Ataques fakes contra urnas eletrônicas dão início à campanha eleitoral
Técnicos do setor de tecnologia do TSE identificam ações coordenadas em redes sociais. SBT News teve acesso a material sob análise na Corte
Mais do que simples postagens, as publicações disparadas nas redes sociais são um ataque direto ao processo eleitoral - leia-se, uma ação contra a própria democracia. No material que a reportagem teve acesso há várias publicações contra o STF e em defesa do voto impresso. Um dos posts relaciona as eleições antes e depois das urnas eletrônicas: "Antes das urnas eletrônicas nenhum partido jamais questionou a lisura ou a falta de legitimidade do voto impresso." Nada mais falso, como se verá adiante.
Publicações compartilhadas nas redes atacam processo eleitoral. Foto: Reprodução/TSE
Os questionamentos sobre a confiabilidade da urna eletrônica no processo eleitoral não são novidade e se intensificaram em 2014, após a reeleição de Dilma Rousseff. Na época, o PSDB, partido que disputou o segundo turno com a petista, chegou a pedir formalmente que a Justiça Eleitoral fizesse nova contagem dos votos, sob o argumento de a eleição ter sido fraudada. Essa medida mobilizou uma série de grupos que iniciaram movimento que defende a volta do voto impresso no país por considerarem esse modelo mais seguro em relação sistema eletrônico adotado pelo país desde 1996. O voto impresso foi também uma das bandeiras da campanha de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018.
Secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Janino disse que é lamentável ver que as pessoas estejam questionando da confiabilidade da urna eletrônica e defendendo o retorno do voto em papel. Janino disse que o voto impresso não é garantia de mais segurança do processo eleitoral. "Onde há intervenção humana há pelo menos três atributos que são inerentes ao ser humano: a lentidão, se você for comparar com o processo automatizado; a prática de erros -inclusive há o ditado popular que diz que errar é humano-; e as fraudes", afirmou.
Ele explicou que o motivo de países de primeiro mundo não terem aderido à urna eletrônica nas votações se dá pelo fato de nenhum deles terem tido um histórico eleitoral tão repleto de fraudes como o Brasil.
"Esses países que ainda votam da forma convencional não passaram pela história que nós passamos. A questão cultural, principalmente da fraude impregnada no processo eleitoral. E a alternativa para mitigar a intervenção humana no processo foi colocar a tecnologia. Tirar a mão do homem no processo", disse Giuseppe Janino, secretário de Tecnologia da Informação do TSE.
O secretário do TSE informou ainda que a Justiça Eleitoral vai manter as diretrizes de combate à desinformação adotadas nas eleições de 2018, com a ajuda de parceiros para checagem de dados. "A estratégia é neutralizar esses ataques. Então é receber a informação errada. Usar os parceiros para checar se aquilo é realmente falso. E tentar devolver. Devolver com a mesma intensidade e na mesma mídia", afirmou Janino.
O coordenador digital do Programa de Combate à Desinformação, Thiago Rondon, que foi um reforço da equipe da Justiça Eleitoral, disse que o TSE deve anunciar nos próximos dias uma série de parcerias para ajudar o grupo. Em 2018, por exemplo, o tribunal fechou um acordo com o Whatsapp. Assim como Janino, Rondon disse que essa força-tarefa vai ajudar a fazer frente a um trabalho de desinformação que está ficando cada vez mais sofisticado.
"O investimento é cada vez maior e a sofisticação também é cada vez maior. E essa não é uma preocupação não só do TSE. Atualmente é uma preocupação de todos na sociedade, das grandes plataformas. Por um lado, a gente tem essa profissionalização. E é importante aqui dizer que isso é um ato criminoso. Mas, por outro lado, é importante de a gente conversar e construir canais de informação mais precisos na sociedade", afirmou Thiago Rondon.
Entrevista // Thiago Rondon e Giuseppe Janino
O TSE está mais preparado para o combate às fake news do que estava em 2018?
Janino Giuseppe - Em 2018, tivemos uma grande novidade, digamos assim. Um fator inédito com relação às outras eleições. À luz do que aconteceu, inclusive, nas eleições americanas, em 2016, nós sofremos um reflexo também no Brasil. Nós esperávamos, evidentemente, em 2018, a utilização das notícias falsas. No entanto, entendíamos que essa estratégia seria feita entre candidatos. No entanto, fomos surpreendidos porque a grande maioria dos ataques, em massa, inclusive, fioram direcionados para a instituição eleitoral, para a Justiça Eleitoral, com foco no instrumento principal, que é o processo eletrônico de votação, mais precisamente a urna eletrônica. Então realmente foi um cenário, digamos assim, novo, e que apresentou uma necessidade de um profissionalismo no sentido de atuar com essa situação. Receber aquela desinformação, analisá-la por meio de parceiros, e a partir daí ter uma ação rápida, no sentido de colocar a informação correta, para que aquele segmento da sociedade que recebeu essa desinformação. Isso é um outro fator que se insere dentro do processo eleitoral e temos que estar preparados para isso. porque isso traz um dano muito grande não só para o processo eleitoral, mas até mesmo para a sustentação do regime democrático.
Thiago Rondon - Desde o ano passado, o TSE vem trabalhando num programa interno de enfrentamento à desinformação coordenada. Isso é importante de ressaltar: que são campanhas de difamação, de ódio, e que popularmente chamamos de fake news. Não estamos debatendo aqui uma informação que é repassada pela população de maneira geral, por pessoas que estão debatendo o assunto. Aqui, no ambiente digital, o nosso olhar é com relação à maneira coordenada e que há objetivos maliciosos e intencionais de difundir mensagens enganosas. E essas mensagens muitas vezes provocam fúria, indignação, ódio, e essa estrutura ela geralmente é operada por contas inautênticas, por robôs, e que são coordenadas por pequenos grupos que têm os seus interesses. Por isso que nessas eleições, nós estamos, por exemplo, buscando inclusive os partidos para esclarecer as responsabilidades dos candidatos nesse ambiente. Nós também estamos em outra frente de cooperação com toda a Justiça Eleitoral, o TSE, todos os tribunais regionais, os servidores públicos, os voluntários nas eleições, e que nós queremos oferecer informações precisas sobre o processo eleitoral, para que possamos difundir informação de qualidade. Mas isso é um trabalho de todos. É preciso que todos os brasileiros, ao receber uma informação sobre o processo eleitoral, verifiquem as fontes. Quando receber em seus grupos, quando tiver circulando isso, busque verificar, validar. Esse é um problema complexo que nós não vamos resolver sozinhos. Nós precisamos de cooperação entre toda a sociedade, principalmente para que nós possamos manifestar nossa vontade no dia da eleição sem nenhum tipo de desinformação.
Há alguma mudança de atuação dos produtores de fake news, dado que houve uma evolução desse ataques ao longo do tempo?
Giuseppe - O que nós percebemos, principalmente nas últimas estratégias de propagação de desinformação, é que existe uma produção, investimento, na produção dessas notícias falsas. A gente vê, muitas vezes, cenários muito bem produzidos, com duas câmeras, ambientes cibernéticos, contextos, creio que tenha até direção na gravação dessas fake news, no sentido que elas realmente têm impacto e tentam passar ali uma pseudo credibilidade. E a pessoa que recebe aquilo verifica os detalhes e tem uma grande interferência com relação a acreditar naquela informação. Esse segmento está cada vez mais profissional e principalmente agora utilizando recursos, a deep fake, utilizando a tecnologia inclusive para modular os cursos, voz, cenários, utilizando recursos digitais para isso. É infelizmente um setor que está investindo fortemente, buscando recursos tecnológicos para tentar colocar credibilidade numa notícia falsa.
Rondon - O investimento é cada vez maior e a sofisticação também é cada vez maior. E essa não é uma preocupação só ddo TSE. Atualmente é uma preocupação de todos na sociedade, nas grandes plataformas. É possível já reconhecer uma série de campanhas e cada vez maiores, com relação a informações precisas, esse debate está cada vez mais presente na sociedade. Por um lado, a gente tem essa profissionalização, que é importante aqui dizer, que isso é um ato criminoso, que há consequência para quem está realizando esse tipo de campanha. Inclusive, a nova legislação eleitoral contempla questões como essa. Mas, por outro lado, é importante de a gente conversar e construir canais de informação mais precisos na sociedade. E como eu disse, isso depende de todos nós.
Como combater as fake news se a legislação não ajuda?
Giuseppe - Eu creio que a estratégia para combater a desinformação é propagar a informação correta. É uma luta contínua. E que para se vencer é preciso de investimento, atenção e estratégias no sentido de ocupar espaços. Onde você permite espaços ocultos de informação, ali certamente é uma possibilidade de se completar com informações falsas. Esse tem sido o entendimento do TSE, no sentido de atuar na propagação das informações corretas. E completando essas lacunas para que não se facilite a atuação desses atos criminosos.
Quais as ferramentas para esse combate?
Giuseppe - O que nós entendemos da nossa experiência passada é que existe uma necessidade de se fazer um planejamento e uma preparação para enfrentar esse cenário. A própria participação do Thiago no TSE já é uma evidência disso. É uma preocupação do ministro Barroso, no sentido de atuar especificamente com a propriedade e profissionalismo nessa seara. Mas entendemos que são algumas etapas a ser cumpridas em termos de planejamento. O primeiro verificação da origem ou da construção eventual de uma estratégia de ataque. Temos que estar com nossos radares ligados, no sentido de ver açõe ainda incipientes com relação a alguma estratégia de ataque. Segundo tentar neutralizar o próprio ataque. Como nós tivemos na eleição passada, em parceria com o Whatsapp, nós conseguimos neutralizar quase 1000 números de telefone do exterior enviando notícias, informações para o Brasil. Esses números foram neutralizados. Uma estratégia é neutralizar esses ataques. E em ato contínuo uma estratégia para responder. Quando você recebe uma notícia falsa, você tem todo um trabalho. Você recebe aquilo, não é suficiente a própria instituição se defender. Então ela tem que usar parceiros, e as empresas de fact checking são muito importantes nisso. Essa desinformação encaminhada a esse parceiro, receber aquela homologação de que aquilo é realmente uma notícia falsa. E tentar devolver, devolver na mesma intensidade e na mesma mídia. O nosso entendimento é que essas estratégias é que devem ser adotadas nesse combate. Evidentemente existem várias outras ações. Mas basicamente as estratégias para o combate da desinformação seriam essas.
Rondon - Esse ano nós também provavelmente vamos anunciar em breve diversas parcerias estratégicas. Porque não é só uma preocupação do TSE. É também de diversos atores nesse ambiente digital. Uma das frentes são essas parcerias nesse sentido. Outra questão que é muito importante no caso do Brasil: por exemplo, o site da JUstiça Eleitoral, todo brasileiro terá acesso às informações verificadas num portal unificado, facilitando a compreensão, numa linguagem mais acessível, mais clara. A gente tem uma coalizão com quase 10 agências de verificação de fatos, também durante o processo. Nós estamos tomando diversas medidas para que nós tenhamos um ambiente mais saudável, menos tóxico. Que de fato todos os brasileiros possam debater de maneira mais clara durante o processo eleitoral.
Como os senhores avaliam os ataques às urnas eletrônicas?
Giuseppe - Nós vemos de uma maneira lamentável. Porque a própria introdução do processo informatizado, isso aconteceu em 1996, com a aparição da urna nas eleições municipais, ela foi motivada justamente de um cenário que nós vivíamos num pretérito. Há 30 anos. Nós tínhamos um processo convencional. Onde as pessoas votavam em papel. Ali se assinalavam, escrevia-se em papel, aquele papel era dobrado, colocado numa urna de lona. No final da votação, essa urna de lona era aberta, esses votos eram colocados numa mesa. Ali se fazia o escrutínio do voto, leitura daquelas informações, se lançavam em mapas, e depois se consolidaram os resultados. Nós tínhamos um processo com muita intervenção humana. E onde há intervenção humana há pelo menos três atributos que são inerentes ao ser humano: a lentidão, se você for comparar com o processo automatizado, a prática de erros. Inclusive o ditado popular diz que errar é humano. E a prática de erros não intencionais, ou seja, as fraudes. Nós tínhamos um portfólio de fraudes muito bem consolidado. Desde a urna embrenhada, que já vinham com votos dentro, o voto da formiguinha, que era feito na porta da seção eleitoral, o mapismo, a substituição de cédulas no momento em que ela era manipulada, a alteração de dados nos mapas. Ou seja, era um portfólio muito consistente e impregnado no processo eleitoral. Nós tínhamos um processo convencional, com intervenção humana, lento, repleto de erros e com muitas fraudes. Um processo em que se levava até duas semanas para se apresentar um resultado. E quando os resultados eram apresentados sempre acompanhados com muita suspeição. Isso foi o grande impulsionador para a mudança desse paradigma. Muitos perguntam: mas por que o Brasil tem a maior eleição informatizada do mundo? Por que países do primeiro mundo não adotam isso? Simples: esses países que ainda votam da forma convencional não passaram pela história que nós passamos. A questão cultural principalmente da fraude impregnada no processo eleitoral. E a alternativa para mitigar a intervenção humana no processo foi colocar a tecnologia. Tirar a mão do homem no processo. E nesse momento, embarcamos no trem da tecnologia. Utilizamos a evolução do processo eleitoral na mesma velocidade que a tecnologia evolui. Utilizando todos os seus requisitos em termos de segurança integridade e auditabilidade. Então dizer que o processo convencional, o papel, teria mais requisito de auditoria, de verificação do que o paradigma digital isso também é uma grande desinformação. Inverdade. Porque o mecanismo digital tem mais requisitos de auditabilidade, de segurança e de garantia de integridade do processo. E aumento muito o portfolio de instrumentos para se fazer a verificação e autoridoa do processo. A tendência é tentar ignorar isso. Hoje temos um portfólio de verificação, de ponto a ponto, que nós certamente nunca tivemos num processo convencional.