Morre cineasta Vladimir Carvalho, um dos maiores documentaristas do Brasil, aos 89 anos
Diretor de "O País de São Saruê" (1971) e "Conterrâneos Velhos de Guerra" (1990) deixa legado único na história do cinema brasileiro
O cineasta Vladimir Carvalho, um dos maiores documentaristas do Brasil, morreu nesta quinta-feira (24), aos 89 anos, em Brasília. Segundo o site Metrópoles, ele estava internado há três semanas, com problemas nos rins, e não resistiu a um infarto.
Nascido em 1935, em Itabaiana, na Paraíba, e radicado na capital federal há décadas, ele deixa legado único com filmes como "O País de São Saruê" (1971), "Conterrâneos Velhos de Guerra" (1990) e "Rock Brasília: Era de Ouro" (2011).
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), decretou luto de três dias e fez homenagem ao cineasta em nota oficial:
"Referência do cinema brasileiro, o professor Vladimir Carvalho dedicou sua arte para denunciar injustiças e dar voz aos desassistidos numa época de censura e de perseguição política. Contribuiu para mudar a linguagem cinematográfica brasileira, formou uma geração de aguerridos cineastas, levou e enobreceu o nome de Brasília no cenário cultural internacional. Que Deus receba seu espírito e conforte os familiares e amigos."
Carreira
Irmão mais velho do também cineasta e diretor de fotografia Walter Carvalho, Vladimir Carvalho trabalhou como corroteirista e também foi creditado como assistente de direção do clássico documentário "Aruanda" (1960), de Linduarte Noronha, uma das obras inaugurais do movimento Cinema Novo.
Ao lado de João Ramiro Neto, com quem trabalhou em "Aruanda", dirigiu "Romeiros da Guia" (1962), sobre peregrinação de pescadores de João Pessoa (PB) rumo à Igreja de Nossa Senhora da Guia.
Ainda no começo dos anos 1960, na Bahia, trabalhou como assistente do diretor Eduardo Coutinho no início do que se tornaria a obra-prima documental "Cabra Marcado para Morrer" (1984), filme sobre Ligas Camponesas interrompido após o golpe militar de 1964.
Estreou como diretor solo no curta "A Bolandeira" (1967), sobre engenhos de cana de tração animal no sertão da Paraíba. Em 1969, apresentou esse trabalho no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o mais antigo do país, e acabou escolhendo o Distrito Federal para morar a convite do diretor de fotografia Fernando Duarte.
Duarte, referência do Cinema Novo e que também assinou fotografia de "Cabra Marcado", chamou Carvalho para criar núcleo de produção de documentários na Universidade de Brasília (UnB).
O primeiro longa de Carvalho, "O País de São Saruê" (1971), retratando vida de lavradores e garimpeiros no vale do rio do Peixe, na Paraíba, foi proibido pela censura da ditadura militar. Após seleção para o Festival de Brasília daquele ano, também acabou vetado e só foi exibido no evento em 1979, vencendo prêmio especial do júri.
Nos anos seguintes, o cineasta continuou a carreira como documentarista e professor de cinema na UnB. Assinou trabalhos como "Brasília Segundo Feldman" (1979), com material filmado pelo artista norte-americano Eugene Feldman na capital federal, "O Homem de Areia" (1981), sobre o escritor e ex-ministro José Américo de Almeida, e "O Evangelho Segundo Teotônio" (1984), retrato do ex-senador e empresário.
Um dos documentários mais importantes do autor, "Conterrâneos Velhos de Guerra" (1990), reúne histórias de perdas e sofrimentos de trabalhadores, os chamados candangos, que saíram de diversas partes do Brasil, sobretudo da região Nordeste, para construir Brasília. Na capital federal prestes a ser inaugurada, foram submetidos a situações de exploração, abuso e violência.
Em "Barra 68: Sem Perdeu a Ternura" (2001), retornou às suas origens em Brasília ao mostrar o trabalho de Darcy Ribeiro para criar a UnB e a repressão da ditadura à instituição, como a prisão de centenas de estudantes por militares em 1968, às vésperas do AI-5.
A parte final da carreira rendeu projetos de temáticas culturais e políticas: "O Engenho de Zé Lins" (2007), sobre o escritor José Lins do Rego, "Rock Brasília: Era de Ouro" (2011), que relembra consolidação do gênero musical no Brasil a partir do sucesso de bandas nascidas na capital federal, "Cícero Dias, o Compadre de Picasso" (2016), perfil do pintor pernambucano, e "Giocondo Dias: Ilustre Clandestino" (2019), retrato do militante de esquerda baiano e ex-secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB).