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Teoria de ‘turbocâncer’ é desinformação e não tem base científica

Especialistas e órgãos de saúde afirmam que a expressão não é reconhecida pela medicina e que não há evidências que associem o câncer às vacinas contra covid-19

Imagem da noticia Teoria de ‘turbocâncer’ é desinformação e não tem base científica
Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova | Reprodução
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Post no X desinforma ao dizer que estaria ocorrendo uma “pandemia global de turbo câncer (sic) em jovens”. A publicação usa trecho do programa “The Charlie Kirk Show” de 3 de junho, em que o influenciador Charlie Kirk, assassinado em 10 de setembro, conversa com o médico e empresário Patrick Soon-Shiong. Nele, Soon-Shiong diz estar vendo pela primeira vez “criança de dez anos com câncer de cólon”, “um adolescente de 13 anos com câncer pancreático metastático” e casos de câncer de ovário em “jovens de 20, 21 anos”, e chama isso de “turbocâncer”. O médico associa o problema, entre outros pontos, à covid-19 e às vacinas de prevenção da doença.

+ Acesse as verificações do Comprova no SBT News

O termo utilizado por ele surgiu na pandemia e é uma teoria da conspiração que associa o surgimento de casos de câncer às vacinas contra a covid-19, principalmente as de mRNA, como as da Pfizer e da Moderna. Como verificado pelo Comprova, a expressão “turbocâncer” não é reconhecida pela comunidade científica e médica. “Trata-se de uma expressão sensacionalista, sem base em evidências”, diz João Viola, coordenador de Pesquisa e Inovação do Instituto Nacional de Câncer (INCA).

Em abril do ano passado, o Ministério da Saúde publicou um texto dizendo se tratar de desinformação. Após chamar o “turbocâncer” de “teoria enganosa”, o órgão negou a relação entre imunizantes e câncer. “É importante esclarecer que não há qualquer evidência que sugira que a imunização possa causar câncer, levar à recorrência da doença ou, ainda, acelerar a progressão”, disse o ministério.

O mesmo dizem João Viola e Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas&Co, grupo dedicado ao tratamento do câncer na América Latina, e presidente do Instituto Oncoclínicas. “Não há nenhum registro médico ou estudo científico publicado que comprove aumentos significativos inesperados de câncer em adolescentes após a aplicação da vacina contra a covid-19”, afirmou Ferreira ao Comprova.

“Os estudos e a vigilância pós-vacinação realizados pelas principais autoridades de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), indicam que as vacinas são seguras e eficazes”, disse Viola.

Como ele explica, “o câncer é uma doença complexa e multifatorial, e suas causas são variadas, envolvendo fatores genéticos, ambientais e biológicos”, sem ligação com imunizantes.

Em dezembro do ano passado, em um comunicado dizendo que a “desinformação pode matar”, o Ministério da Saúde voltou ao tema. “Nenhum imunizante aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ofertado à população contém substâncias tóxicas que causam câncer, eles não provocam mutações em células e não geram tumores cancerígenos”, afirmou o órgão.

Segundo a OMS, “autoridades regulatórias monitoram continuamente o uso das vacinas”, “reações graves (a elas) são extremamente raras” e, a partir de dados, conclui-se que elas “permanecem seguras em todo o mundo”.

Sobre a afirmação de Soon-Shiong de que os casos de câncer entre jovens seriam novidade, Ferreira diz: “Casos raros de câncer em crianças e adolescentes, incluindo o câncer de pâncreas, são, infelizmente, conhecidos pela medicina, mas não há dados que sugiram que estejam em ascensão de forma extraordinária ou relacionados à vacinação contra a covid-19”.

Citado por Soon-Shion, o câncer de pâncreas metastático em crianças, segundo Ferreira, “é extremamente raro, mas isso não implica que seja algo sem precedentes.”

Procurada pelo Comprova, a Pfizer, que produz vacina de mRNA, disse monitorar a imunização e que “dados de estudos de mundo real complementam as informações dos estudos clínicos e proporcionam evidência adicional de que a vacina fornece proteção eficaz contra formas graves da covid-19”. Também afirmou que “a vacina não tem nenhuma relação com doenças oncológicas (câncer), tampouco existem evidências científicas para tal associação”.

A reportagem também tentou contato com a Moderna, outra fabricante deste tipo de imunizante, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O autor da página, que tem 56,8 mil seguidores no X, afirma em sua descrição: “Neste perfil, você não ouvirá apenas o que deseja, mas sim a verdade. É hora de acordar, ou você pode acabar sendo devorado pelos lobos”.

Entre os posts publicados, há conteúdos a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do presidente norte-americano Donald Trump e também antivacina. Até 22 de setembro, a publicação verificada aqui tinha sido visualizada mais de 155,8 mil vezes.

O Comprova tentou contato com o autor, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Por que as pessoas podem ter acreditado

O movimento antivacina ganhou força na pandemia e pessoas que o seguem têm mais facilidade para acreditar em posts como este. Já quem não acredita pode mudar de ideia com posts como o verificado aqui porque o autor da publicação usa as declarações de um médico, o que passa a ideia de credibilidade.

Na legenda do post, ele afirma que Soon-Shiong fez um alerta e, no fim, usa o emoji de “atenção” seguido da frase: “Quando médicos veteranos dizem que nunca viram nada parecido, é sinal de que não estamos diante de coincidências – mas de consequências”. As escolhas não são à toa. Desinformadores sabem que, quando conseguem gerar preocupação, apelando à emoção, a chance de quem os lê se interessar pelo assunto e ficar no post, sem refletir se aquilo faz sentido ou não, é maior. No caso deste trecho, o post sugere uma ameaça iminente e grave sem apresentar evidências que comprovem a relação de causa e efeito.

Outro trecho em que o autor apela à emoção é quando escreve que “o mundo estaria diante de uma pandemia global de ‘turbocâncer’ em jovens”. Além disso, quando o assunto é saúde infantil, o post já gera naturalmente uma preocupação natural das pessoas.

O fato de o autor usar trecho do programa de Kirk também faz as pessoas se interessarem. Mesmo quem não conhecia o influenciador passou a saber quem ele foi após seu assassinato, amplamente divulgado.

Fontes que consultamos: Ministério da Saúde, João Viola, do INCA, Carlos Gil Ferreira, da Oncoclínicas&Co, OMS, Pfizer e reportagens sobre o tema.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova, grupo formado por 42 veículos de imprensa brasileiros para combater a desinformação, monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança. Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97045-4984.

Investigação e verificação: A Folha participou desta investigação. A revisão das informações foi realizada pelos veículos Estadão, GZH, A Gazeta e O Dia.

Outras checagens sobre o tema: Desde o primeiro ano da pandemia, o Comprova já publica verificações mostrando que as vacinas de covid-19 não têm relação com casos de câncer. Em outubro daquele ano, mostrou não ser verdade que os imunizantes causem câncer, danos genéticos ou “homossexualismo”. Entre as diversas checagens sobre o tema, publicou também que as vacinas não causam câncer nem têm relação comprovada com herpes-zóster e que não carregam “fungos do câncer”. Diante de tantas mentiras, o Comprova publicou mais recentemente como a desinformação sobre vacinas distorce dados e compromete a confiança pública.

Notas da comunidade: A publicação analisada não tinha notas da comunidade até a conclusão desta verificação.

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