconstitucionalidade não se sustenta.
"O serviço da Defensoria Pública é universal para quem comprovar a hipossuficiência de recursos. Imagine uma senhora de mais de 70 anos que, infelizmente, não teve oportunidade de ser alfabetizada e pede um benefício que lhe foi negado pelo INSS. Ela entra então no atendimento da Defensoria Pública, como várias outras pessoas que compõem essa alta demanda. Como é que eu viro para essa senhora e digo 'vai lá na agência do INSS e me traga o documento X,Y e Z?'", explica.
"Se eu fizer isso, sabemos que a pessoa dificilmente tem como compreender exatamente o documento que a gente precisa, porque ela se encontra numa situação de vulnerabilidade informacional", acrescenta.
Para Kassuga, o poder de requisição não é um privilégio para as defensorias, mas sim uma possibilidade de concretização do acesso à Justiça pela população. Para além do ponto de vista individual, há ainda membros de coletividades vulneráveis, como povos originários e comunidades quilombolas, que têm amparo jurídico nas defensorias.
"O poder de requisição das defensorias é essencial para possibilitar e efetivar o direito constitucional da ampla defesa aos povos indígenas, tanto no âmbito judicial, como no extrajudicial. Como atualmente enfrentamos diversos problemas e a generalizada desassistência da FUNAI, as defensorias desempenham um papel essencial para garantir nossos direitos", ressalta Samara Pataxó, advogada e assessora jurídica da Associação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib).
Povos indígenas contestam entes federativos e instituições que negligenciam a efetivação de políticas públicas e direitos básicos das comunidades. Para Samara, sem a possibilidade de requisitar documentos das defensorias, essa luta diária seria comprometida. "Seríamos muito prejudicados, principalmente pelo fato de afetar o direito de ampla defesa", pontua.
Vulnerabilidade social
Grupo invisibilizado na sociedade, pessoas que estão em situação de rua também têm acesso facilitado à justiça por meio das defensorias.
"Ao longo da pandemia, a base de dados para a concessão do benefício auxílio-emergencial estava com problemas. No sistema de dados do governo federal dizia que a pessoa não tinha direito ao auxílio-emergencial porque estava presa. Atendi diversas pessoas em situação de rua que não conseguiam o benefício, porque constava esta informação", lembra Geórgio Endrigo Carneiro da Rosa, defensor público Federal.
"Requisitamos ao órgão penitenciário a informação a respeito da situação prisional de determinada pessoa. Na maioria dos casos, a pessoa estava em liberdade há muitos anos e tinha direito ao benefício auxílio-emergencial", diz. "Isto agilizava a garantia do direito desta pessoa", arremata.
O que diz a PGR
Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, a prerrogativa do poder de requisição confere à categoria dos defensores um atributo que os advogados particulares não têm: o de ordenar que autoridades e agentes de quaisquer órgãos públicos -- federais, estaduais ou municipais -- expeçam documentos, certidões, perícias, vistorias e outros. Segundo Aras, a possibilidade desequilibra a relação processual.
Ou seja, para a PGR, o poder conferido às defensorias é injusto. "Uma das funções do procurador-geral da República no exercício do controle abstrato de constitucionalidade é atuar para que leis consideradas inconstitucionais pelo Supremo não sigam em vigor. Esse é justamente o caso do poder de requisição das Defensorias Públicas", explica o órgão.
Em 2010, no julgamento da ADI 230/RJ, o STF declarou a inconstitucionalidade do trecho da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que garantia à Defensoria Pública o poder de requisição. O Plenário acatou voto da relatora, ministra Carmen Lúcia, e decidiu que a requisição é ato próprio de autoridade, cabendo ao advogado tão somente formular requerimentos.
Apesar disso, o poder de requisição das defensorias públicas segue em vigor em outras 22 unidades da federação, previsto em leis estaduais e distrital. "Assim, como forma de garantir segurança jurídica e assegurar o respeito a princípios como o da isonomia federativa, o PGR ajuizou as ações, para que o STF analise os dispositivos ainda em vigor e se manifeste sobre sua constitucionalidade ou não", completa o órgão.