Piiê: Justiça autoriza que pais registrem filho com nome do primeiro faraó negro
Inicialmente, juíza tinha afirmado que nome lembra passo de ballet e motivaria bullying
Emanuelle Menezes
em parceria com Estado de Minas
A Justiça de Minas Gerais autorizou nesta quarta-feira (11) que um casal registre o filho com o nome do primeiro faraó negro do Egito: Piiê. A decisão vem 11 dias depois do nascimento do menino, em 31 de agosto, e após recusa do cartório e da juíza – que alegou que a criança poderia sofrer bullying.
Catrina e Danillo Prímola travaram uma batalha para que o bebê fosse registrado em homenagem a Piiê, faraó da XXV dinastia egípcia que teve grandes vitórias em conflitos e feitos militares gravados na chamada "Estela da Vitória". O casal conheceu o nome no Carnaval de 2023, quando o Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos de Venda Nova saiu com uma comissão de frente que contava a história de Piiê, o Faraó Negro.
"A gente teve acesso à história dele toda, porque nós estudamos sobre isso. Vimos que é uma grande personalidade negra, que quase não é mostrada na história, praticamente apagada. Eu achei o nome maravilhoso, me encantei, e decidi que quando eu tivesse um filho, esse filho se chamaria Piiê", disse o pai.
O pedido de reconsideração de decisão foi feito pela Defensoria Pública de Minas Gerais, por meio da Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva, após a primeira negativa de registro por parte da magistrada. A defesa reforçou a origem histórica do nome, a relação que o casal já tinha com o nome, a importância da identidade étnico-racial e o forte vínculo que toda essa simbologia tem com a gestação da criança.
Na sentença desta quarta-feira, a juíza Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, da Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte, afirmou que está convicta que o menino estará sujeito, pela dificuldade da grafia e pela pronúncia, a constrangimentos. Mesmo assim, diante do exposto pela família e pela defesa no pedido, decidiu liberar o registro com sua grafia original.
Recusa no cartório e "passo de ballet"
Os pais do bebê o chamam de Piiê desde que souberam, em um chá revelação, que esperavam um menino. No dia 2 de setembro, Danillo foi registrar a criança e recebeu uma negativa do cartório. A justificativa dada pelo atendente foi a de que a língua portuguesa não tem como predominante o uso de duas letras 'i' seguidas.
Já na negativa dada pela Comarca de Belo Horizonte, em 3 de setembro, a juíza afirmou que o nome lembra o passo de ballet 'pliê' e que, por isso, o menino poderia ser vítima de bullying.
"Tenho que a grafia e pronúncia, em especial, pela grande proximidade com um conhecido passo de ballet, certamente, na atualidade, será apto a expor a criança a ridículo, em especial na fase escolar seja na infância e adolescência", diz trecho da sentença.
Direito de nome
Para Letícia Franco, advogada especializada em direito da família, a juíza usou seus próprios parâmetros culturais para definir o que seria ou não vexatório para o bebê, sem levar em consideração a cultura familiar da criança.
"A juíza do caso entende, de acordo com os parâmetros culturais dela, que a situação poderia ser vexatória para criança. E isso se contrapõe ao interesse dessa família, que entende que esse nome de matriz africana carrega uma história. O que não está correto é a subjetividade da decisão, porque está havendo uma predominância do entendimento da cultura brasileira sobre a cultura matriz daquela família, que é a cultura africana. A criança tem direito de carregar a história da família", afirma a advogada.