PicPay e Rappi unem forças e esquentam disputa no delivery brasileiro
Acordo leva o delivery para dentro do aplicativo financeiro; para especialistas, o chamado PicPay Delivery reforça a estratégia de ecossistemas


Exame.com
Pedir comida, fazer compras de mercado e pagar a conta sem sair do aplicativo do banco passa a ser, oficialmente, parte da disputa pelo consumidor de delivery no Brasil.
O PicPay e o Rappi anunciaram nesta quarta-feira, 17, uma parceria que leva o serviço de entregas da plataforma colombiana para dentro do aplicativo do banco digital.
Um movimento que escancara como a fronteira entre finanças, consumo e logística vem se dissolvendo no centro da chamada guerra do delivery.
A iniciativa dá origem ao PicPay Delivery, funcionalidade criada a partir de uma integração direta com a operação do Rappi.
Segundo as companhias, essa é a primeira vez no mercado brasileiro — e também na América Latina — que um banco passa a oferecer uma experiência completa de pedidos de refeições e itens de mercado dentro da própria plataforma financeira, sem redirecionamentos para aplicativos externos.
Com a integração, os clientes da fintech vão poder acessar restaurantes, produtos de mercado e todo o catálogo do Rappi Turbo, serviço de entregas ultrarrápidas com prazo de até 10 minutos. Enquanto que o processo do pagamento até o acompanhamento do pedido ocorrerá dentro do aplicativo do banco, com ofertas e descontos exclusivos para os usuários.
Ao todo, estarão disponíveis mais de 6 mil itens nas cidades atendidas, que começa uma seleção inicial de restaurantes em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.
Diferentes experiências em um mesmo aplicativo
Alexandre Moshe, vice-presidente executivo de Audiências e Ecossistema do PicPay, destaca que a parceria além de inaugurar um novo modelo de mercado, ao levar o delivery para dentro de uma plataforma financeira, reforça também a estratégia do banco de concentrar diferentes experiências de consumo em um único aplicativo.
"Esse passo reforça que o cliente pode comprar tudo que precisa sem sair do PicPay", afirma Moshe.
Para o Rappi, a integração com o PicPay amplia o alcance da plataforma no Brasil ao conectá-la a uma base de mais de 64 milhões de usuários do banco digital. Segundo a consultoria Euromonitor Internacional, a companhia detém 7% do mercado de entrega de refeições via plataforma.
"É uma iniciativa que reforça nosso compromisso com inovação, conveniência e acesso a serviços essenciais, assim como contribui para a expansão geográfica da plataforma junto ao PicPay", diz Felipe Criniti, CEO do Rappi no Brasil.
A disponibilização do PicPay delivery, porém, será gradual. O banco digital explica que o procedimento é padrão em lançamentos de novos produtos e funcionalidades. "Isso permite acompanhar a performance e garantir que tudo funcione conforme o esperado antes da liberação para a base completa", defende a empresa.
A expectativa é que, até o fim de dezembro, o serviço esteja disponível para toda a base de clientes.
Integração entre bancos e plataformas tem crescido
O anúncio ocorre em um momento de transformação do mercado brasileiro de food service e delivery. De acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o setor movimentou R$ 455 bilhões em 2024, crescimento de 9,4% em relação ao ano anterior, com expectativa de avanço em 2025 puxado pelo delivery.
Dados do Instituto Foodservice Brasil (IFB) também indicam que o segmento de delivery atravessa um ponto de virada. Após a retração pós-pandemia, o tráfego caiu 3% em 2024, enquanto o crescimento do mercado foi sustentado quase exclusivamente pelo aumento do ticket médio, que avançou 4% e levou o gasto total ao recorde de R$ 221 bilhões.
Parceria cada vez mais frequente
Em um contexto de margens pressionadas, inflação de alimentos e competição crescente, parcerias entre bancos e plataformas de entrega têm se tornado cada vez mais frequentes. Em novembro, por exemplo, iFood e Nubank anunciaram uma iniciativa conjunta para oferecer descontos exclusivos a clientes que pagam pedidos com cartão Nubank ou NuPay dentro do app do iFood.
A ação, baseada em cupons e campanhas promocionais, estimava crescimento de 35% no tráfego do aplicativo e aumento de 25% na base de usuários do Ifood.
A diferença com o anúncio do Rappi e PicPay agora, segundo especialistas, está no grau de integração.
Segundo Ingrid Devisate, vice-presidente executiva do IFB (Instituto Foodservice Brasil), a parceria entre PicPay e Rappi reflete um movimento estrutural das grandes plataformas digitais, que buscam deixar de ser apenas intermediárias de pedidos para se tornarem ecossistemas completos de consumo e transação financeira.
"O delivery, isoladamente, é um negócio de margens apertadas, alta competição e elevado custo de aquisição de clientes. Diante desse cenário, as plataformas passaram a buscar novas formas de capturar valor ao longo da jornada do usuário. É aí que entram os serviços financeiros", afirma Devisate.
"Pagamentos, carteiras digitais, crédito, cashback e soluções financeiras integradas aumentam o tempo de uso do aplicativo, elevam a frequência de transações e ampliam o chamado lifetime value do cliente", acrescenta a especialista, chamando atenção para o valor financeiro total que um cliente leva para uma empresa durante o seu relacionamento com a marca.
A integração, ainda segundo Devisate, propicia dados mais completos sobre comportamento de consumo, o que abre espaço para ofertas mais inteligentes e decisões estratégicas baseadas em transações reais.
"Em vez de desenvolver toda a infraestrutura financeira internamente, o Rappi opta por se conectar a um ecossistema financeiro já consolidado. Não se trata apenas de ‘virar banco’, mas de controlar melhor a jornada financeira do consumo e fortalecer a relação com usuários e parceiros", diz Devisate.
Busca por principalidade
Na avaliação de Edson Santos, especialista em meios de pagamento e ex-presidente da Global Payments no Brasil e ex-CFO da Redecard (atual Rede), a integração entre instituições financeiras com as plataformas de delivery desloca a disputa para antes do checkout e aumenta as chances de o banco se tornar o meio de pagamento padrão do consumidor.
"Em vez de competir apenas pela aceitação técnica do meio de pagamento, o banco passa a disputar principalidade, ou seja, ser o método naturalmente escolhido naquele contexto recorrente de gasto. Estar presente nesse momento reduz custo de aquisição, acelera formação de hábito e aumenta a chance de se tornar o pagamento padrão daquele consumidor", afirma Santos.
Com isso, o principal ganho do ponto de vista do banco não é a transação isolada, mas a consolidação de hábito e de share of wallet, quando um banco passa a concentrar despesas recorrentes, aquelas que o cliente faz toda semana ou todo mês.
"Ele cria previsibilidade, profundidade de relacionamento e relevância diária. Isso melhora engajamento, reduz churn e aumenta a eficácia de qualquer oferta adicional. Além disso, gastos recorrentes ajudam o banco a entender melhor o perfil financeiro do cliente, distinguindo consumo essencial de consumo eventual, o que fortalece tanto a gestão de risco quanto a personalização da experiência", completa.
O especialista observa, contudo, que há uma diferença relevante entre modelos baseados apenas em cupons e descontos e aqueles que levam o delivery para dentro do aplicativo financeiro.
Enquanto o primeiro funciona como uma tática de curto prazo para estimular uso, o segundo revela uma ambição maior de disputar a origem da decisão de compra, aumentar tempo de tela e criar hábitos.
O impacto real, porém, dependerá do grau de integração e da capacidade de transformar a iniciativa em uma experiência recorrente, e não apenas promocional. "Se a iniciativa se limitar a campanhas promocionais, aceitação de pagamento ou cashback, ela é relevante como tática de curto prazo, mas não muda estruturalmente a relação com o cliente", diz Santos.
"Se, por outro lado, houver uma integração contínua que leve parte da jornada de compra para dentro do app financeiro — com experiência fluida, benefícios claros e recorrência — isso sinaliza uma tentativa mais ambiciosa de aumentar retenção e principalidade".
Mais um capítulo da guerra do delivery
Esses movimentos ganham ainda mais relevância em meio à guerra do delivery, que se intensificou neste ano com a chegada, agora no início de dezembro, da Keeta, marca internacional da chinesa Meituan, ao mercado brasileiro.
A empresa promete investir R$ 5,6 bilhões em cinco anos no país e passa a disputar espaço com iFood, Rappi e 99Food, da chinesa Didi, em um setor que deve movimentar US$ 21 bilhões em 2025, segundo a Statista.
Em resposta, os principais players anunciaram aportes bilionários e vêm ampliando estratégias de diferenciação, seja por preço, logística, tecnologia ou parcerias estratégicas.
O líder no segmento, o iFood, investirá R$ 17 bilhões até março de 2026, enquanto a Rappi fará um aporte de R$ 1,4 bilhão até 2028. Já a 99Food, que retornou neste ano ao mercado brasileiro, investirá R$ 1 bilhão no país.









