Em evento, entidades declaram apoio a Lula e pedem políticas para mulheres
Ex-presidente discursou no encontro, realizado na região central de São Paulo
Guilherme Resck
Mulheres representantes de diferentes entidades, incluindo a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), participaram nesta 5ª feira (10.mar) da reunião Mulheres com Lula para reconstruir o Brasil. O evento, no hotel Nobile Downtown, na região central de São Paulo, foi marcado por manifestações de apoio à eleição do ex-presidente no pleito deste ano, defesa de condições melhores para as pessoas do gênero feminino na sociedade brasileira, e críticas ao governo de Jair Bolsonaro (PL).
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Ao longo de cerca de duas horas, discursaram não só as representantes, mas também integrantes de legendas -- como a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), e a presidente do Partido dos Trabalhadores, deputada Gleisi Hoffmann (PR) -- e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Prevista para começar às 10h, a reunião teve início por volta de 10h40, quando Lula chegou e se acomodou no palco preparado para que as declarações fossem feitas. Ao seu lado, sentaram-se, entre outras, a socióloga Janja Silva, sua noiva. Enquanto aguardavam o petista, os presentes ouviam música ao vivo; entre as canções, Não sou mais disso e Verdade, de Zeca Pagodinho, 1800 Colinas, de Beth Carvalho, Tiro ao Álvaro, de Elis Regina e Adoniran Barbosa, e mais.
Lula foi o último a falar. No discurso, disse que é preciso "ter clareza que o país vive uma crise sanitária profunda". "Se não fosse o SUS, nós não temos noção do tamanho da crise. Que me parece que a sociedade já normalizou o fato de estar morrendo 640 pessoas por dia. Parece que virou normal quando a gente estranhou a primeira morte", afirmou. Além disso, afirmou o ex-presidente, o país passa por uma crise social sem precedentes na história, e teve, nos últimos anos, o desmonte das conquistas do movimento sindical desde 1943 e "a criação de uma situação de trabalho que colocou homens e mulheres quase que em condições de semiescravidão outra vez".
Em crítica ao governo Bolsonaro, afirmou que é "imoral" como o Executivo vem tratando a sociedade brasileira. "Eu não vou falar nome do presidente, porque não se trata apenas do presidente. O presidente é resultado de uma situação que foi criada neste país e uma situação que foi criada numa construção de ódio, numa construção de mentiras, numa construção de destruição de imagem de pessoa que culminou com o golpe da presidenta Dilma Rousseff", completou, referindo-se ao impeachment da petista. Dilma não participou da reunião em São Paulo porque está no Chile para representar Lula e o PT na posse de Gabriel Boric, mas, disse Gleisi, mandou um abraço para os que compareceram.
Ainda em seu discurso, o ex-presidente disse que "inventaram a Lava Jato" para não deixá-lo voltar a ser presidente em 2018. De acordo com o político, "o Brasil está destruído". "As instituições estão feridas. Eu fico pensando aonde nós chegamos, que o Congresso Nacional chegou a construir um 'orçamento secreto', em que o presidente da Câmara [Arthur Lira] tem mais poder na política de investimento desse país do que o presidente da República. Nunca na história deste país a gente teve um presidente da República tão fragilizado diante do Congresso. Tão incompetente."
Lula fez crítica à imprensa também; falando que a tarefa de "reconstruir" o país é da sociedade, disse que a imprensa precisa "parar de mentir" e "começar a falar a verdade". Já em relação às mulheres especificamente, em outro momento, o político pontuou ser necessário pensar como trazer ao Brasil paridade de gênero observada no México: de acordo com ele, nesta nação, 52% dos deputados, 46,5% dos senadores e 35% dos governantes em estados e prefeituras são do gênero feminino. Uma ideia, pontuou Lula, seria implementar uma reforma política para, como no México, a Constituição prever uma lista por meio do qual seriam eleitos "um homem e uma mulher, uma mulher e um homem".
Outros assuntos abordados por Lula foram a reforma da previdência de 2019, o projeto que pretende liberar a mineração em terras indígenas, e o funcionamento da Petrobras. Segundo o petista, foi criada uma narrativa de que a previdência é deficitária, mas ela será superavitária se as pessoas estiverem trabalhando, ou seja, o índice de desemprego for menor; não haverá garimpo nas terras indígenas em eventual terceiro governo seu; e a Petrobras foi destruída "por conta da Lava Jato". "A Petrobras hoje tem 400 empresas importando gasolina dos Estados Unidos e nós pagando o preço em dólar. Se nós somos autossuficientes com o pré-sal, qual é a explicação a não ser a subordinação da soberania brasileira aos interesses mercantilistas daqueles que querem destruir a Petrobras?", disse.
O papel da empresa, ressaltou Lula, será rediscutido em uma possível nova gestão sua no Palácio do Planalto. Em fala voltada às mulheres presentes, depois, afirmou nunca um homem ter precisado tanto delas como está "precisando agora". Segundo o político, é preciso ter "pé no chão" em relação ao resultado das eleições sugerido pelas pesquisas de intenção de voto, e a luta para voltar ao governo "não será fácil". Ainda em suas palavras, "não tem essa de já ganhou". Próximo ao final do discurso, incentivando as mulheres a lutarem por seus direitos, relembrou a polêmica envolvendo o deputado estadual de São Paulo Arthur do Val (sem partido); de acordo com Lula, "tem um monte de cafajeste que pensa daquele mesmo jeito". Antes de encerrar, ele acrescentou que os partidos de esquerda precisarão discutir uma reforma política para as mulheres ocuparem "o espaço devido na sociedade brasileira" e classificou o governo Dilma como "uma experiência bem-sucedida, que depois destruíram". Após o petista terminar de falar, as mulheres entoaram o canto "olê, olê, olá, Lula, Lula". Além das presentes, havia quase 4 mil on-line, por Zoom, acompanhando as declarações.
Outros discursos
Em sua fala, Fátima Bezerra chamou o governo Bolsonaro de "autoritário, misógino, machista", disse ser Lula o representante de um projeto "de país que vai voltar a ser feliz de novo" e classificou as eleições deste ano como "emblemáticas". Gleisi Hoffmann, por sua vez, afirmou não ter dúvida de "que as mulheres terão um papel importante, finalmente, para fazer a mudança política no Brasil". Além disso, disse que os governos Lula e Dilma significaram "uma visão diferente de políticas públicas em que as mulheres eram colocadas na transversalidade dessas políticas". Como exemplos destas, relembrou o Plano Nacional de Políticas para Mulheres e a sanção da Lei Maria da Penha. Em crítica a Bolsonaro, pontuou: "Não gosta das mulheres".
Já a deputada Jandira Feghali afirmou que, para acabar com o "fascismo", será necessária uma união com "todos aqueles que querem derrubar o fascismo e que estão contra Bolsonaro neste momento". Em suas palavras também, "todas as medidas tomadas de seis anos para cá tiveram grande impacto na vida das mulheres, e a pobreza, a violência e a fome de fato têm cor, têm gênero".
Representando a CUT, Junéia Batista foi outra pessoa a discursar. "Nós queremos a revogação que o Lula já prometeu da reforma trabalhista, imoral, indecente", disse. Em relação ao projeto que pretende liberar a mineração em terras indígenas, declarou: "Nós não vamos poder permitir isso. Eles podem aprovar, mas nós vamos derrubar". Ela entregou ao ex-presidente petista a "plataforma de mulheres da CUT".
A representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) se referiu ao Brasil como uma nação destruída. "Não é só um país sem governo. É um país que destruiu tudo que a gente construiu no último período", acrescentou. Ainda de acordo com ela, as mulheres não estão "lutando para resistir, mas existir. E nós precisamos retomar programa de moradia". Selma Dealdina, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas (Conaq), além de discursar, entregou a Lula um pedido de reunião, que foi assinado por ele. Elisa Aníbal, da Articulação Mulheres Brasileiras (AMB), que falou, entre outras coisas, sobre a importância de se discutir direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, presenteou o ex-presidente com um lenço roxo com a escrita "Feminismo é revolução". Já a ex-ministra chefe da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Brasil Eleonora Menicucci, em referência a sua gestão na pasta, no governo Dilma, afirmou: "Construímos as mais importantes políticas públicas para as mulheres".
Elogios a Lula foram feitos ainda pela representante do CNS: "Na questão religião, nós temos o papa Francisco, e na questão política, ambiental e social, e política pública e partidária, nós temos o companheiro Lula para nos representar". Ela disse que o político "foi uma grande liderança mundial" e falou que a reunião desta 5ª veio do desejo de mulheres de querem ficar não atrás nem à frente dos homens, mas sim ao lado. A Fenatrad entregou a Lula o plano de lutas da entidade e fez um agradecimento a ele e a Dilma, porque teriam reconhecido a categoria em seus governos.