Prefeitura e Câmara do Guarujá estruturaram PCC com R$ 81 milhões em licitações
Polícia e MP apontam que o município foi "sequestrado" pelo crime organizado. Prefeito, presidente da casa legislativa e vereadores eleitos estão envolvidos
A Polícia Civil e o Ministério Público de São Paulo acreditam que a cidade do Guarujá, no litoral de São Paulo, está "sequestrada" pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). O SBT News teve acesso à investigação de mais de 1300 páginas, que detalha a atuação de milícias, lavagem de dinheiro e corrupção de agentes públicos, em uma das principais cidades da Baixada Santista.
De acordo com a denúncia, o atual prefeito Doutor Válter Suman (PSDB), o ex-secretário de educação Márcio Reis e o presidente da Câmara Municipal, Juninho Eroso (Progressistas), além de vereadores, estão entre os envolvidos no esquema que teria facilitado a instauração do PCC no município por meio de licitações e cargos na gestão pública.
A investigação policial cita ao menos oito contratos firmados entre a Prefeitura e empresas da facção, contabilizando mais de R$ 81,5 milhões para o crime organizado. As áreas públicas com fraudes seriam desde a Saúde, Comunicação e Educação, com contratos para confecção de livros, biblioteca digital e outras modalidades.
Entre os vereadores citados, são apontados como protagonistas do esquema, Santiago Ângelo (PP) e Mário Lúcio (Cidadania), que "desempenhava papel crucial de receber os valores ilícitos das empresas beneficiadas e repassá-los à Mesa Diretora da Câmara", de acordo com a investigação.
PCC e o "Meia Folha"
O criminoso Cristiano Lopes Costa, conhecido como "Meia Folha", assassinado ao lado ex-vereador Geraldo Soares Galvão, em março deste ano, era o braço direito do chefe da facção, apelidado de "Andrezinho da Baixada". Andrezinho é considerado o principal responsável pelo tráfico do PCC no litoral sul de São Paulo.
Em janeiro de 2022, o prefeito Válter Suman e o ex-presidente da Câmara, José Nilton Doidão, se reuniram com o Meia Folha e firmaram o "repasse de verbas públicas e contratos a fim de viabilizar a criação da 'milícia' no município", segundo a investigação policial.
Na ocasião, a Prefeitura realizou um dos primeiros acordos com a empresa HC Serviços e Locação LTDA no valor de R$ 5 milhões para prestação de serviços de limpeza hospitalar. No entanto, Meio Folha era o dono da HC , empresa que "venceu" o certame de outros empreendimentos de renome no ramo. Somente a HC Serviços e Locação soma contratos que passam dos R$ 15 milhões.
Ainda de acordo com a investigação, durante a gestão do atual prefeito, Válter Suman, entre fevereiro de 2022 e janeiro de 2024, a Prefeitura de Guarujá pagou como despesa para a HC, ao todo, mais R$26.946.947 milhões.
Esposa do Meia Folha
Gabrielle Ribeiro Corrêa, ex-esposa do integrante da facção, durante os anos de 2017 a 2019, foi funcionária da Prefeitura com remuneração de R$ 4 mil e, atualmente, está registrada junto à Câmara Municipal com salário de quase R$ 8 mil. A investigação aponta que a a contratação dela partiu da indicação do presidente da casa legislativa, Juninho Eroso.
Juninho também nomeou a a própria esposa como assessora parlamentar, mesmo ela morando em outra cidade, com o salário de R$16 mil. mensais.
Herança
A família e pessoas de confiança de Meia Folha passaram a conduzir os negócios ilícitos deixados pelo criminoso após o assassinato.
O irmão gêmeo do criminoso, Angêlo Lopes Costa, conhecido também pelo apelido Meia Folha, passou a ser o responsável "pela gestão da milícia criada pelo irmão". Já Chritsian Ryan Lopes, filho do criminoso assassinado, teria herdado os contratos irregulares com a Prefeitura do Guarujá por meio da HC e da CRL Empreendimentos. Oseas Pedro Alves, o braço direito do Meia Folha, continua responsável por ocultar o patrimônio adquirido.
O que dizem os citados
O SBT News pediu posicionamento para a Câmara Municipal e os citados na reportagem, mas não teve retorno. O espaço segue aberto e será atualizada, em caso de resposta.
Em nota, a Prefeitura do Guarujá repudiou "todos ataques direcionados à instituição e ao chefe do executivo", afirmou que não pode romper os contratos vigentes no último ano do mandato e disse que está à disposição da Justiça".
Veja a resposta na íntegra:
"A Prefeitura de Guarujá repudia todos os ataques direcionados à esta instituição e também ao chefe do Executivo, que, de forma deturpada, fazem relação com uma investigação policial.
Infelizmente, nesta reta final do período eleitoral, em que faltam pouco menos de duas semanas para a escolha do novo gestor da Cidade para os próximos quatro anos, queiram criar alarmismo e, principalmente, confundir o eleitor neste momento tão importante da democracia, no qual está em jogo o futuro de Guarujá.
É preciso deixar claro que, dentro da esfera administrativa, empresas vencedoras de processos licitatórios no Município devem, obrigatoriamente, apresentar um rol de documentos, sempre relacionados ao seu CNPJ, no sentido de comprovar a regularidade perante os órgãos competentes.
No entanto, análises referentes à pessoa física (CPF) de seus responsáveis não constam dentre as exigências legais, exceto no que se refere a grau de parentesco com servidores municipais ou detentores de mandato eletivos no Município, o que é vedado por lei e precisa ser informado pelos cidadãos cujas empresas vencem um certame, em forma de declaração assinada.
A Administração Municipal não pode – no último ano de mandato do atual gestor – romper contratos que culminariam com a interrupção de serviços, prejudicando assim toda uma população. Isso sem contar as famílias que dependem de seus empregos.
Desta forma, priorizando pela transparência, a Prefeitura de Guarujá e o chefe do Executivo seguem amparados no que determina a lei, seguindo todos os ritos estabelecidos, garantindo serviços importantes. Além disso, se mantém à disposição para colaborar com a Justiça no que for necessário".
Ao SBT, Válter Suman afirmou que acredita ser vítima de perseguição politica
“Mais uma vez tentam manchar a minha gestão. Insistem em me atacar, mesmo não sendo candidato ao pleito que se aproxima, o que demonstra uma verdadeira manobra para ludibriar a população. Sou médico há quase 40 anos, com 25 deles dedicados em cuidar de milhares de vidas. Fui vereador por dois mandatos. Tive uma reeleição histórica para prefeito, com 75% dos votos válidos. E vou continuar trabalhando até o dia 31 de dezembro, concluindo 8 anos à frente do Executivo. No entanto, penso que o motivo para esses ataques seja a minha história de vida, minha trajetória política, e principalmente, o trabalho tão significativo que desenvolvemos em prol desta Cidade desde 2017 e que falam por si. Deixaremos um importante legado. Afinal, o trabalho é a melhor resposta. E mesmo diante de tantas leviandades, sigo firme, resiliente, preparado, me defendendo, acreditando na Justiça, e acima de tudo, com muita fé em Deus, sempre ao lado da minha família", conclui o prefeito de Guarujá, Válter Suman.