Linchamento após fake news: vereadores arquivam caso contra colega que compartilhou notícia falsa
Justiça de SP recusou pedido do Ministério Público, que indiciava Marcel da ONG por homicídio qualificado e incitação ao crime
A Câmara Municipal de Suzano votou em unanimidade, na última quarta-feira (6), pelo arquivamento e não abertura da investigação da conduta do vereador Marcel Pereira da Silva (PRD), conhecido como Marcel da ONG, que propagou diversas notícias falsas que afirmavam que o pedreiro Rafael dos Santos Silva havia matado três cachorros a facadas, em Suzano.
Rafael foi morto após ser espancado por sete homens e, em seguida, atropelado por um deles, no final de dezembro do ano passado.
Veja os vereadores que votaram pelo arquivamento do caso:
- Arthur Takayama (PL)
- Baiano da Saúde (PL)
- Denis Pedrinho (União)
- Gerice Lione (PL)
- Jaime Siunte (PSDB)
- Lazaro de Jesus (REPUBLICANOS)
- Leandrinho (PL)
- Maizena (PRD)
- Max do Futebol (PODEMOS)
- Nelson do Fadul (PL)
- Pacola (PL)
- Pedro Ishi (PL)
- Prof Edirlei (PSDB)
- Prof Toninho Morgado (PDT)
- Rogerio Castilho (PSB)
- Zé Oliveira (PDT)
Ministério Público e Justiça
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) denunciou os suspeitos pelo assassinato de Rafael. O vereador Marcel da ONG também foi denunciado pelos crimes de homicídio qualificado (art.121) e incitação ao crime (art.29).
No final de fevereiro deste ano, o juiz Luciano Persiano de Casto, da 2ª Vara Criminal da cidade, decidiu tornar réus os criminosos, mas considerou que não existem indícios que apontem que o vereador induziu os homens a praticarem o delito.
Entenda o caso
Em dezembro do ano passado, Rafael, que tinha diagnóstico esquizofrenia, havia compartilhado vídeos afirmando que não gostava de cachorros.
Um morador da região, que depois se tornou réu, procurou Marcel da ONG alegando que seu pet havia sido esfaqueado. Segundo o MP, o vereador se colocou à disposição para solucionar o problema na região e mencionou os “irmãos”, referindo-se a integrantes de organizações criminosas.
Marcel então procurou Rafael e o abordou enquanto estava trabalhando, questionando a participação dele na violência contra o cachorro. Rafael teria negado o crime contra os animais, mas o vereador afirmou que o jovem tinha assumido o assassinato do animal.
Nas redes sociais, Marcel passou a compartilhar conteúdos afirmando que Rafael era o responsável pelos maus-tratos, inclusive expondo o rosto dele.
Pelo menos sete homens se uniram e cometeram o crime contra o pedreiro, à luz do dia, em uma das ruas da cidade. Um dos agressores ainda levou os pertences da vítima.
A Polícia Militar e a Guarda Civil Municipal foram acionadas, inclusive pelo vereador. Rafael chegou a ser socorrido, mas não resistiu.
No dia seguinte à morte, Marcel afirmou que fizeram justiça com as próprias mãos:
A Polícia Civil, por meio do Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Mogi das Cruzes, deflagrou uma operação intitulada Fake News e cumpriu seis mandados de prisão contra os suspeitos.
Depois da denúncia do Ministério Público, o juiz Luciano da Persa afirmou em sua decisão:
O denunciado acionou os guardas municipais ambientais, que inclusive, aparecem na gravação. Em outros termos, se o Denunciado tivesse qualquer intenção de atentar contra a vida da vítima – induzindo os demais agentes a matá-la ou incitando integrantes de uma organização criminosa para praticar o delito – não teria, por óbvio e como fez, acionado as forças de segurança pública para intervir no caso. Portanto, e sem prejuízo de eventual responsabilização do agente por crime diverso, tenho que não está minimamente comprovado nos autos o liame subjetivo entre seu comportamento e as condutas dos demais corréus.
O que diz a defesa da vítima
Ao SBT News, Araceli dos Santos, de 47 anos, mãe de Rafael, afirmou que não vai desistir até que todos os envolvidos paguem pelo crime.
“O homem fez uma publicação dizendo que meu menino matou um cachorro, meu filho pagou o preço sem merecer e foi espancado até a morte. Ele sofreu jurando por Deus e por mim. Não tem justiça no Brasil. Os que mataram foram presos, e o vereador que provocou, nada”, disse.
Para a advogada Nayara Santos, que representa a vítima, as decisões significam que quem é pobre, negro ou de outro estado, poderá ser linchado até a morte impunemente em decorrência de uma fake news.
“Me sinto na era medieval, onde não somos ouvidos, não somos escutados, onde 16 vereadores que deveriam zelar por nós cidadãos, venderam seu 'não' na hora de votar sobre a apuração de conduta de um colega deles! Além de estarem em pé de um crime bárbaro, o bem jurídico tutelado em nossa Constituição Federal é a vida. E porque ninguém está levando a sério que uma vida se foi, uma mãe chorou, o final do ano de 2023 foi extremamente triste para a família do jovem, natal, ano novo, enquanto muitos passavam sorrindo, eles passavam chorando. O rapaz foi morto em decorrência de uma fake news. Isso é triste em uma proporção inenarrável”, afirmou.
O que diz o vereador
O SBT News tentou entrar em contato com Marcel da ONG, mas não foi respondido. O espaço segue aberto.
Em uma coletiva de imprensa, no último dia 28, a advogada do vereador afirmou que Marcel foi intimado para prestar esclarecimentos sobre o caso e, por não haver motivos sobre indícios criminais, houve o reconhecimento da Justiça de não haver justa causa.
O que diz a Câmara Municipal de Suzano
Questionada sobre o arquivamento, a Câmara afirmou que seguiu os trâmites normais. "Foi colocada para votação na semana passada e rejeitada pelos vereadores em votação realizada no Plenário".
O que diz o MPSP
O Ministério Público de São Paulo disse que vai recorrer da decisão do Tribunal de Justiça, mantendo a imputação de Marcel da ONG por homicídio e incitação ao crime.