Entenda como as sanções econômicas impactam a Rússia e o mundo
Economistas analisam o reflexo da guerra no mercado internacional e as possíveis saídas de Putin para driblar restrições
Karyn Souza
Desde o início da invasão à Ucrânia, a Rússia tem sido alvo de sanções -- principalmente por parte da União Europeia e dos Estados Unidos -- que têm atingido diversos setores da economia local.
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Por parte do governo de Joe Biden, as restrições impostas à Rússia incluem o banimento das importações de petróleo e gás russos, o fechamento do espaço aéreo dos EUA para voos vindos do país, o bloqueio total do fundo de entidades de defesa do governo de Vladimir Putin, a abertura de investigação contra os famosos oligarcas russos pelo Departamento de Justiça norte-americano, além da mais incisiva medida já anunciada contra uma potência econômica global: a exclusão de entidades financeiras russas do Swift, anunciada em comum acordo com outras nações que integram o sistema mundial de cooperação bancária.
As reações também vieram por parte de multinacionais dos mais variados ramos, que decidiram interromper suas operações em território russo, como foi o caso das montadoras Toyota, Ford e BMW, das marcas de vestuário Adidas e Nike, das fabricantes de aeronaves Airbus e Boeing, das bandeiras de cartão de crédito Visa e Mastercard, das gigantes do setor alimentício Coca-Cola, McDonald's e Starbucks, e muitas outras.
Para analisar os possíveis impactos econômicos dessas sanções na Rússia, e as alternativas do governo de Vladimir Putin para driblar uma possível crise, além dos futuros reflexos no mercado internacional, o SBT News ouviu os economistas César Bergo, presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF) e sócio-diretor da OpenInvest, e Lucas Corrêa de Moraes, analista CNPI-T na DV Invest.
Como as sanções à Rússia repercutem no mercado global?
Apesar de ainda não terem demonstrado um efeito prático proporcional à sua amplitude, as restrições impostas ao mercado russo por si só já configuram um capítulo inédito na história das relações econômicas globais, conforme explica César Bergo. "No mercado financeiro, temos que os efeitos ainda não foram sentidos na dimensão, na gravidade, que se põe no momento. As sanções podem ser consideradas como o maior ataque econômico a um país importante, historicamente falando, não se lembra de outra situação dessa. E os embargos econômicos sempre envolvem nações menos importantes. E também temos que considerar, nesse fato, as ramificações e os reflexos no continente europeu e também no resto do mundo."
Contudo, o presidente do Corecon-DF observa que, mesmo considerando a extensão desses embargos, a Rússia ainda é, no final das contas, uma economia emergente, tal como o Brasil -- sendo membro, inclusive, dos chamados BRICs --, e por isso, o efeito dessas medidas acabam sendo menor do que o esperado, atingindo mais diretamente os países do continente europeu.
"O nível de sanções em curso, lançadas pelo ocidente, sobretudo Estados Unidos e Europa, têm um componente mais simbólico do que efetivo", afirma César Bergo.
"Não é uma economia considerada grande. Ela não está entre as economias consideradas as dez maiores do mundo, mas ela não pode ser desprezada. Ela está interligada entre as outras economias, então pode produzir efeitos nocivos", ressalva Bergo.
Já o economista Lucas Corrêa de Moraes menciona um possível efeito em cascata não somente entre as economias da União Europeia, mas também sobre a política de preços no mercado internacional. "A gravidade das sanções internacionais em resposta à invasão militar da Ucrânia aumentou os riscos de instabilidade. De forma geral, temos o aumento do risco de liquidez e contraparte da Rússia, onde empresas que atuam no país poderão apresentar dificuldades para receber pagamentos, e isso influenciar de forma direta e negativa no aumento de preços. Através das sanções impostas, podemos ter uma crise econômica na Rússia, e isso tende a se alastrar por toda Europa devido a importância econômica do país. Dessa forma, para os próximos anos, podemos ter um aumento na inflação e na taxa de juros, desestabilizando o sistema financeiro global."
Os dois especialistas concordam que o principal impacto das sanções será sentido no mercado internacional, visto que, como grande exportador e importador de commodities, a Rússia deve encontrar grande dificuldade para manter suas relações comerciais com outros países. O resultado, como já está sendo observado, é uma elevação no valor destes produtos. "A Rússia é grande produtora de petróleo, a segunda maior produtora [do mundo], grande produtora de grãos, juntamente com a Ucrânia, sobretudo o trigo e o milho, também é uma das principais produtoras do titânio, que é utilizado na aviação, então várias implicações nós vamos observar doravante. Agora, a questão maior é o impacto no preço das commodities. Para se ter uma ideia, desde o início da guerra, praticamente todas elas subiram mais de 20%; nos últimos três meses, o petróleo subiu mais 45%; isso vai afetar, indiscutivelmente, os preços no mundo inteiro", observa César Bergo.
Por outro lado, tanto o diretor da Corecon-DF quanto o analista da DV Invest explicam que a valorização dos preços dessas commodites também pode vir a beneficiar os países que exportam tais produtos, como é o caso do Brasil. "A Rússia é um dos maiores produtores de commodities agrícolas do planeta, então ele vai acabar ganhando também nas exportações. Isso, infelizmente, vai encarecer os preços no Brasil, porque muitas vezes o produtor vai preferir exportar do que vender no mercado, e a tendência é o preço acompanhar o mercado internacional, como a gente já vem vendo com os combustíveis", diz Bergo, que também comenta a respeito do reflexo direto na economia brasileira. "O Brasil é 'superavitável' também no petróleo, vai acabar ganhando também nessas exportações de petróleo, mas aumenta o preço internamente, essa é a grande questão. Nos últimos dias, a gente pode verificar também um grande fluxo de capital estrangeiro vindo para o Brasil, mas geralmente são capitais oportunistas e de curto prazo."
"Países produtores de commodities, como o Brasil, podem ser bastante beneficiados ao contrário dos países importadores, que já começam a sentir dificuldades econômicas devido ao aumento dos preços", completa Moraes.
As projeções do crescimento global também começam a apresentar os primeiros sintomas negativos dessas restrições. No último dia 10, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, declarou que as "sanções sem precedente" sofridas pela Rússia devem não apenas provocar uma "recessão profunda" no país, como uma desaceleração no desenvolvimento econômico do mundo como um todo. Desta forma, Georgieva anunciou que, nos próximos meses, o FMI deverá revisar para baixo o PIB global.
E a economia russa, como ela é impactada?
Apesar de ser uma grande produtora de commodities, a Rússia é dependente da importação de uma série de produtos e insumos industriais. Por isso, segundo César Bergo, com a exclusão do país da caderneta de exportações de alguns de seus principais consumidores, a tendência é que, com o tempo, o setor produtivo da Rússia sofra uma retração.
"A situação da Rússia é bastante complicada, porque ela não produz todos os componentes necessários para a sua produção industrial, e ela depende muito do exterior com as suas importações; seja o setor metalúrgico, o setor automobilístico, o setor aéreo, tudo isso depende bastante de importações do exterior. E o que nós estamos vendo também, como efeito da própria guerra, é vendo muitas multinacionais revendo seus contratos com os russos, inclusive muitas delas fechando as suas fábricas na Rússia. Isso, no decorrer do tempo, vai criar muita dificuldade, e a saída para o Putin seria buscar um programa de nacionalização dos componentes - mas, em plena guerra, é muito complicado. E também o fato de ele não estar integrando o swift e aumentando a burocracia nas compras, quando a gente pensa no volume das importações necessárias para tocar a economia da Rússia, nós podemos notar o tamanho do problema", explica o economista.
Além disso, Bergo ressalta que o agravamento da situação econômica na Rússia pode gerar reflexos internos, vindo a comprometer a imagem do governo Vladimir Putin com a população do país.
"O rubro, só para ter uma ideia, desvalorizou mais de 40% em relação ao dólar; a taxa de juros subiu de 9% para 20%. Vai ter desemprego, fome, e os protestos também, no campo social, aumentam na Rússia", aponta César Bergo.
Vale destacar que, no último dia 8, em uma tentativa de evitar uma possível crise de abastecimento, além sinalizar ao ocidente uma retaliação às restrições econômicas impostas ao país, o presidente Vladimir Putin anunciou a proibição da exportação de produtos e matérias-primas russas. A lista de vetos, que incluir cerca de 200 itens, inclui equipamentos tecnológicos e de telecomunicações, veículos, máquinas agrícolas, contêineres, máquinas de corte, e outros. A medida, que é valida até o final do ano, só não afetará os países membros da União Econômica da Eurásia: Armênia, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão, Abkhazia e Ossétia do Sul.
Quais as consequências práticas da saída do Swift para a Rússia?
Vista como a mais dura medida anunciada pelo ocidente contra o governo Putin, a exclusão de alguns dos principais bancos russos do Swift -- sigla em inglês para "Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais" -- tornou-se o principal entrave para a manutenção das relações comerciais da Rússia com os demais países, já que, sem o acesso ao sistema, realizar transações financeiras de grandes montantes se torna muito mais difícil.
"O fato de ser retirado do Swift os maiores bancos da Rússia, exceto dois -- e esses dois que não foram tirados, foram por razões de interesse da própria Europa, porque são os bancos que mais transacionam a questão do gás e do petróleo --, você tem um componente perigoso para a própria Rússia porque ela não tem como fazer o fechamento das suas operações comerciais da forma como tradicionalmente é feita pelo mercado", explica César Bergo, concluindo que, sem a facilidade do sistema, o governo russo teria que voltar a executar suas operações comerciais do "modo antigo". "Ela [a Rússia] vai ter que negociar contrato por contrato, através de e-mail, telefone... ou seja, é um retrocesso, um passo atrás nas negociações, o que aumenta a burocracia nas transações comerciais e prejudica a economia russa."
Podem as criptomoedas serem uma saída para Putin driblar as sanções?
Mediante o impedimento de realizar suas operações comerciais pelo Swift, a Rússia pode optar por alternativas "menos convencionais" para realizações transações financeiras com multinacionais e, até mesmo, com outras nações parceiras.
O analista de CNPI-T da DV Invest lembra que uma dessas saídas para driblar as sanções pode ser o emprego do próprio sistema russo de comunicação interbancária, o Mir. "A Rússia já possui o próprio sistema de pagamentos desenvolvido -- Mir --, o que pode diminuir os impactos da saída do Swift, no entanto, poucos países o utilizam atualmente. Uma alternativa que o país busca é estreitar seus laços com países aliados, realizando transações e adotando seus sistemas de pagamentos. Por último, outra possibilidade seria realizar as negociações utilizando as criptomoedas, visto que essa alternativa já transaciona um alto volume financeiro e, por ser descentralizado, não pode ser rastreando e nem sancionado", afirma Lucas Moraes.
O diretor do Corecon-DF, por sua vez, defende que o Mir ainda tem a capacidade necessária para movimentar o montante necessário para que os negócios russos sejam mantidos no fluxo que estavam antes das sanções. O economista enfatiza, porém, que Vladimir Putin tem à disposição um sistema desenvolvido pelo seu maior aliado comercial e político, o governo chinês. "Ela [a Rússia] já desenvolveu - parece até que ela já estava ser preparando para esse momento --, esse sistema de ponta, só que o volume movimentado, o tamanho movimentado, não é suficiente para fazer frente a todas as negociações, transações comerciais, que a Rússia levava a efeito. A China, inclusive, chegou a oferecer à Rússia o sistema dela, que ela tem que desenvolver. Ou seja, é uma alternativa para a Rússia à questão de ser retirada do swift", diz César Bergo.
Contudo, uma das principais hipóteses levantadas por especialistas do mercado como possível saída à Rússia é o uso das chamadas "criptomoedas", ativos digitais financeiros que, por meio de criptografia e códigos de entrada único, é capaz de efetivar pagamentos de altas somas, via internet, sem a necessidade de conexão com um banco.
Para Lucas Moraes, o fato dos países ainda não possuírem uma regulamentação ampla para as transações feitas com moedas digitais poderia beneficiar o governo russo, caso adotassem essa alternativa. "Com a saída do SWIFT seria uma forma de amenizar os impactos das restrições no curto prazo, podendo negociar e transacionar valores financeiros com outros países. E como as criptomoedas são descentralizadas e não podem ser rastreadas, se torna impossível outros países aplicarem ações restritivas nesse mercado."
O analista defende ainda que, se submetidas a uma legislação adequada, as criptomoedas podem significar uma grande inovação para as relações comerciais internacionais. "Cada vez mais, vemos empresas e governos adotarem as criptomoedas, porém vale lembrar que ainda são ativos de alto risco e muita volatilidade, por isso, podem apresentar instabilidade para países que adotarem esse tipo de pagamento. Se caso os governos regulamentassem esse tipo de ativo e passassem a adotar criptomoedas em suas relações de negócio, podemos ter o início de um movimento disruptivo que deve trazer inovações e mudar uma grande quantidade processos, principalmente no setor financeiro", pontua Moraes.
Acredito que no futuro, podemos ver as moedas físicas substituídas por criptomoedas de cada país, visto que hoje a troca entre criptomoedas pode ser feita em segundos", diz Lucas Moraes.
Na análise de César Bergo, no entanto, nem a Rússia e nem os demais países estão prontos para entregar suas operações ao complexo universo das moedas digitais. Por isso, o economista argumenta que, no final das contas, a melhor opção para Vladimir Putin é retomar o diálogo com o ocidente, de modo a tentar reverter ou, pelo menos, reduzir o período em que as sanções ficariam em vigor.
"A questão maior é que os governos não estão preparados ainda para utilizar esse sistema de criptomoedas. A criptomoeda tem um componente que são várias [tipos de] criptomoedas, e também o risco é muito alto, porque elas não têm lastro. Então, até para se entender como ela funciona, e tornar ela uma moeda comercialmente aceita, isso vai levar muito tempo, e não é o momento. Então, a saída maior não é essa, a saída maior é negociação, buscar um certo entendimento, porque de fato, a situação da economia da Rússia está realmente desastrosa", conclui o diretor do Corecon-DF.
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