Mulas do tráfico: número de presas com drogas no estômago cresce mais de 300% no Brasil
Mulheres estrangeiras são maioria entre detidos no Aeroporto de SP; casos revelam situações de vulnerabilidade, histórias de desespero e arrependimento

Simone Queiroz
Natália Vieira
Nenhum dinheiro vale o risco de ir para a prisão. Esta é a lição que mulheres presas por tráfico internacional de drogas encaram após aceitarem serem "mulas do tráfico", levando drogas de um país a outro, muitas vezes dentro do próprio corpo. Elas são aliciadas por organizações criminosas em troca de dinheiro. As histórias que elas contam, porém, revelam situações de desespero e arrependimento.
A sul-africana de 38 anos, detida em novembro do ano passado no centro de São Paulo com cocaína, é direta ao ser questionada se ela se arrepende do que fez: "todos os dias". Hoje, ela cumpre prisão preventiva na Penitenciária Feminina Santana, na capital paulista, onde divide espaço com outras 122 estrangeiras presas por tráfico de drogas – algumas já condenadas.
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A advogada criminalista Achley Wzorek explica que, as mulas do tráfico são contratadas e recebem "um pequeno valor" para transportar entorpecentes de um país para outro ou de um estado para outro, e "não tem vínculo com a organização criminosa."
O número de presas nessa condição nunca foi tão alto. No Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, principal ponto de entrada e saída do Brasil, 174 pessoas foram flagradas transportando drogas no estômago em 2024. O aumento é superior a 300% em comparação ao ano anterior.
O perfil das presas e suas histórias
Na penitenciária onde as estrangeiras estão presas, a maioria é boliviana – 63 no total. Uma delas foi detida na véspera do Natal, com um quilo de cocaína no estômago. "A grande maioria veio pelo interesse no dinheiro mesmo, então, muitas vezes, não tem um passado criminal. São rés primárias, entrando pela primeira vez", explica o diretor da unidade, Osvaldo Martins Bueno.
A sul-africana mencionada no início desta reportagem foi flagrada por agentes federais transportando cerca de 10 quilos da droga para seu país de origem. Pelo serviço, receberia dois mil dólares, equivalente a mais de 11 mil reais. Ela diz que aceitou porque precisava pagar o tratamento de um câncer no útero. Acabou sendo operada depois de presa e agora se prepara para iniciar a quimioterapia.
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Outra sul-africana enfrenta problemas de ansiedade e insônia. Sua família sequer sabe que ela está presa. Ao ser questionada sobre quem a espera em casa, ela menciona os quatro filhos e não segura as lágrimas. Conta que, antes de embarcar, perguntou várias vezes ao traficante se voltaria em segurança. "Me garantiram que eu estaria segura, perguntei muitas vezes se voltaria para casa", conta.
A pena e a falta de assistência jurídica
A pena por tráfico de drogas varia de 5 a 15 anos de prisão. No entanto, "mulas do tráfico" podem ser beneficiadas por atenuantes.
"Existe uma redução de um sexto a dois terços da pena. No caso do tráfico privilegiado, que se aplica às mulas, o regime obrigatório acaba sendo o aberto, conforme súmula aprovada recentemente", explica a advogada Achley Wzorek.
Boa parte das presas não têm advogado particular e dependem da Defensoria Pública da União.