PF fecha o cerco contra os "barões das criptomoedas"
Polícia Federal dobrou o número de operações em 2022; "Sheik dos Bitcoins" foi um dos alvos
Ricardo Brandt
O número de operações da Polícia Federal contra organizações criminosas especializadas em delitos com criptomoedas dobrou em 2022. Dado obtido pelo SBT News mostra que foram deflagradas 16 ações de prisões e buscas e apreensões, no ano passado, contra os "barões das criptofraudes". Em 2021, foram 8 casos e, em 2020, apenas 2.
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As operações desmontaram esquemas de fraudes financeiras que deixaram milhares de vitimas no Brasil e em outros lugares do mundo. A La Casa de Papel, em Mato Grosso do Sul, desbaratou um esquema que gerou R$ 4 bilhões de prejuízos em pelo menos 80 países. Já a Poyais, em Curitiba, prendeu Francisley Valdevino dos Santos, o Sheik dos Bitcoins.
Com o aumento no número de golpes de pirâmides financeiras, a PF e outros órgãos de investigação e controle têm buscado coibir o uso das moedas virtuais para lavagem de dinheiro do crime organizado.
A delegada Aline Pedrini Cuzzuol, chefe da Divisão de Repressão aos Crimes Financeiros, afirmou ao SBT News que os crimes com criptoativos cresceram, exponencialmente, devido aos lucros exorbitantes.
"A gente acredita que esse aumento exponencial da prática de crime desenvolvendo criptoativos, em especial na área de crimes financeiros, está diretamente relacionado ao fato de ser um ambiente propício à lavagem de dinheiro em que dada a tecnologia utilizada dificulta o rastreio dessas transações; e também o fato de não haver uma regulamentação do tema, o que hoje a gente teve um grande importante avanço."
Segundo a delegada, "os golpes estão nas cifras de milhões e bilhões", o que torna esse "negócio" extremamente atrativo para as organizações criminosas. "Por isso, a cada ano, é deflagrado um número maior de operações especiais da Polícia Federal. Basta analisar o número dos últimos anos para constatar que as criptomoedas fazem parte do dia a dia das organizações criminosas."
"Observa-se que o combate aos crimes que utilizam ativos virtuais precisou se intensificar dada a quantidade de vítimas alcançadas", explica a delegada. Na Operação Kryptos, por exemplo, estima-se que mais de 300 mil pessoas tenham aderido ao clube de investimento gerido fraudulentamente pela organização.
Atrativo
Uma criptomoeda tem valor financeiro, mas não é uma moeda - apesar de alguns países a terem adotado. É um código de computador que vale dinheiro. Apesar da crise recente no setor, depois da prisão do dono da FTX, uma das gigantes do setor, um bitcoin valia R$ 88 mil, nesta 6ª feira (6.jan).
O bitcoin é apenas o mais conhecido e mais antigo dinheiro virtual. Há outros: o ethereum, o tether, o usd coin, o bnb, o binance usd, etc. Os criptoativos podem ser códigos ou mesmo tokens (do tipo pen drive).
Também não há um "banco central" para as criptomoedas, nem os donos dos ativos virtuais são identificados, apesar de todas as transações e circulação de valores estarem registradas na rede por onde se movimentam esses ativos.
A blockchain é a plataforma onde todos que querem comprar, vender ou gerar uma criptomoeda transitam, mas os dados dos donos são todos criptografados.
"Ter criptoativos significa que você tem um código, chamado chave privada, que permite que você movimente essas expectativas. Então, você tem uma carteira, sob custódia, em que eu tenho criptoativos, porque está sobre a minha custódia uma coisa chamada chave privada, que permite que eu movimente esses criptoativos a partir desse endereço para um outro endereço", explica o procurador da República Alexandre Senra, especialista no assunto.
Senra foi nomeado coordenador do grupo criado pela Procuradoria Geral da República (PGR), em 2022, para desenvolver métodos de combate aos crimes com criptomoedas para o MPF. Em entrevista ao SBT News, ele afirmou que, apesar dos riscos, dos golpes e do ambiente propício para lavadores de dinheiro, todas as transações ficam registradas na rede, o que ajuda nas investigações criminais.
Para frear o avanço desses crimes, foi aprovado o marco legal para as criptmoedas, sancionado no mês passado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Entre outras coisas, o marco legal aumenta as penas para quem for condenado cometendo crimes financeiros com uso de ativos virtuais e melhora as possibilidades de controle e monitoramento dos negócios com criptomoedas no Brasil.
Para investigadores, a falta de regulamentação torna os negócios com bitcoins e outras moedas virtuais atrativos para criminosos. Um negócio que interessa a golpistas e fraudadores em busca de vida fácil e também a narcotraficantes e terroristas, que usam o campo cinzento ainda do mercado para lavagem de dinheiro e para envio de valores para o exterior.
Barões das criptofraudes
Assim como Francisley Valdevino da Silva, o Sheik dos Bitcoins, outros "barões das criptofraudes" foram alvos das operações nos últimos dois anos. No Rio de Janeiro, o Ministério Público denunciou o Faraó dos Bitcoins, apelido de Glaidson Acácio dos Santos, dono da Gás Consultoria e Tecnologia (G.A.S.), por fraude de mais de R$ 19 bilhões.
Em outrubro, a PF prendeu os donos da corretora Trust Investing, na Operação La Casa de Papel, que chegou a dar um prejuízo de R$ 4 bilhões em cerca de 1,8 milhão de investidores. Um dos presos foi o marido da cantora Perlla, o empresário Patrick Abrahão. Todos negam as acusações.
Sheik dos Bitcoins
Na última grande operação deflagrada, no último mês, o alvo foi o Sheik dos Bitcoins, investigado no Brasil e nos Estados Unidos. Diversos famosos também foram alvos do golpe da pirâmide financeira, como Sasha Meneghel e Wesley Safadão. O cantor teve um jato de mais de R$ 30 milhões apreendido por conta de negócios com Francisley. A aeronave foi liberada para uso na semana passada.
Em comum, todos os "barões" levam uma vida de luxos, ostentação e muita exposição em redes sociais para dar credibilidade aos golpes. Nas operações da PF, foram apreendidos bens como mansões, carros de luxo, embarcações, aviões, helicópteros, jóias, dinheiro vivo, ouro e esmeraldas.
Ao todo, a PF já apreendeu 7 mil criptoativos nessas investigações. O valor estimado é de R$ 2 bilhões. São bitcoins, bitcoin cash, ethereum, dogecoin e cardano.
O SBT News teve acesso aos documentos do processo. São laudos periciais e documentos de inteligência da PF, relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), documentos de quebras de sigilos, vídeos, áudios, depoimentos, arquivos de conversas por aplicativo de celular e gravações feitas pelos alvos.
Ostentação
O Sheik dos Bitcoins gostava de se filmar nas suas mansões, carros, lanchas, helicópteros e no jato que comprou e depois deu em forma de pagamento para Wesley Safadão. Os bens podem ser usados para pagar as dívidas do golpista com as vítimas.
Essa ostentação era estratégia do Sheik e dos demais "barões das criptofraudes" para atrair mais investidores.
Vítimas
Quase sempre as vítimas são pessoas que não entendem de criptoativos e são seduzidas pelo lucro exorbitante oferecido pelos negociantes. Para evitar cair em golpes, Senra diz que é importante pesquisar sobre o tema e desconfiar de promessas absurdas.
"Um recado que eu faço questão de deixar às pessoas, em geral, é: se algo é bom demais para ser verdade, não é verdade."
O procurador lembra os casos de pirâmides financeiras, antes da existência das moedas virtuais. "No aspecto das pirâmides financeiras, bois, avestruzes e bitcoins são muito parecidos", afirma Senra, ao lembrar outros casos, como das fazendas de "boi gordo" ou dos negócios com avestruzes.
"São pretextos capazes de levar a pessoa que ignora aquele assunto específico acreditar que é possível você rentabilizar 10% ao mês sem levar junto um caminhão de risco que uma hora vai te atropelar", afirma Alexandre Senra.
Rede internacional
Sheik foi denunciado e deve virar réu. Seus golpes caíram iniciamente em uma rede internacional de combate aos crimes com criptoativos. A PF foi alertada, em 2021, por autoridades da Força-Tarefa Eldorado de que duas empresas do brasileiro, a Forcount e a Weltsys, tinham dado prejuízo de cerca de R$ 30 milhões.
Na denúncia do MPF contra Francisley e mais cinco pessoas, foi registrada a origem das apurações, que tem como base essa rede internacional que busca coibir crimes com moedas virtuais por organizações criminosas, por terroristas, narcotraficantes entre outros.
No processo, há conversas do investigado com pessoas que passam a cobrar o retorno dos valores investidos. O Sheik dos Bitcoins foi ouvido pela PF e negou envolvimento em crimes. Em áudio apreendido pela PF, ele manda uma mensagem para uma pessoa dizendo que espera a entrada de mais valores para pagar as dívidas.
"Eu não estou escondendo nada de ninguém. Eu não tô falando aqui que eu não errei. Errei muito em soltar da maneira que eu soltei a empresa", afirma Francis, como Sheik era chamado por amigos. "Deus sabe que precisa a porta ser aberta para entrar valores para eu fabricar em cima desses valores, para eu poder honrar as pessoas."
Submundo do crime também usa bitcoins
Os crimes de pirâmides financeiras são apenas um dos tipos criminais que orbitam os ativos virtuais. crimes financeiros, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, estelionato, fraudes documentais e fraudes cibernéticas e até assassinatos.
Em São Paulo, as investigações da PF sobre lavagem de dinheiro com criptomoedas chegou aos comerciantes coreanos da Rua 25 de Março, ao PCC e a assassinatos encomendados com requintes de brutalidade.
No Rio, a Operação Kryptos investiga assassinatos de rivais desse tipo de mercado. Preso, desde agosto de 2021, pelos golpes de pirâmide financeira com criptoativos, Glaidson foi acusado, no início deste mês, pelo Ministério Público do estado, por crimes de assassinato. Ele nega os crimes.
Para a delegada Aline Cuzzuol, "a facilidade de lavagem de dinheiro e do anonimato nesse ambiente" atrai bandidos que atuam com tráfico de drogas, pornografia infantil, sonegação, entre outros crimes. "A gente já detectou até a utilização dos criptoativos em crimes ambientais."
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