A transformação da economia brasileira nos 40 anos do SBT
Plano Real deu previsibilidade ao dinheiro e inflação ficou sob maior controle
SBT News
Desde 1981, quando o SBT foi ao ar pela primeira vez, os brasileiros já usaram nada menos que seis moedas diferentes: os cruzeiros (até 1985), os cruzados (1986-1988), os cruzados novos (1988-1990), cruzeiros de novo (1991-1993), cruzeiros reais (1993-1994) e finalmente os reais, que são a moeda oficial do país há 27 anos.
"A gente trocava o nome da moeda, cortava três zeros, mas isso não adiantava porque não tinha nenhum lastro de que as coisas dariam certo a partir dali", diz André Braz, economista e analista de inflação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Na década de 1980 e começo da década de 1990, a inflação chegou a níveis tão altos que os preços mudavam várias vezes por dia.
"A inflação corroía muito rapidamente o poder aquisitivo. Então o que se podia fazer era se livrar do dinheiro o mais rápido possível. Você recebia o seu salário e já ia para o supermercado para fazer lá a compra daquilo que era mais essencial. Porque, enquanto você comprava, os preços eram remarcados. Então, era uma corrida para aquele preço do produto que você queria não ser remarcado a tempo de você comprar um pouco mais barato", lembra o economista.
Hoje, mesmo com a inflação estando em níveis mais elevados do que nas décadas anteriores e corroendo o padrão de vida da população, nada se compara àqueles tempos.
Você já andou com 38 mil no bolso? A preços de hoje parece muito dinheiro, mas em 1993 era esse o preço de uma cartela da Tele-Sena de Dia dos Pais, em cruzeiros da época. "Só 38 mil", dizia Hebe Camargo a Nerso da Capitinga. O prêmio era bilionário: Cr$ 2 bilhões. Em valores de hoje, corrigidos pelo IPC-A, a cartela custaria R$ 8,00 e o prêmio seria de menos de R$ 250 mil.
"Os agentes econômicos já se antecipavam à inflação, não esperavam se manifestar um aquecimento de demanda ou mesmo por um encarecimento das matérias primas, porque não existisse uma política que fizessem os preços serem alinhados, ou mesmo uma imprevisibilidade que viesse na frente", declara Braz.
Foi para dar previsibilidade ao dinheiro que surgiu o Plano Real. Sua implementação foi complexa: as pessoas recebiam em cruzeiros reais, que se desvalorizavam rapidamente, mas a orientação era que preços e salários fossem calculados em termos de Unidades Reais de Valor (URVs), de valor fixo.
"O Plano Real não foi imposto automaticamente. Houve a prática da URV. O alinhamento gradual dos preços. Uma data para mudança dessa moeda e um compromisso de a gente manter com o tempo, veio o sistema de metas de inflação que passou a orientar mais os agentes econômicos sobre para onde a autoridade monetária para conduzir a inflação", explica Braz.
Na prática, o brasileiro trabalhava com duas moedas, uma que se guardava na carteira, outra que só existia na cabeça. Como explicar isso a um país onde a cada dez pessoas duas não sabiam ler e outras quatro não tinham estudado além do primário? A televisão ajudou muito, e o então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, mais tarde presidente da República, visitou todos os programas populares para explicar o que aconteceria. Nove anos depois, durante um discurso, FHC creditou uma visita ao programa Silvio Santos como um ponto de virada:
"Antes de entrar no palco, ele me perguntava infinitamente o que era aquilo, a URV (Unidade Referencial de Valor). Será que ele não estava entendendo? Ele queria pegar a essência mais simples das coisas. Quem não estava entendendo era eu. Ele era como se fosse um Platão daqui do Brasil", diz FHC. "O auditório dele entendeu tudo", completa.
Desde o Plano Real, o dinheiro mudou bastante de valor ao longo do tempo. Se Silvio Santos arremessasse um aviãozinho de R$ 10 no Topa Tudo por Dinheiro em 1994, quando a nova moeda estreou, essa nota compraria na época o mesmo que se compra hoje por R$ 110, a preços atualizados pela inflação. É dinheiro ou não é?
Da mesma forma que o Brasil fez várias tentativas antes de conseguir dar previsibilidade ao dinheiro, os icônicos aviõezinhos de Silvio Santos não saíram de primeira. Mas aqui há uma diferença entre os dois processos: no segundo caso, os colaboradores do Topa Tudo por Dinheiro tinham certeza que seria bem-sucedido no final. O motivo, explica Elaine Cristina Nogueira, é que "tudo o que o Silvio traz de ideia, dá certo". Produtora executiva no SBT, ela começou a trabalhar na emissora há 37 anos e viu o momento no qual o apresentador chegou com a proposta.
"A gente foi desenvolver esse aviãozinho com um senhor que trabalha aqui, o sr. Assis, e teve que fazer vários testes porque não foi o primeiro que voou. O Silvio queria que cruzasse o auditório todo. Então foram feitos vários testes até achar o formato certo do avião e aí, o senhor Assis começou a fazer", acrescenta. De tão grande, porém, o sucesso da aeronave de dinheiro surpreendeu a equipe do programa. De acordo com a produtora executiva, mulheres da plateia chegaram a se tornar fãs da caça aos aviõzinhos. "Toda semana eram as mesmas que vinham de fora. Na porta do Teatro (Silvio Santos), como o Topa Tudo tinha fantasia, elas faziam a fila da fantasia. Virou profissão, porque toda semana eram as mesmas com fantasias diferentes", relembra.
Silvana Colosi, produtora executiva e colega de Elaine, confirma a lembrança e diz ainda que as mulheres se tornavam até mesmo amigas delas. Em sua visão, na primeira metade da década de 90, com as caravanas indo ao Teatro, na zona norte de São Paulo, o contato da equipe com o público -nesse caso- era mais fácil do que quando as visitantes chegam em ônibus ao CDT da Anhanguera, como é feito atualmente. Entretanto, para ela, a emoção da plateia continua a mesma. "Não só com o avião. Tem várias coisas que ele (Silvio Santos) faz. Antes do avião ele jogava dinheiro simplesmente. A gente até ri. Elas se matam (para pegar). Elas não medem esforços. A gente fica até com dó das mais idosas, porque elas vão para cima", completa.
Silvana está no SBT há 33 anos. A colega Dory Abravanel, que também é produtora executiva na emissora e chegou há 16 anos, concorda que, ao menos ao longo desse período, as integrantes da plateia do Programa Silvio Santos "vêm com o mesmo gosto". "Porque é diversão para elas. Elas ganham dinheiro, ganham lanche na entrada. Para elas, passa o tempo. É um dia divertido e lucrativo", pontua.
Os preços variam de maneiras imprevisíveis e completamente independentes entre si. Os R$ 10 de 1994 comprariam 15 quilos de arroz. Hoje, esse alimento básico da mesa de todos os lares brasileiros, custaria R$ 72. Se tivesse usado para comprar dez dólares, que na época estavam quase par a par com o real, teria hoje pouco mais de R$ 50,00.
Evolução
Com a inflação sob maior controle, o Brasil pôde crescer de maneira menos lenta. O gráfico abaixo mostra como, já descontada a inflação e as mudanças de moeda, a economia brasileira cresceu e teve solavancos nessas últimas quatro décadas.
"Quando há um espalhamento da inflação, quando ela se manifesta em vários itens, seja na conta de energia, na conta de supermercado, na escola, ou mesmo no transporte público, ou nos combustíveis, é sinal de que ela está espalhando e tomando um fôlego maior. Então, é preciso ter cuidado nesses momentos. E é exatamente o que a gente vê agora: alimentos caros, combustíveis caros, alguns serviços querendo subir de preço. Como ela está ganhando um espalhamento maior, ela pode ficar mais difícil de controlar a médio prazo", explica André Braz.
Os preços mudaram, o país cresceu e o SBT ficou diferente. No início, então, Silvio Santos apenas jogava as cédulas para o público. Depois, veio o aviãozinho de dinheiro, feito com notas de R$ 20, R$ 50 e R$ 100, além de fita adesiva. E, desde 2018, o apresentador alterna entre eles e uma arma lançadora de papel também, que possui 155 notas com o rosto de algum artista (para trocar por R$ 10,00) ou o símbolo da emissora (para trocar por R$ 50,00) estampado.
Os prêmios almejados pelo público nos programas também são outros, segundo Elaine. "Criança de 40 anos atrás era criança mesmo. Hoje a criança já virou meio adulto com 9 anos. Já tem a cabeça de adulto e querem coisas maiores. Antigamente era sonho mesmo. Queria conhecer o Mickey Mouse. Veio a turma da Disney, os bonecos, e a criançada conheceu. Uma criança queria conhecer a cantora Gretchen. Era o sonho da vida dela. Outra criança queria conhecer o Luiz Carlos, (vocalista) do Raça Negra. As crianças eram crianças", afirma a produtora executiva.
Silvana, por sua vez, diz que hoje "nenhuma criança mais pede boneca". No passado, com o Porta da Esperança, houve ainda pedidos inusitados que foram atendidos: "Escada rolante de alguém que morava numa comunidade e tinha dificuldade para subir. Teve uma pessoa que quis andar num elefante. O elefante entrou no palco. Já deu carroça, cavalo... O melhor foi o senhor que pediu a coleção de dvd de filme pornô e ele ganhou. E a mulher veio junto (para o programa), e o Silvio ficou discutindo com o marido sobre os filmes".
Desejos dos brasileiros
No final dos anos 1990, começou-se a separar o que os serviços públicos (educação, saúde, segurança, etc.) representavam dentro do setor de serviços. Nas cidades mais pobres do Brasil, são esses os serviços que representam a maior parte da economia -a prefeitura e o Estado são os principais motores econômicos dessas cidades, o que significa também que há menos oferta de empregos no setor privado. Por isso, muitos moradores dessas cidades, que geralmente são pequenas e rurais, acabam dependendo de programas sociais de transferência de renda.
Voltar com o Porta da Esperança para realizar desejos de brasileiros, porém, não é uma tarefa simples. Isso é o que fala Silvana. Segundo ela, já houve uma tentativa de retorno, no formato de um quadro, no Programa Silvio Santos, mas "não deu muito certo porque a ajuda que (as pessoas) precisavam era sempre relativa a doença ou a casa que estava com vazamento. Não era um sonho como no Porta da Esperança". Ainda de acordo com ela, alguns candidatos chegaram a enviar boletos para serem pagos pela equipe.
De qualquer forma, ver o público vencendo os desafios nos programas e levando prêmios diverte e emociona os organizadores. No caso da primeira pessoa que foi embora para casa com R$ 1 milhão, por exemplo, o que ocorreu na primeira edição do Teleton, em 1998, todos ficaram emocionados, relembra Silvana. "A gente jamais imaginou que fosse acontecer", acrescenta a colega Elaine.
E mesmo após vencer, diz Silvana, há pessoas que demoram para perceber a grandiosidade do feito: "as que vem de fora, nem percebem. Não se dão conta do quanto ganhou. Elas vêm de tão longe às vezes, são tão humildes".
Ainda não temos como conhecer bem o impacto da crise da covid sobre a economia brasileira. Só nos próximos anos os dados estarão devidamente organizados e disponíveis. Mas evitar uma nova disparada da inflação é uma tarefa fundamental.
"Hoje o que valeria mais a pena é você planejar o que você quer comprar: 'olha, eu quero viajar para o exterior. Eu quero comprar um carro novo, eu quero comprar um eletrodoméstico.' Quanto custa? Qual o tamanho dessa despesa? O quanto eu preciso provisionar do meu orçamento para que, no menor horizonte de tempo, eu consiga realizar o meu sonho?", diz André.
"Quando você controla a inflação, você evita que ela penalize os menos favorecidos. Você tem brasileiros que vivem em extrema pobreza. Muito vulneráveis. E o aumento da inflação os afasta mais daquilo que é mais fundamental, que são os alimentos. Porque é ali também que a inflação está persistente nos últimos meses".
Uma coisa é certa: o SBT continuará dando oportunidades de os brasileiros conquistarem prêmios que os ajudem com as despesas do dia a dia. Silvana fala que no último Não Erre a Letra, do Programa Silvio Santos, foram dados R$ 2,5 mil. "Aí é o prêmio maior. Mas tem os quadros do Show do Milhão, que dá R$ 1 milhão, no (antigo) Gol Show, que deu R$ 1 milhão".