MPF listou 8 episódios de apoio indevido de chefe da PRF a Bolsonaro
Ação pede condenação e afastamento de Silvinei Vasques por pedido de voto e campanha
Ricardo Brandt
O Ministério Público Federal (MPF), no Rio de Janeiro, listou oito episódios em que o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, teria usado indevidamente seu cargo durante a campanha eleitoral para beneficiar a candidatura à reeleição do presidente, Jair Bolsonaro (PL) - derrotado na urnas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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Chamados de "fatos que contextualizam a prática dolosa", pelo procurador da República Eduardo Santos de Oliveira Benomes, os episódios foram considerados "relevantes" pelo MPF para pedir o afastamento imediato de Silvinei Vasques, à Justiça Federal, no Rio. Em ação de improbidade administrativa, o chefe da PRF - indicado por Bolsonaro - é acusado de infringir a lei, de forma dolosa (com intenção de agir), para beneficiar a campanha de reeleição.
Na 5ª feira (24.nov), o juiz da 8ª Vara Federal do Rio, José Arthur Diniz Borges, mandou intimar Silvinei Vasques para que ele apresente defesa prévia em 30 dias. Ele virou réu na ação, movida pelo MPF em 14 de novembro.
"A presente ação objetiva a condenação do atual diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, anteriormente Superintendente da PRF no Rio de Janeiro, inspetor Silvinei Vasques", registra a peça inicial do processo. Pela "prática de atos dolosos de improbidade administrativa, caracterizados pela violação dos princípios da Administração pública, notoriamente da legalidade e da impessoalidade".
O MPF afirma que Vasques deve ser condenado "em razão do uso indevido do cargo, com desvio de finalidade, bem como de símbolos e imagem da Polícia Rodoviária Federal com o objetivo de favorecer o candidato à reeleição de Jair Messias Bolsonaro para o cargo de Presidente da República".
O procurador pediu ainda afastamento imediato do chefe da PRF, mas a Justiça concedeu a ele 30 dias para se manifestar no processo - ele está de férias.
Cronologia dos fatos
Vasques foi nomeado diretor-geral da PRF em 7 de abril de 2021, quando era superintendente da corporação no Rio - base política da família Bolsonaro.
O MPF destaca na ação que a candidatura de Bolsonaro à reeleição foi oficializada pelo PL em 24 de julho, em evento no Maracanãzinho, no Rio, e depois registrada em 9 de agosto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A candidatura foi deferida em 6 de setembro.
"No período compreendido entre o anúncio oficial da candidatura e a realização do primeiro ou segundo turno das eleições, entende-se que toda menção ou referência escrita, verbal ou não-verbal, à figura do presidente da República e candidato à reeleição, feita por agente público em razão dessa condição, de forma ostensiva ou velada, sobretudo aqueles investidos em altos cargos ou funções da administração pública federal, nos eventos públicos ou oficiais, meios de comunicação, internet, redes sociais ou por meio de atos administrativos, é passível de valoração jurídica quanto à legitimidade, moralidade administrativa e licitude em relação às normas de natureza eleitoral, administrativa, cível ou penal", MPF, em ação contra diretor-geral da PRF
Benones explica que "os marcos temporais indicados são relevantes para comprovar o fato notório e, portanto, processualmente incontroverso, de que a candidatura à reeleição do atual presidente da República, foi publicamente anunciada em 24 de julho de 2022."
O MPF enumerou os fatos imputados a Vasques "que contextualizam a prática dolosa de improbidade administrativa", em ordem cronológica. A reportagem do SBT News consultou a ação apresentada à Justiça e separou os oito episódios destacados pelo procurador.
29 agosto - Entrevista no Pânico, elogios ao presidente-candidato e postagem
MPF diz: Já iniciada a campanha eleitoral, Silvinei Vasques deu entrevista ao Pânico, da Jovem Pan, e falou sobre "bolsonarização" da PRF.
"Nesses últimos três anos, nós nunca tivemos tanto investimento na Polícia Rodoviária Federal, em capacitação, em equipamentos. Nós nunca tivemos no passado a presença de um Presidente da República à formatura da polícia. Então em razão dessa proximidade e da divulgação do nosso trabalho, chama a atenção, acabaram criando, mas isso não é verdade, não acontece. A gente tem liberdade de ação para trabalhar e é isso que mudou e acabaram criando esse mito ideológico".
"Além da referência elogiosa explicita a pessoa do presidente da República, também candidato à reeleição, por "investimentos" e devido à "aproximação" com a PRF, nota-se que o requerido circunscreve sua fala especificamente ao período de 3 anos que coincidem com o mandato presidencial e não somente ao período de pouco mais de 1 ano e 4 meses de sua gestão à frente da direção-geral da PRF, iniciada em 7 de abril de 2021."
Na mesma data, o MPF destaca que Vasques postou, em sua conta pessoal no Instagram, mensagem de agradecimento, aberta ao público, agradecendo "ao Presidente @jairmessiasbolsonaro e ao Ministro @andersontorresoficial pela oportunidade".
9 de setembro - Bicentenário e post no Instagram
MPF diz: Vasques publicou, novamente em sua conta do Instagram, mensagem com o seguinte teor: "Obrigado ao Presidente @jairmessiasbolsonaro e ao Ministro @andersontorresoficial pela oportunidade da PRFbr participar do Bicentenário da Independência do Brasil"
O requerido faz referência expressa ao Instagram de @jairmessiasbolsonaro, cujo endereço eletrônico / site foi formalmente comunicado à Justiça Eleitoral para realização de propaganda eleitoral na internet.
26 de setembro de 2022 - Cerimônia da PRF e camisa "22" do Flamengo
MPF diz: Em cerimônia de lançamento do aplicativo PRF Brasil e encerramento da Semana Nacional de Trânsito, no auditório do Centro de Convenções, na sede da PRF, em Brasília, Silvinei Vasques "politizou o evento oficial ao fazer com que os presentes cantassem música de parabéns para o ministro da Justiça, Anderson Torres, a quem entregou uma camisa do Flamengo com o número 22, em clara referência ao número do candidato Jair Messias Bolsonaro".
Foram convocados todos os servidores administrativos e policiais lotados na sede da PRF, no Distrito Federal. A ação do MPF cita que alguns policias presentes foram ouvidos.
29 de setembro de 2022 - Lançamento de aplicativo PRF em Aparecida (SP)
MPF diz: Realizou cerimônia de lançamento do aplicativo PRF Peregrino, no Centro de Eventos Padre Vitor, no Santuário Nacional de Aparecida, em Aparecida (SP), às vésperas da Novena e Festa da Padroeira.
"Dias depois, em 12 de outubro de 2022, o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, participou da missa em homenagem à padroeira do Brasil no Santuário Nacional de Aparecida, causando grande repercussão negativa no noticiário nacional, em vista de confusões causadas por apoiadores e por ter se tratado de um 'visita' com fins evidentemente eleitorais."
1º de outubro de 2022 - Post com Bolsonaro na véspera do 1º turno
MPF diz: Na véspera do primeiro turno das eleições, Silvinei Vasques "postou em sua conta no Instagram, na área do aplicativo denominada Stories, uma imagem com o presidente da República e candidato Jair Messias Bolsonaro".
6 de outubro - Formatura de policiais e elogios ao "presidente da República"
MPF diz: Na solenidade de formatura do Curso de Formação Policial 2022.213, Silvinei Vasques "fez discurso elogiando o presidente da República e candidato à reeleição Jair Messias Bolsonaro". Foi transcrita as falas do chefe da PRF no evento.
16 de outubro de 2022 - Postagem de parabéns, após debate presidencial
MPF diz: Silvinei Vasques "voltou a postar, em sua conta no Instagram, story com mensagem parabenizando o presidente da República e candidato Jair Messias Bolsonaro", após o debate presidencial na rede Bandeirantes.
29 de outubro de 2022 - Pedido de voto no Instagram na véspera do 2º turno
MPF diz: "Sábado à noite e data anterior à realização do segundo turno das eleições, Silvinei Vasques postou um story de sua conta pessoal no Instagram, pedindo explicitamente voto para o presidente da República e candidato à reeleição Jair Messias Bolsonaro."
"O fato gerou repercussão nas redes sociais e foi noticiado pela imprensa", registrou o MPF, sobre a postagem de Vasques, que depois foi apagada por ele.
Réu na Justiça
O MPF argumenta na ação que os atos de Silvinei Vasques "já seriam extremamente graves se tivessem se restringido ao âmbito interno da Polícia Rodoviária Federal, em vista dos poderes administrativos e hierárquicos exercidos" por ele. Mas sua divulgação na mídia e em redes sociais torna impossível o dimensionamento do ato.
"Ocorre que os pronunciamentos em eventos oficiais, a entrevista, e as postagens em rede social, por parte do requerido, foram veiculados e ainda constam na internet, sendo praticamente impossível dimensionar o potencial de propagação e compartilhamento na rede e o número de pessoas que efetivamente tiveram acesso ao conteúdo e por ele foram possivelmente influenciadas."
Benones afirma ainda que a conduta do chefe da PRF pode ter "contribuído sobremodo para o clima de instabilidade e confronto instaurado durante o deslocamento de eleitores no dia do segundo turno das eleições e após a divulgação oficial do resultado pelo TSE".
O diretor-geral da PRF, mesmo de férias, foi ouvido nesta 6ª feira (25.nov) na Polícia Federal (PF), em Brasília, em outra apuração aberta a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre a atuação da PRF nas eleições e nos atos em rodovias, após a derrota de Bolsonaro.
O procurador afirma que "a cronologia dos fatos narrados e o seu encadeamento lógico levam a inequívoca conclusão de que, entre os meses de agosto e outubro do corrente ano de 2022", Silvinei Vasques "usou a imagem da instituição".
"Com vontade livre e consciente de promover efetivas manifestações, por vezes veladas e outras ostensivas, de apreço ao atual presidente da República e candidato à reeleição Jair Messias Bolsonaro, com o fim de obter proveito de natureza político-partidária, inequivocamente demonstrado no pedido explícito de voto às vésperas do segundo turno da eleição presidencial."
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Silvinei Vasques não foi localizado para comentar o caso.
Em nota, a PRF informou que "acompanha com naturalidade" a intimação do diretor-geral e destacou que a Justiça não determinou o afastamento imediato de Vasques, como pediu o MPF.
"Saliente-se que o magistrado não acatou o pedido formulado pelo órgão ministerial de afastamento imediato do Diretor-Geral, sem a manifestação da parte contrária, determinando a citação do requerido para apresentação de contestação no prazo de 30 dias."