Quais problemas o agronegócio gostaria, finalmente, de resolver em 2023?
Especialistas citam crédito pouco competitivo em relação a outros países e logística precária
Pablo Valler
Tudo novo: ano, governo e safras. O agronegócio terá muitos desafios a partir de 2023? Em termos de produção, talvez não. O clima deve ser muito parecido com o dos dois últimos anos, sob influência do La Ninã. Ou seja, com chance de ser mais seco no sul e sudeste e mais úmido no nordeste. Também não há apreensão quanto às tecnologias usadas. São bem conhecidas dos produtores rurais brasileiros, um dos mais eficientes do mundo.
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Sobre o governo, algumas expectativas. O ministério estará sob qual estilo de liderança? Sob Tereza Cristina, o setor sempre se manteve de joelhos e sem dor. Acalentados pelo desempenho da ministra, que negociou e conquistou 134 mercados nos três primeiros anos, conforme uma conta dela mesma divulgada em redes sociais.
Também houve fatores ruins que trouxeram, indiretamente, benefícios. Como a forma que o governo lidou com a pandemia, criando um cenário de mais incertezas quando já havia uma crise financeira instalada. Cenário que afastou investidores internacionais. Com menos dólar entrando, o câmbio subiu. Para importar insumos é ruim. Tanto que o setor gastou US$ 15.136 bilhões em 2021, acréscimo de 89% em relação a 2020. Mas, para exportar o que se produz é bom. Conforme a Secretaria de Exportação do Ministério da Economia (Secex), foram pagos US$ 120.59 bi em 2021 ao agronegócio brasileiro.
Entretanto, não dá para agradar apenas o agronegócio ou qualquer outro setor que exporte muito. O dólar alto também encarece alguns produtos, atrapalha o turismo e faz a maior parte dos brasileiros verem seu dinheiro render menos. Se o novo governo, de Luiz Inácio Lula da Silva, ter os mesmos moldes dos mandatos anteriores, o câmbio deve ser mais "equilibrado", mas longe de gerar prejuízos ao setor, garante Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul). Para ele, o Brasil continuará -- ou até será ainda maior -- sendo um gigantesco supermercado -- e precisa ser mais valorizado por isso.
"Nos preocupa a falta de percepção da importância do Brasil para a estabilidade do mundo. Porque é um soft power que nós temos. Nós não temos um grande exército, temido mundo afora. Não é um hard power, é um soft power. Se o Brasil não fornece para o mundo, o mundo entra em crise. Somos muito mais importantes do que imaginamos. Essa percepção me parece ser importante para os próximos anos porque vai nos ajudar a ser mais respeitados e, consequentemente, fazer melhores acordos multilaterais, fazer melhores negócios para os brasileiros", diz Antônio.
Apesar da importância em quantidade, é preciso evoluir mais em qualidade, alerta Felippe Serigati, doutor em economia e coordenador do mestrado em Agronegócio da FGV. Ele não quer dizer que os produtos brasileiros são ruins. Chama atenção para a forma de produzir, que importa muito atualmente. "Ainda precisamos melhorar a imagem do setor junto à comunidade internacional, principalmente a respeito de mudanças no uso do solo e emissões [de gases de efeito estufa]".
Incentivo à produção de baixo carbono
Tem como fazer. Não só atender a exigência, mas impressionar o mercado internacional. A ideia é de Isabel Garcia Drigo, doutora em Ciência Ambiental e coordenadora de Clima e Cadeias Agropecuárias do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). "Todo o Plano Safra deveria ser um plano de agricultura e pecuária de baixo carbono". Por suposição, no ciclo 22/23 seria de R$ 340,88 bilhões. "Precisa implementar em escala o plano ABC+. É fundamental. O que a gente tem ouvido e concorda é que esse será um esforço público-privado. Claro, precisa injetar recursos onde é mais necessário. Então, por exemplo, nossa pecuária na Amazônia e no cerrado, que é muito precária e não tem manejo de pastagem. As pastagens vão se degradando e não são recuperadas. Vão emitindo cada vez mais gases de efeito estufa. Então, essa coordenação entre agropecuária, meio ambiente e financiamento? Financiamento para uma agropecuária de baixo carbono, é um grande desafio", analisa ela.
O crédito é mais importante do que nunca agora que os produtores rurais precisam adaptar suas produções. Assim como os subsídios, defende Antônio: "Outro grande desafio: acelerar a integração entre o agronegócio e o mercado de capitais. O sistema de crédito rural que temos não atende nem minimamente o agronegócio. Principalmente, a agricultura familiar".
Assistência à agricultura familiar
As famílias produtoras de hortaliças, frutas, legumes, além de grãos e carnes que vão direto para a mesa dos brasileiros, são responsáveis por 70% de tudo o que comemos no Brasil. Ainda assim, ocupam apenas 23% da área agrícola - a outra parte, maior, produz commodities, tem renda maior e mais subsídios.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) pede, no mínimo, R$ 50 bilhões para serem usados como subsídios de créditos no ano que vem. Nesse ano, após sucessivos cortes do governo, ficaram R$ 39 bilhões. Além da diminuição, o juro a 3% não existe mais. Agricultores familiares tem que dar conta da taxa básica, a 13,75%.
"Competimos com agriculturas pesadamente subsidiadas, como a da Europa, que compete de forma desleal com o produto brasileiro. Ver os produtos deles circularem é um absurdo Eles não têm nem código florestal. Agora estão queimando carvão para ter energia. Só se preocupam com o meio ambiente dos outros", explica Antônio.
Essa crítica é consenso entre os economistas. Felippe cita que é preciso mais "opções de financiamento para pequeno e médios em um ambiente de elevada taxa de juros, de restrição fiscal e custos de produção elevados".
Estruturar melhor a logística
Como se não bastassem as dificuldades para investir, ainda há um prejuízo "previsto" em todas as safras: logística. "Nós temos que melhorar muito a logística, muito mesmo. Perdemos horrores nesses últimos quatro anos", reclama Antônio, com razão. Conforme a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a cada cinco safras, o Brasil perde uma para custear a logística ineficiente ou precária.
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