Mesmo com Semana do Consumidor, comércio prevê queda nas vendas em março
Inflação faz com que consumidores optem por comprar apenas o essencial, para manter orçamento
Com a aceleração da inflação e aumento da taxa básica de juros, Selic, nos últimos meses, o comércio prevê uma queda nas vendas em março, tanto em comparação com o mesmo período do ano passado quanto com fevereiro de 2022. Para o primeiro trimestre do ano, que se encerra no próximo dia 31, é esperada estabilidade frente aos últimos três meses de 2021 e queda ante o desempenho do início do último ano. Por causa da alta nos preços, a Semana do Consumidor, que começou na última 2ª feira (14.mar), passou pelo Dia do Consumidor (15) e termina neste domingo (20.mar), dificilmente impulsionará as vendas do varejo, de acordo com Fabio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
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Em entrevista ao SBT News, ele avaliou que, com a inflação dos produtos do comércio varejista tendo ficado em cerca de 12,5% nos últimos 12 meses e a geral em 10,54%, é "muito difícil" para o setor "conseguir colocar para o consumidor um desconto efetivo no preço dos produtos". A Semana do Consumidor é um período no qual estabelecimentos oferecem descontos, como na Black Friday.
Segundo Bentes, há seis meses a comparação do resultado das vendas do comércio no mês corrente com a do mesmo período do ano anterior resulta em taxa negativa e, neste momento a dificuldade do setor "em crescer no comparativo interanual deriva muito mais de problemas de ordem econômica do que propriamente da crise sanitária [pandemia]". "Quer dizer, a crise sanitária foi muito ruim para o comércio, a pandemia em 2020 e 2021 também fez com que o comércio crescesse muito pouco, mas a gente já observa, desde o segundo semestre de 2021, uma deterioração das condições econômicas principalmente por conta do aumento da inflação", comentou.
A inflação nos patamares observados, diz o especialista, configura "um problemão" para o setor, que acaba precisando repassar o aumento para o consumidor. Atualmente, a alta nos valores dos produtos no atacado -- ou seja, aqueles obtidos pelo varejo para revenda --, que foi de 25% nos últimos 12 meses, vem sendo rateada pelos comerciantes com os compradores. Isso, assim como o encarecimento geral, faz com que ao menos parte das pessoas pare de consumir produtos considerados não essenciais para tentar manter o orçamento. E, de acordo com Bentes, geralmente, quando o consumidor deseja manter o padrão de consumo diante de uma alta nos preços, recorre a empréstimo, refinanciamento e/ou outra modalidade de crédito, mas "o grande problema, o consumidor já percebeu, é que a gente não está mais com uma taxa de juros tão baixa como estávamos no início da pandemia".
"Selic, por exemplo, que é referência da taxa de juros, estava em 2%. Hoje já está em 10,75%. O que isso significa? Que recorrer a essa saída alternativa está mais cara, está mais custoso, então o que a gente deve ter em termos de desempenho do comportamento do comércio, pelo menos nessa primeira metade do ano, é uma observância de mais impactos negativos do que positivo, a tendência mais negativa que positiva."
Serviços
O setor de serviços, por sua vez, tende a apresentar algum aumento de receita neste mês, por ainda estar aproveitando o fim do período de normalização da circulação de consumidores, pós-período mais crítico da pandemia, e não ter apresentado uma inflação tão elevada quando a dos produtos -- em especial a gasolina. "A inflação de serviços não tem sido um problema tão crítico para o setor como tem sido a inflação do varejo", pontua Bentes. Ainda de acordo com ele, o volume de receita dos serviços é 7% superior ao do período pré-pandemia, enquanto os da indústria, comércio e turismo, por exemplo, estão 2%, 1% e 11% abaixo, respectivamente.
Porém, fala o economista da CNC, a previsão é que, tanto o comércio quanto os serviços, tenham neste ano "taxas muito baixas de crescimento". As vendas do primeiro devem crescer 0,5% em 2022, e as do segundo, ficarem estagnadas, em comparação com 2021. No primeiro trimestre do ano, os serviços podem registrar alta de no máximo 1%, frente ao último trimestre de 2021. Também no caso desse setor, é difícil que a Semana do Consumidor impulsione as vendas, segundo Bentes. Refletindo sobre o período, ele afirmou: "As famílias seguramente vão tentar preservar o orçamento para fazer frente a gastos com serviços essenciais, com serviços de transporte, com produtos essenciais, como gás. A gente tem acompanhado um reajuste do preço de combustíveis de um modo geral. Isso afeta e muito o bolso do consumidor. Então, a inflação elevada e esse movimento de juros, de alta dos ,juros tem sacrificado o crescimento tanto do setor de comércio quanto do setor de serviços".
Dentro dos serviços, bares e restaurantes devem registrar aumento nas vendas em março em comparação com o mesmo mês de 2021 e fevereiro deste ano, de acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Nas palavras de José Eduardo Camargo, líder de inteligência e conteúdo da entidade, "em relação a março do ano passado é certo que a gente vai ter um resultado melhor até porque a gente no ano passado tinha muito lugar fechado, tinha muito lugar com restrição, e essas inscrições foram caindo. A gente teve esse problema com o pico da ômicron, agora principalmente no começo do ano, depois do Natal e Réveillon, mas certamente vai ser melhor do que o ano passado e a gente espera que também na comparação com janeiro e fevereiro". Frente ao terceiro mês do último ano, acrescenta, o aumento nas vendas em março deve ser "robusto".
Para o trimestre, a expectativa é de crescimento nas vendas ao menos frente ao mesmo período de 2021. De acordo com Camargo, "janeiro não foi tão bom, como foi dezembro, mas mais da metade, 51%, dos participantes da nossa pesquisa [nacional da Abrasel] agora em fevereiro disseram que janeiro de 2022 foi melhor do que janeiro de 2021". "Ou seja, com certeza a expectativa é que esse trimestre seja muito melhor do que o primeiro trimestre do ano passado", acrescenta.
Na Semana do Consumidor, bares e restaurantes vêm fazendo promoções, principalmente nas vendas pela internet, o que deve aumentar o volume de vendas, segundo Camargo. Mas, também conforme ele, "não é tão importante como em outros setores, como em eletrônicos". "A Semana do Consumidor tem sido muito estimulada principalmente pelas grandes marketing places de eletrônicos, pelo e-commerce, mas tem várias iniciativas pontuais que a gente sabe de restaurantes que estão fazendo principalmente promoção em relação ao Dia do Consumidor na internet. Nas suas redes sociais ou no site, com vouchers com desconto, então descontos que chegam até 50%", observa.
Turismo
Outro representante do setor terciário, o turismo -- que também conta com promoções na Semana do Consumidor -- está, de acordo com Fabio Bentes, "na lanterninha" do processo de recuperação da receita para o nível pré-pandemia. "O que a gente tem observado é uma demanda maior do turismo corporativo, o turismo de lazer ainda vai levar algum tempo para retomar, conseguir reconquistar esse terreno perdido. A gente tinha até uma previsão de que poderia conseguir normalizar a geração de receitas pela metade desse ano, logo após a alta temporada, mas, enfim, aí teve, no final do ano passado, cancelamento de Réveillon, adiamento de Carnaval, cancelamento do Carnaval em algumas localidades, então a tendência para o setor de turismo é reaver o nível de receita só na segunda metade desse ano, isso obviamente se não tiver nenhuma nenhuma deterioração do cenário econômico, por conta dessa incerteza que hoje paira aí sobre a economia global", completou.
Outros fatores que contribuem para esse desempenho são a taxa de desemprego, que vem se mantendo em dois dígitos, a inflação e os juros. "O financiamento do pacote turístico hoje gera uma parcela semelhante àquela que se tinha no início da pandemia. A gente teve um processo de queda no parcelamento de serviço turístico, ficou mais barato, os hotéis tiveram que sacrificar preço durante a pandemia, principalmente a partir do processo de recuperação, as companhias aéreas também, mas, a partir do aumento da circulação, o que a gente observou foi um aumento no nível geral de preços e o encarecimento do crédito e isso aí desacelerou a capacidade de recuperação do turismo", arrematou o economista da CNC.