Comissão de Anistia vai rever caso de Ivan Valente (PSOL) nesta 5ª
Pedido de reparação do deputado, preso durante a ditadura militar, foi negado durante governo Bolsonaro
O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que foi preso e torturado durante a ditadura militar (1964-1985), terá o seu pedido de reparação revisto pela Comissão de Anistia nesta 5ª feira (30.mar), na primeira sessão do novo colegiado instituído no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Valente, de 76 anos, era professor de matemática da rede estadual de São Paulo e militante do Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP), quando foi perseguido, torturado e preso. Em 2022, seu pedido de anistia foi indeferido pela Comissão de Anistia, que no governo Bolsonaro (PL) estava repleta de negacionistas da ditadura, com um voto que contraria a história.
"Os integrantes dessas organizações não eram perseguidos por seu pensamento político, mas monitorados e presos pelos órgãos de segurança, para averiguação de suas atividades, potencialmente criminosas pelas diretrizes, modo de atuação e retrospecto do Grupo, e pelas informações necessárias ao Estado, responsável por garantir a lei e a ordem e impedir a implantação de uma guerra revolucionária para tomar o poder e implantar um regime totalitário de linha soviética, cubana ou chinesa" diz um trecho do voto do relator do processo de Ivan Valente.
Em entrevista ao SBT News, a presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, afirmou que a justificativa para negar a reparação e a concessão da anistia do parlamentar é uma "nova perseguição política", que revitimizou e culpou Ivan pelas "adversidades e pelos problemas que enfrentou eventualmente, pela prisão, pela tortura".
Para Eneá, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) a Comissão de Anistia se transformou em "uma comissão de governo, para levantar teses e argumentos que eram convenientes". Prova disso seria a reação do ex-presidente ao indeferimento do pedido de Ivan Valente. Na época, Bolsonaro ironizou -- em uma live no Youtube: "Ivan Valente gosta de uma grana. Tentou pegar mais uma graninha do Estado com as barbaridades que fez no passado".
Além do caso do parlamentar de São Paulo, serão novamente analisados os processos do jornalista Romario Cezar Schettino, da estudante Claudia de Arruda Campos e do sindicalista José Pedro da Silva.
O caso de Schettino é uma prioridade para a comissão, já que ele está em estágio avançado de uma doença terminal. O julgamento da anistia do jornalista aconteceu em 2018, com indicação de reparação econômica. Entretanto, a portaria com a declaração de anistia política nunca foi publicada. Nesta 5ª, então, o colegiado atualizará o valor retroativo do pagamento de indenização e solicitará a publicação da portaria no Diário Oficial da União.
José Pedro da Silva, que fazia parte do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco (SP), teve sua condição de perseguido político reconhecida pela Comissão de Anistia em 2018, sendo declarado anistiado político em uma sessão em que estava presente o seu advogado. Para a surpresa do sindicalista, quando a portaria saiu, a declaração havia sido negada. O ministro da Justiça substituto na época, Gilson Libório, havia ignorado a decisão da comissão, afirmando que a questão deveria ser discutida na Justiça do Trabalho. José Pedro recorreu, em 2019, mas a então ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, manteve o indeferimento.
"Isso é uma demonstração inequívoca de ilegalidade, porque a lei prevê que os casos que tiverem prova contundente de perseguição política, tem que ter a declaração de anistia política, e o caso do senhor José Pedro era esse, assim como o da Cláudia Campos", afirma Eneá.
Cláudia teve seu pedido julgado já em 2019, em um momento em que a Comissão de Anistia já contava com muitos militares como membros. Segundo ela, que era estudante no período da ditadura, durante o julgamento um conselheiro a chamou de "terrorista sanguinária". Na justificativa, o colegiado afirmou que Cláudia não foi "vítima direta de punição ou perseguição que possam ser caracterizadas como motivação exclusivamente política".
Eneá afirmou que os casos que serão revistos nesta 5ª feira são emblemáticos e mostram a postura negacionista que a comissão adotou nos últimos quatro anos. "São casos emblemáticos, por isso eles foram selecionados para serem os primeiros a serem reapreciados pelo plenário da Comissão de Anistia", disse ela.
Véspera do golpe
Os trabalhos da Comissão de Anistia serão retomados na véspera do aniversário do golpe militar, que completa 59 anos no dia 31 de março. A data não é uma coincidência.
"Essa data foi escolhida de propósito, porque nós queremos marcar o protagonismo dos derrotados no Golpe de 64. Todas as pessoas que foram perseguidas, foram derrotadas. Quando aconteceu o golpe, elas tentaram resistir e em algum momento foram vencidas e por isso mesmo foram perseguidas", destacou Eneá.
Mais casos serão revistos
O colegiado, composto por 21 membros, terá a tarefa não só de retomar o andamento dos processos que ficaram parados e que ainda não foram julgados, cerca de 100, mas também de rever casos em que foram cometidas ilegalidades e injustiças. Nos últimos quatro anos, dos 4.285 processos julgados, 4.081 foram indeferidos -- um total de 95% de casos negados. A taxa de processos negados, em anos anteriores, ficava em torno de 30%.
"Terá que ser analisado caso a caso para ver se a lei foi aplicada ou não. O critério é esse, o critério objetivo de aplicação da lei 10.559. [...] Se tem prova de perseguição política e a comissão indeferiu, aí a gente vai rever, porque tem que apreciar as provas, tem que analisar as provas e tem que, principalmente, aplicar a lei", afirmou a presidente da Comissão de Anistia.
Pedido de desculpas do Estado
O novo regimento interno da Comissão de Anistia, publicado em 22 de março, garante que em caso de declaração de anistia política, o Estado brasileiro peça desculpas pela perseguição contra aquele cidadão.
"Quando houver declaração de anistia política individual ou coletiva, a Presidência da sessão formulará, solenemente, em nome do Estado brasileiro, o pedido de desculpas ao requerente e à sociedade brasileira pela perseguição feita, garantindo o não esquecimento", diz o parágrafo único do artigo 31.
Segundo a presidente da Comissão, esse pedido de desculpas é importante não só para o anistiado, mas para toda a sociedade brasileira.
"É um pedido de desculpas que parte do pressuposto que o Estado errou, então é o Estado brasileiro assumindo o erro de ter perseguido seus cidadãos", diz Eneá, que completa:
"O Estado está dizendo assim: me desculpe porque eu errei, eu não devia ter perseguido você, eu não podia ter agido de forma autoritária, eu não podia ter me transformado em um Estado fora da lei, eu não podia ter feito ações terroristas como as que eu fiz, de sequestrar pessoas, de assassinar pessoas, de perseguir pessoas, de torturar pessoas. Eu não podia ter criado a figura do inimigo do Estado, eu não podia ter transformado cidadãos e cidadãs brasileiros em inimigos do Estado brasileiro que deveriam ser eliminados. Isso não pode acontecer nunca".
A Presidência da sessão será a responsável por formular esse pedido de desculpas. Eneá se emociona ao pensar nessa declaração.
"Eu farei esse pedido de desculpas em nome do Estado brasileiro com muita alegria, com muita honra, com muita solenidade e, certamente, com muita emoção, porque é a garantia de não repetição da ditadura e de afirmação dos valores democráticos", afirma.
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