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Após ingresso no Brics, Etiópia amplia produção de trigo, mas segue dependente de importações

Crescimento agrícola tem avançado com apoio de novos parceiros, mas o país ainda compra grãos dos Estados Unidos e da União Europeia, segundo dados oficiais

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Uma postagem nas redes sociais afirma que a Etiópia não precisa comprar trigo da Europa e dos Estados Unidos pela primeira vez desde 1960 e que se tornou autossuficiente na produção do cereal após a entrada do país no Brics, em janeiro de 2024. A publicação, no entanto, mistura fatos com informações falsas e descontextualizadas. A Etiópia segue mantendo relações comerciais de produtos agrícolas com os EUA e a União Europeia, segundo dados oficiais.

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De acordo com relatório do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), a previsão é de que a produção de trigo da Etiópia chegue a 6,5 milhões de toneladas no ano agrícola de 2025/26, impulsionada por melhores rendimentos e pela expansão das áreas agrícolas irrigadas. No mesmo período, projeta-se que as importações de trigo diminuam 24%, para 1,3 milhão de toneladas. O documento também aponta, na página 17, que os Estados Unidos seguem sendo a principal fonte de sorgo, um tipo de grão, destinado à ajuda alimentar na Etiópia.

Já uma tabela da Diretoria-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural da União Europeia mostra que as exportações de trigo comum da União Europeia para a Etiópia caíram nos últimos anos, de 111.840 toneladas em 2021-22 para apenas 12 toneladas em 2024-2025, mas voltaram a subir em 2025-2026, com um registro de 52.920 toneladas.

Consultada pelo Comprova, a conselheira do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Mato Grosso do Sul (Crea-MS), Daniele Marques, detalhou a produção agrícola do país e esclareceu que a Etiópia tem como principais aliados, nas relações comerciais, países como Turquia, Rússia e Ucrânia, que fazem parte da Europa, mas não da União Europeia. Ela ainda afirmou que o país não é autossuficiente na produção de trigo.

“A Etiópia ainda não é autossuficiente. Ela vem tomando uma proporção de desenvolvimento dessa cultura dentro do país, mas ela não é autossuficiente. Os maiores fornecedores históricos não estão nem perto de ser os Estados Unidos. Muito pelo contrário, eles são Turquia, Rússia e Ucrânia”, esclareceu.

Daniele, que também é coordenadora da câmara especializada de agronomia do Crea-MS, detalhou que a Etiópia é a maior produtora de trigo do leste africano, com cerca de 1,95 milhão de hectares cultivados.

O autor da postagem verificada também compartilhou o vídeo de uma página que afirma que o país africano atingiu “recordes de plantação de trigo”, mas sem mencionar autossuficiência ou o término das relações entre a Etiópia, a União Europeia e os Estados Unidos.

Versões das autoridades

Autoridades etíopes afirmaram, recentemente, que o país se tornou o maior produtor de trigo da África. Em 8 de junho, o primeiro-ministro Abiy Ahmed disse que a Etiópia superou a produção do Egito três vezes, de acordo com a Agência de Notícias da Etiópia. Segundo ele, o sucesso pode ser verificado de forma independente por meio de imagens de satélite, que evidenciam a “vasta expansão das terras cultivadas” e indicam um aumento significativo nos rendimentos projetados de trigo.

Já em abril, o embaixador Leulseged Tadese Abebe celebrou: “Hoje, posso dizer com orgulho que nos tornamos o maior exportador de trigo da África”, afirmou, de acordo com entrevista publicada pela equipe de comunicação do BRICS.

No entanto, uma análise da revista The Economist, em março, questionou os dados oficiais do governo. Conforme a reportagem, o gabinete do primeiro-ministro alega que a Etiópia produziu 15,1 milhões de toneladas de trigo na safra de 2022-23, subindo para 23 milhões no ano seguinte, tornando-se o nono maior produtor do mundo.

A publicação aponta que, segundo o Banco Africano de Desenvolvimento, com base “em seus próprios dados e análises de suas operações no país”, o banco estima que a Etiópia produziu 7,5 milhões de toneladas de trigo na safra de 2023-24.

“Isso é mais do que os 4,8 milhões produzidos em 2017-18, mas ainda muito longe dos 15,1 milhões alardeados por Abiy Ahmed”, afirma o texto. No entanto, um artigo do Instituto de Assuntos Exteriores da Etiópia questiona a reportagem do The Economist e as metodologias usadas pelos órgãos independentes utilizados na pesquisa, como a possibilidade das análises por satélite distorcerem os resultados.

Maquinário etíope

A publicação verificada ainda afirma que a Etiópia teve acesso a máquinas agrícolas chinesas de primeiro mundo, após a entrada do país no Brics. Daniele explica que os dois países mantêm relações que envolvendo a comercialização de maquinário. “Os dois países estão dentro do Brics, então eles conseguem fazer essa relação comercial de uma forma mais harmoniosa e fluida. E aí, essas máquinas entram ajudando, principalmente, a alcançar essas projeções para que a Etiópia consiga fazer essas exportações e alcançar os patamares de projeção de melhoria de safra dentro das suas lavouras.”

O vídeo da postagem também mostra máquinas agrícolas da fabricante alemã Claas, representada na Etiópia pela concessionária Kaleb Services Farmer’s House PLC. O Comprova tentou contato com a Claas, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

A postagem verificada foi criada por um influenciador que se identifica como apoiador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em suas últimas publicações, ele destacou medidas positivas de países com governos de esquerda, como a China, e fez críticas a figuras de direita, como Donald Trump, Tarcísio de Freitas e Michelle Bolsonaro. O Comprova não conseguiu entrar em contato com o autor da postagem.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A postagem apresenta descontextualização e falsas conexões, pois utiliza um vídeo verídico de uma plantação da Etiópia para corroborar a informação de que o país é autossuficiente na produção de trigo e de que deixou de importar o produto dos EUA e da União Europeia, o que não é verdadeiro. Além disso, o autor não apresentou a origem das informações na publicação, uma tática clássica de desinformadores. A publicação original, compartilhada pelo influenciador, não menciona que a Etiópia se tornou autossuficiente na produção de trigo.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova, grupo formado por 42 veículos de imprensa brasileiros para combater a desinformação, monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Quando detecta, nesse monitoramento, um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança. Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97045-4984.

Investigação e verificação: O Dia participou desta investigação. A revisão das informações foi realizada pelos veículos Estadão, Terra e A Gazeta.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já fez outras checagens sobre agronegócio, explicando o impacto dos juros altos no financiamento rural e mostrando ser falso que alimentos com ‘selo da rã’ sejam sintéticos e produzidos por Bill Gates.

Notas da comunidade: Não havia notas da comunidade associadas ao post até o momento desta publicação.

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