Haddad defendeu estabilidade com regras de desempenho no serviço público; entenda a discussão
Entrevista do ministro foi tirada de contexto para alegar que ele defende o fim da garantia, mas isso não está sendo discutido pelo Governo ou pelo Congresso

Projeto Comprova
A estabilidade no serviço público voltou ao centro do debate após uma entrevista do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao podcast Três Irmãos no dia 27 de setembro. Trechos do programa circulam em sites e redes sociais de forma distorcida, sugerindo que ele teria defendido o fim desse direito. A interpretação, no entanto, não corresponde ao que o ministro disse.
Na ocasião, Haddad foi questionado se a estabilidade deveria ser vista como privilégio ou como proteção contra pressões políticas. Ele respondeu que se trata de uma característica comum às carreiras de Estado em diferentes países, mas que precisa estar vinculada a regras claras de desempenho, eficiência e transparência.
No trecho, o ministro declarou que “um serviço público bem organizado, e que passa pela estabilidade, é muito importante”.
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O que é a estabilidade?
A estabilidade é um direito previsto no artigo 41 da Constituição Federal de 1988. Ela garante que servidores concursados, após três anos de estágio probatório, só possam perder o cargo em situações específicas: decisão judicial transitada em julgado; processo administrativo disciplinar que comprove falta grave; ou procedimento de avaliação periódica de desempenho, regulamentado por lei complementar — este último nunca implementado.
Ao Comprova, Rafael Cezar dos Santos, especialista em direito público, explicou que a estabilidade é uma proteção ao Estado e ao interesse coletivo contra ingerências políticas, garantindo a continuidade dos serviços públicos mesmo em cenários de troca de governo.
Conforme o advogado, a estabilidade não deve ser interpretada como impunidade do servidor público. “O servidor pode (e deve) ser punido em caso de comprovada falta grave”, disse. Esse processo, contudo, passa pela instauração de um processo administrativo disciplinar pela administração pública, no qual são asseguradas ao servidor as garantias de ampla defesa e de contraditório.
Ao término, caso seja comprovada a prática de falta grave, caberá à administração analisar qual a pena cabível ao caso. A legislação federal prevê como penas possíveis a advertência, a suspensão, a demissão, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade, a destituição de cargo em comissão e a destituição de função comissionada.
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Em que etapa está a discussão?
Um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados, presidido pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), elabora uma proposição legislativa que visa uma reforma administrativa.
O texto final ainda não foi apresentado, mas durante debate no Plenário da Câmara dos Deputados em setembro, Pedro Paulo adiantou alguns pontos que deverão constar no projeto, como a criação de uma tabela única de remuneração para o serviço público.
Na ocasião, o relator declarou que os deputados não vão mexer na estabilidade. “Ela não é apenas uma garantia do servidor, é uma proteção do Estado e de toda a sociedade”, disse.
E o que o governo pensa?
Ao Comprova, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos informou que não há nenhuma proposta do Executivo para alterar a estabilidade. A pasta acrescentou que irá se pronunciar sobre as propostas do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados quando os textos forem divulgados pela Casa.
Em manifestações públicas sobre o tema, a ministra da Gestão, Esther Dweck, tem reiterado que a estabilidade deve ser preservada como proteção ao Estado e contra perseguições políticas, mas que pode ser aprimorada com instrumentos de avaliação de desempenho, para evitar que seja usada como escudo para servidores que não cumprem suas atribuições.
No dia 1º de outubro, em entrevista ao programa Bom Dia, Ministra, Esther Dweck reforçou a posição do Executivo de manter a estabilidade como princípio. “A nossa visão no ministério é defender a estabilidade do servidor público. Os servidores têm que ser profissionalizados, estáveis, porque isso é uma proteção do Estado brasileiro. Contratos temporários têm que ser nas situações previstas em lei, que são muito específicas. (…) A gente não é favorável a uma generalização de contratação temporária no Serviço Público Federal”, disse a ministra.
Por que contextualizamos?
Após a entrevista, manchetes em sites de notícias passaram a afirmar que Haddad teria defendido o “fim da estabilidade” no serviço público. Tal enquadramento pode ter levado leitores a interpretar que o ministro propunha extinguir esse direito, o que não é verdade.
Um dos exemplos foi o jornal Gazeta do Povo, que chegou a publicar uma matéria associando a Haddad declarações que ele não fez. O conteúdo, já excluído, continua indexado no Google. O veículo corrigiu posteriormente a reportagem e reconheceu o erro em nota, esclarecendo que o ministro não havia dito tais frases nem defendido o fim da estabilidade no funcionalismo público.
Publicações no X, Facebook e Instagram replicam tanto a manchete incorreta quanto a frase inexistente, apresentada como se tivesse sido dita por Haddad no podcast. A disseminação desse conteúdo descontextualizado reforça a necessidade de esclarecimento, já que a fala do ministro foi no sentido oposto: a defesa da estabilidade, vinculada a regras de desempenho e transparência.
Fontes consultadas: O Comprova assistiu à entrevista completa do ministro, consultou a Constituição, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e ouviu o advogado Rafael Cezar dos Santos, especialista em direito público e eleitoral.
Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova, grupo formado por 42 veículos de imprensa brasileiros para combater a desinformação, monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: Frequentemente, falsas declarações são atribuídas ao ministro da Fazenda ou falas dele circulam fora de contexto nas redes sociais. O Comprova já checou, por exemplo, um post que inventou declaração de Haddad culpando exclusivamente a gestão anterior por problemas econômicos. Também demonstrou ser falsa a afirmação de que ele apoia lei que obriga igrejas a casar homossexuais e provou que o ministro não comemorou a queda das torres gêmeas em aula na USP.