Atletas e treinadores levantam discussão sobre saúde mental no esporte
SBT News conversou com psicólogos do esporte para entender importância do trabalho com profissionais de alto rendimento
Jürgen Klopp e Xavi Hernández, treinadores de Liverpool e Barcelona. Adriano Imperador e Nilmar, ex-jogadores. Se engana quem pensa que o único tema a unir esses nomes seja o futebol. Eles se somam a uma série de atletas e treinadores que questionam a pressão psicológica no meio do futebol ou assumem o desgaste mental causado em anos de exibições em estádios, vaias de torcedores e cobranças por resultados e títulos.
+ Confira todas as notícias sobre Esportes
Treinador do Barcelona, Xavi anunciou que não seguirá no comando do clube catalão. Ele citou a pressão por resultados positivos como um dos motivos para a saída. "A sensação de ser treinador do Barcelona é desagradável, cruel, faltam com respeito e há um grande desgaste com relação à saúde mental. Sou positivo, mas a energia chegou a um ponto em que não faz sentido continuar", disse em entrevista coletiva na terça-feira (30).
"Faço isso há 24 anos... Investi tudo o que tinha, percebi que meus recursos não são infinitos". Foi assim que Jürgen Klopp, treinador do Liverpool, anunciou a saída do clube inglês. O motivo principal? Um cansaço.
"Tenho que descansar. Cheguei aqui um cara normal, mas nunca vivi uma vida normal além de três ou quatro semanas por verão. Costumava ser bom, mas agora não é mais", disse à imprensa na última semana.
Adriano Imperador, que enfrentou uma depressão após a morte do pai e largou a Inter de Milão no auge da carreira, e o atacante Nilmar, revelado pelo Internacional, que abandonou as chuteiras após retornar ao Brasil e revelou uma crise depressiva, se tornaram símbolos do debate sobre saúde mental no futebol brasileiro.
À discussão sobre saúde mental no esporte ainda se somam a tenista japonesa Naomi Osaka, que abandonou o torneio de Roland Garros, em 2021, e revelou que sofria de crises depressivas, e a ginasta americana Simone Biles, que desistiu das cinco finais que ia disputar nas Olimpíadas de Tóquio, também em 2021, citando a necessidade de priorizar sua saúde mental.
Para psicólogos do esporte consultados pelo SBT News, o posicionamento desses atletas e treinadores, que têm falado cada vez mais sobre a importância da saúde mental, ajuda a romper uma barreira.
"O próprio atleta vem nos ajudando a romper com essa barreira, porque quando ele fala, quando ele tem a coragem - como a Simone Biles teve no meio de uma Olimpíada - é respeitar a sua própria necessidade, os seus limites, é aceitar que o atleta de alto rendimento é vulnerável", diz Suzana Contieri, especialista em Psicologia e Esporte e colaboradora do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP).
Augusto Carvalho, psicólogo do Red Bull Bragantino há três temporadas, acredita que o debate, vindo de atletas e profissionais do esporte, valoriza o trabalho dos departamentos de psicologia dentro dos clubes. "Quando atletas, treinadores e dirigentes aceitam o trabalho e, mais do que aceitar, eles entendem e valorizam, eu não tenho dúvidas que dessa forma o departamento de psicologia do esporte estará cada vez mais presente, cada vez mais estruturado dentro dos clubes, dentro do esporte de alto rendimento".
No Brasil, 13 dos 20 clubes da série A do Campeonato Brasileiro disputado em 2023 possuíam departamento de saúde mental. O time de Bragança Paulista é um deles. O "Massa Bruta" também oferece psicólogos para as categorias de base e o time feminino.
Para Augusto, isso é fundamental para que os atletas e profissionais do clube façam um trabalho de excelência. "O psicólogo do esporte, muitas vezes, é o psicólogo da instituição. Então ele é o principal responsável, ou um dos principais responsáveis, por estar cuidando, cultivando as boas relações, as relações interpessoais, um ambiente saudável, por estar cuidando da saúde mental não só dos atletas, mas da instituição como um todo", diz ele.
Na comemoração do primeiro título da Libertadores conquistado pelo Fluminense, em 4 de novembro de 2023, uma cena chamou atenção: o meio-campista Jhon Arias abraçado à psicóloga do clube, Emily Gonçalves. Em vídeo divulgado pelo clube, é possível ouví-lo dizer: "obrigado por tudo. Você me fez o que eu sou hoje". Desde então, a profissional tem sido reverenciada por torcedores, até mesmo de outros clubes, nas redes sociais.
Rodrigo Acioli, vice-presidente da Associação de Psicologia do Esporte do Rio de Janeiro (ASSOPERJ) e conselheiro do Conselho Federal de Psicologia, acredita que o posicionamento dos profissionais do esporte pode influenciar e beneficiar a sociedade como um todo. "A sociedade vê tudo isso acontecendo e fala 'caramba, se meus ídolos, minhas referências fazem isso, eu também posso fazer, eu devo fazer'", afirma.
"Mais importante é esse reconhecimento. As pessoas entenderem que não é mais sinônimo de loucura, alguns rótulos caem por terra. É tirar essas discussões debaixo do tapete e as pessoas se sentirem à vontade de verbalizar e compartilhar as suas experiências e como que elas lidam com isso", completa Acioli.
Segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem 5,8% da população em depressão, o correspondente a 11,7 milhões de pessoas. É o país com a maior prevalência desta doença na América Latina. O transtorno misto de ansiedade e depressão esteve entre as 10 doenças que mais afastaram trabalhadores brasileiros em 2023. São mais de 28 mil pessoas diagnosticadas que conseguiram no último ano o benefício por incapacidade temporária do INSS, o antigo auxílio-doença. Para mudar esses números e diminuir a resistência ao cuidado com a saúde mental, nada melhor que o exemplo.
"A gente ainda tem essa resistência por conta do significado ou da visão que se tem do que é a psicologia e do trabalho do psicólogo. E também porque a gente vive uma sociedade, e principalmente no alto rendimento, que é o imediatismo, é o resultado [...] e a psicologia se constrói com um processo, com o tempo, a gente não tem respostas imediatas", ressalta Suzana Contieri.