Escassez de chuva encarece conta de luz e alimentos no Brasil
Economistas afirmam que preços devem subir ainda mais nos próximos meses
Guilherme Resck
Com a manutenção da bandeira tarifária vermelha patamar 2 desde junho, o pagamento da conta de luz configura a principal forma pela qual brasileiros já sentiram o impacto econômico provocado pela atual crise hídrica nas bacias de hidrelétricas nacionais. Porém, economistas consultadas pelo SBT News reforçam que é possível observar as consequências da escassez de chuva, na economia, por outras perspectivas também.
As precipitações são necessária ainda para a agricultura. Assim, a falta delas pode ocasionar o encarecimento de produtos do campo direta e indiretamente. E, de acordo com a professora Juliana Inhasz, do Insper, "a gente de fato já tem um aumento do preço dos hortifrútis no geral". Ainda segundo ela, "algumas culturas que são mais sensíveis à condição hídrica e climática certamente devem sofrer mais e já sofrem, nós já enxergamos esse aumento de preços".
A professor Amanda Schutze, do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), por sua vez, acrescenta que a redução das safras provoca um efeito em cadeia, "porque por exemplo, se você tem um aumento no preço do milho, ele é usado em rações, que vão afetar o preço da carne, do frango, do ovo, então com isso você também vai tendo um aumento de diferentes produtos, diferentes preços".
Projeções realizadas pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), há duas semanas, apontam que ovos, carne de frango e porco podem ficar até 50% mais caros, ainda este ano, devido ao aumento dos preços do farelo de soja e milho utilizados na alimentação das aves e suínos. O segundo grão foi o mais prejudicado pela falta de chuvas neste ano.
Para a professora da PUC-Rio, porém, é difícil afirmar que a crise hídrica já contribuiu ou contribuirá para segurar a recuperação econômica do Brasil no pós-período mais crítico da pandemia. "É importante que o país seja capaz de prover, de fornecer essa energia para o seu crescimento. E essa crise hídrica está afetando isso [capacidade] diretamente, mas se por exemplo, se todas essas medidas que o governo está adotando, junto com a gente ter uma sorte aí de chover no local certo e a gente conseguir passar por esse período seco e tiver uma entrada no período úmido, ali no final do ano, e de fato for um bom período, conseguiremos nos recuperar", pontuou.
Entre as medidas adotadas pelo Executivo diante da falta de chuvas, ela cita o acionamento de termelétricas, importação de energia e operação de hidrelétricas com restrições, que levam ao aumento do preço da conta de luz mas tem por objetivo possibilitar a "retomada do crescimento". Por outro lado, a professora do Insper avalia que a crise hídrica está segurando a recuperação do país "e não é pouco".
O motivo, explica, é que "a recuperação econômica brasileira ela depende de as pessoas conseguirem voltar a circular, então tem uma parte aí de conter a pandemia, que aparentemente a vacinação tem feito, mas também tem uma parte de as pessoas voltarem a consumir". "Para elas voltarem a consumir elas precisam ter renda e elas precisam enxergar que os preços são factíveis. Hoje a gente tem uma população que não tem renda, muita gente desempregada, preços que estão subindo, custo de vida cada vez mais alto, que impede inclusive que essa economia volte a ter mais empregos", completou.
Impacto nos investimentos
Em relação aos investimentos, Juliana afirma que a crise pode entrar como mais um fator de incerteza -- entre os quais está também a pandemia -- a ser considerado não só por empresas nacionais no momento de fazê-los, mas também pelos investidores estrangeiros, incluindo aqueles que adquirem títulos públicos e ações.
Mas sobre o segundo caso, pondera: "É uma consequência desse cenário também de crise hídrica essa pressão que a gente tem visto e vai continuar vendo sobre a taxa de juros. Então essa taxa de juros vai aumentar, é óbvio que quem aplica em títulos públicos e papeis desse jeito vai acabar ganhando mais, então se o investidor tiver provavelmente aí comprado em títulos públicos, ele deve ganhar um pouco mais".
No último mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) revisou a Selic de 3,5% para 4,25% ao ano. Posteriormente, em ata de reunião, o Copom demonstrou preocupação com a inflação nos próximos meses, principalmente por causa do reajuste previsto para as contas de luz em julho.
Mais aumentos de preços a caminho
Tanto Juliana como Amanda afirmam que os preços continuarão subindo nos próximos meses por causa da escassez de chuva, sejam os da conta de luz e/ou os de outros produtos. De acordo com a primeira professora, parte dos produtos da cadeia de transformação ainda não foi impactada e, por isso, ainda deve encarecer as mercadorias. Além disso, diz ela, "a percepção do pessoal da área [de energia] é de que a situação deve se normalizar agora mais próximo do fim do ano".
A segunda professora pontua que devido ao acionamento das termelétricas, as contas de luz deverão sofrer um reajuste anual para cima. Além disso, "pode ter algum tipo de revisão extraordinária, porque o custo está tão alto que você tem que fazer um aumento para todas as distribuidoras ao mesmo tempo". "Também tem um aumento no encargo [setorial] por conta de toda essa situação", conclui.
Para amenizar o peso no bolso dos consumidores, avalia Juliana, o BC deve "continuar com uma política de contenção de inflação via aumento das taxas de juros". Já o governo, segundo ela, pode "tentar gerar, de alguma forma, cenários em que o crescimento econômico seja de verdade factível. Porque o governo hoje não consegue regular ou controlar o preço da energia, ele também não pode tabelar preços de bens e serviços".
Amanda, por sua vez, diz que , o mais importante a ser realizado pelo Executivo "agora para isso é realmente conseguir fazer com que a gente não tenha de fato nenhum apagão, nenhum problema de abastecimento". E isso, relembra, pode vir por meio do estímulo ao uso consciente da energia e para a indústria produzir fora do horário de pico do sistema elétrico. Em nota enviada ao SBT News, o Ministério de Minas e Energia (MME) destaca a criação da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG) e campanhas de conscientização, entre outras coisas, como medidas adotadas para amenizar o impacto da crise hídrica nos preços.