Falta de interlocução com militares vira problema para Lula na transição
Demora para anunciar GT da Defesa reflete dificuldade do petista para tratar com as Forças
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrenta dificuldades para anunciar o Grupo de Trabalho (GT) que cuidará dos assuntos da Defesa no governo de transição. Isso porque falta interlocução do petista com os militares, que fizeram parte da base de apoio da gestão de Jair Bolsonaro (PL) no Planalto.
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A lista de militares e civis responsável por mapear as ações do ministério e dos comandos estava prevista para ser divulgada no início desta semana, mas Lula ainda demonstra incerteza sobre a composição do último GT que ainda não foi revelado.
"Há uma cautela compreensível do governo eleito, dado o ambiente tenso que permanece até o momento, com militantes bolsonaristas ainda protestando em frente aos quartéis pedindo intervenção dos militares para subverter o resultado das eleições", explica Caio Barbosa, cientista político da Universidade de São Paulo (USP).
Em conversa com jornalistas no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do Gabinete de Transição, em Brasília, o coordenador dos grupos temáticos Aloizio Mercadante, confirmou, na última semana, que o futuro ministro da Defesa será um civil.
"Essa é uma das pastas mais sensíveis para o próximo governo, já que os militares não possuíam tanto protagonismo político desde o fim do regime militar", diz Barbosa. Ele lembra ainda que, apesar dos protestos na frente dos quartéis terem teor antidemocrático, diferentes membros das Forças Armadas, da ativa e da reserva, já se manifestaram legitimando as manifestações.
"Não parece que efetivamente eles desejam atender aos desejos dos manifestantes, pois seria crime e inconstitucional, um atentado à democracia. Mas parece que eles querem se manter em uma posição privilegiada para negociar com o próximo governo, evitando mudanças que eles não anseiam", afirma o cientista político. "O desafio para o novo governo é como lidar com isso e fazer com que os militares voltem aos quartéis, sem tanto envolvimento com a política", acrescenta.
O Exército se tornou, então, um dos grandes problemas a serem resolvidos por Lula antes mesmo de sua posse. Ainda em 2020, segundo ano de mandato de Bolsonaro, dos 2.930 integrantes das Forças Armadas cedidos aos Três Poderes, mais de 90% estavam em postos abertos no governo.
Velho problema
Apesar de potencializada na gestão de Jair Bolsonaro, a militarização do Ministério da Defesa começou ainda durante o governo de Dilma Rousseff quando, à época, Aldo Rebelo estava à frente da pasta.
Para a professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Adriana Marques, a neutralidade política das Forças Armadas é um dos princípios democráticos. Segundo ela, a Defesa ganhou centralidade dentro da discussão política brasileira, mas pelas razões erradas.
"Porque o Ministério da Defesa é central para a democracia, mas não para contestá-la. [...] Então acho que o principal desafio do próximo governo é reestabelecer o estado de direito, isso significa atribuir às Forças Armadas as funções que elas devem ocupar no regime democrático", diz.
Atos antidemocráticos
Especialistas ouvidos pelo SBT News concordam que a dificuldade de Lula em escolher um nome para chefiar a Defesa está intrinsecamente ligada ao momento político de conturbação democrática pelo qual passa o país.
Desde a vitória do presidente eleito Lula foram registrados atos pelo país que apoiam o atual presidente Jair Bolsonaro e pedem intervenção militar. Além dos protestos em frente aos quartéis generais do Exército, a maior parte das manifestações são de caminhoneiros que não concordam com o resultado das eleições e protestam bloqueando rodovias federais.
No dia 11 de novembro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificou os atos como "criminosos e antidemocráticos, contrários à democracia, ao Estado de Direito e à proclamação do resultado das eleições".
Apesar da proximidade dos militares com o governo Bolsonaro desde a campanha de 2018, porém, não são todos os que apoiam os manifestantes que contestam o resultado das eleições. Nomes de peso da Força que fizeram ou fazem parte do governo não embarcaram nos atos e discursos antidemocráticos, como o ex-ministro Bento Albuquerque, o Almirante Barra Torres, diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Almirante Flávio Rocha, secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Comando das Forças
Nos bastidores, já há movimentações para emplacar nomes para o comando das Forças. Na Marinha, por exemplo, a ordem entre os oficiais é tentar garantir um nome ligado a programas estratégicos, como mostrou o SBT News. As apostas se concentram no nome do almirante de esquadra Marcos Olsen, que chefiou o projeto do submarino nuclear. A ideia dos oficiais mais graduados e influentes na tropa é esquecer batalhas ideológicas estimuladas pelo atual presidente Jair Bolsonaro.