Órgão denuncia cenário de práticas de tortura no sistema prisional do RN
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura vai divulgar relatório sobre inspeção em prisões
SBT News
A perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) Bárbara Coloniese afirmou, nesta 4ª feira (15.mar), em entrevista ao SBT News, que "o sistema prisional do Rio Grande do Norte funciona a partir de várias engrenagens que conformam um cenário de práticas de tortura sistemática, tortura física e psicológica".
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Após receber diversas denúncias sobre a situação do sistema, no ano passado, o MNPCT designou uma equipe de peritas para inspecionar a Cadeia Pública de Ceará-Mirim e a Penitenciária Estadual de Alcaçuz. A inspeção foi feita de 21 a 25 de novembro, com o apoio de outras instituições, como a Defensoria Pública do Estado, Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e o Conselho Estadual de Direitos Humanos e Cidadania. O relatório do trabalho, com tudo o que foi verificado, está em fase final de aprovação pela plenária do MNPCT e será publicado depois, mas Bárbara adiantou informações na entrevista.
"O cenário que encontramos foi extremamente caótico, extremamente violento, extremamente preocupante", pontuou. De acordo com a perita, a alimentação para os presos é precária e, muitas vezes, chega imprópria para consumo. "Então você tem uma ausência de alimentação. Você percebe que as pessoas estão extremamente emagrecidas, e nós verificamos in loco esse momento da chegada da alimentação e pudemos verificar que de fato elas chegam azedas. Uma grande parte delas vem num transporte completamente inadequado, derramadas, enfim, contaminadas", ressaltou.
Além desse problema, o governo estadual não oferta kits de higiene e limpeza aos detentos e, portanto, estes dependem totalmente das famílias. "As pessoas muitas vezes não têm família, e quem não tem vive uma vive numa completa desassistência em relação ao acesso a sua higiene pessoal e limpeza do espaço que vive".
Bárbara acrescenta que as celas são superlotadas e, dessa forma, a insalubridade é "extremamente alta". Os presos têm acesso apenas três vezes por dia à água. "Então, geralmente dura 20 a 30 minutos, com celas que a gente está falando de 30, 40, 50, 60 pessoas, que precisam usar essa água para todas as finalidades, para o consumo, então eles não têm acesso à água potável, eles têm que fazer limpeza das celas, lavar suas roupas, enfim, todas as questões que se referem à água precisam ser dessa água, que é armazenada de forma muito precária em alguns recipientes", disse a perita.
Assim, conforme ela, muitas vezes os detentos precisam escolher entre beber água ou fazer outro uso. "Então a gente está pondo essas engrenagens: a falta da alimentação, a precaridade, a insalubridade, a superlotação e, ainda, o 'procedimento'", afirmou. O procedimento, segundo a profissional do MNPCT, foi deixado nos locais pela Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) de "legado".
"Ela formou os policiais penais nessa forma de operar e esse procedimento é o seguinte: o policial se acerca do espaço, do corredor, dos pavilhões e fala 'procedimento'. Imediatamente as pessoas tem que se colocar na posição de procedimento, que é vão para o chão, ficam enfileiradas, encaixadas umas às outras, com as mãos na cabeça e ficam nessa posição até que se dê uma ordem para que possam sair dela"
Nas palavras de Bárbara ainda, "isso acontece de forma reiterada, é o tempo todo, é incômodo". "Foi muito difícil fazer a inspeção, porque era todo o tempo esse comando de voz, e mesmo quando nós estávamos conversando com as pessoas privadas de liberdade, dizíamos que não precisava, não deveriam estar em procedimento e tirar elas daquela situação para a gente conversar, quando eles ouviam passos ou qualquer barulho da arma, algumas pessoas desesperadamente se colocavam em procedimento".
Isso foi bastante marcante para os realizadores da inspeção. "Um desespero, o pânico, o sofrimento, um medo estampado nos rostos das pessoas. As pessoas tremiam. Muitas tinham medo de retaliações por conversar com o MNPCT. Então essa instalação do procedimento como modus operandi para funcionar o sistema prisional é algo extremamente preocupante, porque está baseado na tortura física e psicológica", complementou Bárbara.
Os participantes da inspeção receberam relatos de um homem, de mais de 60 anos, que, por ser surdo, não ouviu o comando de "procedimento" e foi alvejado por balas de borracha como punição. Ao ficar na posição, a pessoa não pode olhar para o lado nem fazer barulho. A qualquer movimento ou ruído, o indivíduo é punido com tiros de bala de borracha ou spray de pimenta.
De acordo com Bárbara, após o término da inspeção, os participantes fizeram uma audiência pública, em 25 de novembro, e, na ocasião, receberam várias denúncias que havia ocorrido retaliações aos presos em Alcaçuz por causa da vistoria. Dessa forna, a Defensoria Pública e o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura retornaram à prisão. No local, viram que cela para uma pessoa tinha de 40 a 60, como forma de castigo. Os indivíduos não podiam tomar banho de sol e estavam desassistidos.
"Uma situação ainda mais precarizada, e todas elas com muitos machucados, muitas lesões físicas. Muitas que são coerentes com as balas de borracha utilizadas nesses momentos e outras tantas lesões de outras tantas perspectivas. Então, assim, um cenário muito caótico", falou a profissional do MNPCT.
Segundo ela, as autoridades estão avisadas sobre os problemas, pelo MNPCT e outras instituições, mas "nada tem sido feito". Nesta 4ª feira, parentes de detentos fizeram um protesto na porta do centro administrativo onde fica a sede do governo do estado e onde a governadora Fátima Bezerra (PT) estava reunida com as forças de segurança. Entre as reivindicações das famílias, estão a retomada de visitas aos presos e melhores condições nas penitenciárias. Houve confusão e duas mulheres foram presas após agredirem um policial militar. Em uma entrevista coletiva à imprensa à tarde, a governadora afirmou que as denúncias serão apuradas por meio de uma "investigação profunda".
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