Especialistas analisam origens da polarização entre Lula e Bolsonaro
Cientistas políticos consideram difícil que outro candidato se destaque no pleito deste ano
Guilherme Resck
Com pequenas diferenças de uma para outra em relação a percentuais, as pesquisas de intenção de voto para presidente da República mostram, desde o ano passado, que o eleitorado brasileiro está polarizado, com a maioria pretendendo votar no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou no presidente Jair Bolsonaro (PL) no pleito de 2022. Mas, enquanto para notar a existência dessa divisão basta observar os levantamentos, compreender seu surgimento, de acordo com especialistas, depende da percepção de diferentes fatores. Entre os citados, a popularidade do petista ao final de seu segundo mandato e uma transferência, do PSDB para Bolsonaro, do sentimento negativo que parte da população tem para com o Partido dos Trabalhadores.
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Segundo o doutor em ciência política Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, Lula contava, "quando titular da segunda fase da Presidência da República [2006-2010], e ao cabo disso, depois de deixar a Presidência, com apoio altíssimo na população em geral do país, apoio de mais de 80% da população nos dados da época". "Isso não tem correspondência em nenhum outro candidato virtual, potencial [para as eleições deste ano]", completou, em entrevista ao SBT News. Dessa forma, conforme Fábio, esse é um dos motivos de o petista vir aparecendo com mais de 40% das intenções de voto para presidente nas eleições deste ano e, consequentemente, contribuir para a polarização: o ex-presidente atrai um eleitorado amplo, popular, e fez um segundo governo considerado por muitas pessoas como bem-sucedido. Outro é um descontentamento maior de indivíduos com a gestão Bolsonaro do que com a do integrante do PT, pelo desempenho da atual em áreas como saúde e educação -- classificado pelo doutor em ciência política como completamente ruim -- e/ou pela "disposição negativa" que o chefe do Executivo federal "manifesta com relação diretamente aos aspectos político-institucionais, o caráter com traço anti-democrático, a disposição de recorrer claramente a golpes ou ameaça de golpe" -- Bolsonaro atacou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) em várias ocasiões.
As intenções de voto no caso do presidente em 2022 chegam no patamar observado, afirmou Fábio, porque parte "importante do eleitorado", em especial de classe média e acima, rejeita Lula e o PT. "Ainda agora as pesquisas indicam com muita clareza o apoio bem mais intenso que Bolsonaro tende a ter em pessoas em níveis socioeconomicamente mais altos. Isso claramente aconteceu no momento em que se operou a crise relacionada com o impeachment do presidente Dilma [Rousseff, em 2016]. A gente teve uma crescente hostilidade ao PT, nas camadas média e alta, e isso acabou produzindo uma polarização pelo fato de que você não tem no quadro geral, além da figura de Lula, nenhum quadro que tenha se revelado capaz de contar com o apoio de uma parcela substancial da população", acrescentou. Além disso, segundo o especialista, muitas pessoas são atraídas por uma posição "truculenta, propensa à violência", de Bolsonaro.
O doutor em ciência política Julian Borba, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por sua vez, pontua que "vários fatores levam a essa polarização" mostrada pelas pesquisas de intenção de voto para presidente da República. Um deles, fala o especialista, é o fato de, desde 1980 -- quando foi criado --, o PT concentrar a identificação de cerca de metade dos eleitores identificados com partidos no Brasil [de 25% a 40% do total de eleitores] e haver simultaneamente um antipetismo de parcelas do eleitorado, que a partir do governo Lula coexiste ainda com o lulismo e o antilulismo.
Este e o antipetismo, segundo o professor da UFSC, se acentuaram a partir de 2005, com a associação do Partido dos Trabalhadores a escândalos de corrupção; se tornaram mais intensos, a partir de 2014, por causa da Operação "Lava Jato e pela própria crise econômica e política que vai culminar no impeachment da Dilma"; e, apesar de ter estruturado a política brasileira nos confrontos entre PT e PSDB de 1994 a 2014, migrou em parte do segundo partido para Bolsonaro entre o último ano e 2018. Isso, segundo Borba, por causa das crises política e econômica atravessadas pelo país de 2014 a 2018 e de uma desestruturação do sistema partidário, em função delas, no período, do qual o PT, por ter "base organizacional forte", saiu "concentrando ainda parcelas importantes do eleitorado".
Nas palavras do doutor em ciência política, "o bolsonarismo surge com o antipetismo, parte importante do bolsonarismo vive do antipetismo e o próprio petismo vive do antibolsonarismo". Ainda de acordo com ele, a polarização do eleitorado neste ano se dá principalmente "de forma afetiva, ela está em grande parte dissociada da posição dos eleitores em relação a políticas públicas específicas". "Para algumas [como políticas ligadas aos costumes], nós temos diferenças substantivas, mas, no geral, o eleitorado não tem posições radicalmente distintas sobre a maioria delas. É um eleitor que defende mais Estado, que defende mais intervenção do Estado na economia, políticas em favor dos mais pobres. Na média é isso. Porém, é um eleitorado que está, desde 2014, polarizado afetivamente em torno de liderança", acrescenta. Essa afetividade significa "não gostar da figura, não gostar daqueles que são apoiadores do lado oponente, dos símbolos do seu oponente".
PT X PSDB
Tanto Fábio Wanderley Reis como Julian Borba relembram que o eleitorado no Brasil já se polarizou entre PT e PSDB também; em 2006, por exemplo, Lula teve 48,61% dos votos no primeiro turno, enquanto Alckmin ficou em segundo lugar com 41,64% e a terceira colocada, Heloísa Helena, ficou com 6,85%. Entretanto, de acordo com o professor emérito da UFMG, os termos em que ocorreu são "muitos distintos dos que são trazidos pela contraposição entre Bolsonaro e Lula". "A mensagem de um Bolsonaro é bem diferente da mensagem de um PSDB refinado com lideranças como Fernando Henrique Cardoso, e muita gente mais. Aí gente que tinha maiores afinidades, maior proximidade do ponto de vista de uma perspectiva de administração da política brasileira, administração socioeconômica, etc., apesar de que certamente um dos dois mais à esquerda, o PT, e o outro se deslocando rumo ao centro em função em boa parte do pensamento do fato de que o PT ocupou, de maneira importante, a área da esquerda."
Outros candidatos
Além de Lula e Bolsonaro, são pré-candidatos a presidente, em 2022, o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), a senadora Simone Tebet (MDB), os deputados federais André Janones (Avante) e Luciano Bivar (União), o cientista político Felipe d'Avila (Novo), Eymael (DC), Vera Lúcia (PSTU), Pablo Marçal (Pros), Leonardo Péricles (UP) e Sofia Manzano (PCB). Entretanto, de acordo com pesquisa de intenção de votos PoderData divulgada na última semana, o petista tinha 43%, o integrante do PL, 35%, o pedetista, 6%, e os demais, menos de 5%.
Para Fábio Wanderley Reis, "não há perspectiva real para uma terceira via capaz de ocupar mais amplamente, mais intensamente, um espaço que agora está entre um ou outro, o Bolsonaro ou o Lula". Porém, acrescenta, "não se sabe muito bem o que pode acontecer em torno da Simone Tebet". "É uma figura expressiva vocal, intelectualmente refinada, capaz de dar um recado vigoroso e convincente, só que o ponto de partida dela é muito baixo em termos dos dados que a gente tem visto até aqui".
O doutor em ciência política avalia que o fato de Tebet ser "amplamente desconhecida" dificulta seu crescimento nas pesquisas de intenção de voto. "Apesar de ter insurgido e participado bem da CPI da Pandemia, ela permanece amplamente desconhecida e vai ter que subir de um ponto muito baixo, vai ter que aparecer e se afirmar e se tornar algo atraente do ponto de vista político e partidário num prazo curto, rapidamente, o que envolve uma aposta meio precária", pontua. Já no caso de Ciro, diz o professor, o obstáculo para o crescimento é uma inconsistência apresentada por ele ao longo da carreira.
"Cada hora em um partido, com um discurso que varia para cá e para lá, uma truculência também bem espantosa, uma disposição, apesar de ser extremamente vocal, extremamente articulado, capaz de discursos entusiasmantes ocasionalmente, ele chega a dar uma figura que não merece crédito, em última análise. E eu acho que quem quer que seja um pouco mais exigente do ponto de vista das razões para que haja crédito, não tem condições de funcionar muito bem com o Ciro", fala Reis.
O ex-governador passou pelo antigo PDS, pelo MDB, PSDB, Cidadania e PSB antes de se filiar, em 2015, à legenda atual. Em discurso no evento O PDT Sabe Fazer, em Fortaleza, na 4ª feira (15.jun), Ciro disse que "o Brasil se libertará da mais artificial e perigosa polarização da sua história". Isso porque, de acordo com ele, ela "está assentada em bases tão frágeis e artificiais, que irá desmoronar tão logo a campanha avance". "Tão logo o debate eleitoral se aprofunde e a população perceba que os dois lados estão manipulando seu medo e sua miséria, em favor da perpetuação de um modelo que vem destruindo nosso país há décadas. Quando isso ficar claro, este castelo de cartas ruirá; estas duas esculturas de areia vão se dissolver e virar poeira tóxica, levadas pelo vento da história. Os primeiros a se surpreender com o fenômeno serão certos 'analistas', que hoje decretam que os resultados eleitorais já estão consumados".
Julian Borba, porém, também considera "muito difícil" que algum candidato rompa a atual polarização. "É um tempo muito curto, estamos aí praticamente em julho, três meses [até as eleições], sai de uma campanha que é muito curta, mas eu acho que resta aos candidatos que estão tentando se afirmar como uma alternativa de terceira via buscafrem parcela do eleitorado que estaria disposta, algumas pessoas colocam um potencial em torno de 30% de eleitores que não se sentiria à vontade com nenhuma dessas duas alternativa. Então, aí tem um potencial de crescimento, mas num contexto que eu acho que é bastante difícil", afirmou.
Ainda conforme o professor, com exceção de Lula, Bolsonaro e Ciro, os demais "são pouquíssimos conhecidos do eleitorado". Outro obstáculo relembrado por ele que aparece para nomes que pretendem romper a polarização é "dificuldades nos seus próprios partidos, que as lideranças regionais também em função desse ambiente de polarização percebem que é mais viável se colocar diante de uma das alternativas polarizadas do que apostar num nome incerto que vai trazer mais problemas eleitorais, por exemplo, para um candidato a governador, para um candidato de um estado específico". O senador Renan Calheiros (AL), do mesmo partido de Tebet, disse no início deste mês que o apoio do MDB de Alagoas será de Lula.