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Desequilíbrio na matriz de transporte do Brasil permanece após crises

Segundo especialistas, país continua investindo mais no modal rodoviário a cada governo

Desequilíbrio na matriz de transporte do Brasil permanece após crises
Bloqueios feitos por caminhoneiros em diferentes estados na última semana foi visto com preocupação pela Confederação Nacional de Transportes (Agência Brasil)
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Aos fatores que se apresentam como barreiras para a recuperação econômica do Brasil no pós-período mais grave da pandemia, como a emergência hídrica e o atrito entre os Poderes, ameaçou somar-se na última semana bloqueios promovidos por caminhoneiros em rodovias federais de diferentes estados. Organizados por profissionais autônomos e sem a participação direta de uma entidade formal, os atos foram registrados em apenas três dias, ante dez da histórica greve de 2018, mas com a matriz de transporte do país ainda desequilibrada -- predominando o modal rodoviário --, rapidamente fez com que consumidores sentissem seus efeitos e evocou o receio de um impacto forte na inflação.

Na 4ª feira (8.set), o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), chegou a gravar um áudio pedindo para que os caminhoneiros desbloqueassem as vias. "Fala para os caminhoneiros aí, que são nossos aliados, mas esses bloqueios atrapalham a nossa economia. Isso provoca desabastecimento, inflação e prejudica todo mundo, em especial, os mais pobres", disse na ocasião. No dia seguinte, em live, elogiou a paralisação, mas voltou a falar dos empecilhos de sua continuidade: "Se passar de domingo [12.set], começamos a ter problema seríssimo com desabastecimento e volta contra nós".

Em entrevista ao SBT News, o professor e diretor do Centro de Estudos em Transportes, Logística e Mobilidade Urbana da Fundação Getulio Vargas (FGV Transportes), Marcus Quintella, disse que mobilizações de caminhoneiros como esta tem um "impacto forte", devido à grande dependência do país nas rodovias para transportar cargas. "Mais de 65% da matriz do transporte de carga é feito por rodovia. Então é uma situação logicamente indesejável. Vai prejudicar a economia, o abastecimento em uma época agora de uma retomada e também de um grande avanço de e-commerce no Brasil". Segundo ele, porém, de qualquer forma os caminhões são estratégicos, inclusive em países com matrizes equilibradas, por garantirem capilaridade às entregas.

No primeiro dia dos bloqueios, na semana passada, o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de Santa Catarina (Sindipetro-SC) disse que eles já provocavam falta de gasolina nas bombas de cerca de 30 postos no norte do estado e que outras regiões só aguentariam até o fim daquela data. Em nota divulgada na 5ª feira (9.set), a Confederação Nacional de Transportes (CNT) também revelou ver com "preocupação" os atos dos caminhoneiros.

De acordo com a entidade, os bloqueios poderiam "provocar sérios transtornos à atividade econômica, impactando diretamente o abastecimento das cidades brasileiras, em um contexto ainda marcado pela pandemia da covid-19. Poderá haver graves dificuldades para realizar o transporte de produtos de primeira necessidade da população, como alimentos, medicamentos e combustíveis - atingindo assim a produção, o comércio e, por extensão, o consumidor final".

O professor Eduardo Ratton, coordenador-geral do Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura da Universidade Federal do Paraná (ITTI/UFPR), relembra que os atos afetam não só o transporte de cargas, mas também o de indivíduos, visto que outros veículos ficam impossibilitados de passar pelas rodovias, e acrescenta que, no território paranaense, cidades apresentavam desabastecimento de combustíveis na 6ª feira (10.set). Ainda de acordo com ele, no Brasil, as ferrovias representam cerca de 22% da matriz de transporte, e as hidrovias, cerca de 11%.

Diante do desequilíbrio, o professor Marcus reflete que os caminhoneiros se aproveitam dessa dependência maior do país em rodovias para fazerem reinvidicações: "Eles entendem que tem uma força de paralisar a economia do país, em face dessa dependência muito grande, então usam essa situação para poder fazer aí os seus movimentos que no final você vê que não tem muito resultado prático". O diretor do FGV Transportes percebe pouco sentido em uma paralisação agora -- dada a passagem da categoria agora também por uma recuperação da retração de cargas sofrida no ano passado -- e, assim como o coordenador-geral do ITTI/UFPR, alerta para o fato de prejudicarem a renda dos próprios participantes, pois eles precisam transportar para receber.

Os bloqueios, desta vez, apoiaram pautas do presidente Bolsonaro reforçadas nos atos de 7 de setembro e criticaram os governadores pelos aumentos dos combustíveis. Por outro lado, Eduardo enxerga por trás disso "também uma questão de melhorar as condições para o caminhoneiro". "Ou seja, se a gente olhar, e pelos dados da própria ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres], onde a gente tem assim em média o salário, o que sobra, sejam autônomos ou assalariados, dos motoristas transportadores de caminhões, varia entre R$ 2.000,00 a R$ 3.100,00 como teto. Então de fato é um salário baixo pela responsabilidade que eles têm, pelo número de horas por dia que trabalha até, em média, pela pesquisa da própria CNT, 11 horas por dia, seis dias por semana, alguns fazem até 9 mil km por mês", completou.

Diversificação da matriz de transporte

Mesmo com o país registrando, de forma recorrente, crises provocadas por paralisações dos caminhoneiros, o investimento em outros modais de transporte não é feito de forma suficiente para equilibrar a matriz, avaliam os especialistas. "A gente discute isso com o DNIT [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes], discute com a ANTT, com a ANTAQ [Agência Nacional Transportes Aquaviários] já há muito tempo, visando a haver um maior equilíbrio, mas, quando você vai ver os planos anuais dos governos que se sucedem, o enfoque sempre é de mais recursos financeiros para o setor rodoviário de manutenção e construção do que para o setor ferroviário", afirma Eduardo Ratton.

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) mostram que em julho de 2021 havia mais caminhoneiros no Brasil do que em maio de 2018, quando ocorreu a greve maior: 977.186, ante 864.916. Procurado pelo SBT News para falar sobre os últimos bloqueios e o que tem feito para evitar outros, o Ministério de Infraestrutura (MInfra) não se pronunciou.

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