Marielle era “pedra no caminho” para loteamento irregular, disse Lessa à PF
Em delação, o assassino da vereadora declarou que ela foi morta após participar de reunião em que configurou que ela atrapalharia a criação de empreendimento
Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle Franco (PSOL-RJ), disse à Polícia Federal que a vereadora foi morta por ser considerada uma “pedra no caminho” nos planos de milícia de concretizar um loteamento no Rio de Janeiro. A declaração está no termo de depoimento cujo sigilo foi derrubado nesta sexta-feira pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
Segundo o assassino confesso, o risco representado por Marielle às intenções do grupo foi descoberto pelo miliciano Laerte Silva de Lima, que se filiou ao PSOL em 2016. A missão era atuar como infiltrado, vigiando de perto a vereadora. Lessa disse que a informação levantada por Laerte foi repassada ao restante do grupo pelo ex-deputado estadual Domingos Brazão, apontado pela PF como um dos mandantes.
Reuniões foram o estopim
“O próprio Domingos, ele nos revelou que a Marielle ia entrar no caminho. E, por informações do Laerte, infiltrado no PSOL, ela teria convocado algumas reuniões ou uma reunião com várias lideranças comunitárias, se não me engano no Bairro de Vargem Grande ou Vargem Pequena, naquela área lá de Jacarepaguá. E justamente pra falar sobre esse assunto, para que não houvesse adesão a novos loteamentos da milicia”, afirmou Lessa, em depoimento prestado no dia 9 de agosto de 2023, dentro do acordo de delação premiada firmado com a PF.
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“Então, isso foi o que o Domingos passou pra gente de uma forma rápida, até porque os nossos encontros não duravam mais do que uma hora, em pé do lado de fora do carro”, detalhou Lessa. “Ele conseguiu passar toda a visão da coisa; o que deu pra entender é o seguinte: a Mariele vai atrapalhar e nós vamos seguir isso aí. E, pra isso, ela tem que sair do caminho”, complementou o delator.
Pagamento em terrenos
Ainda segundo Lessa, o pagamento pela execução da vereadora seria um loteamento inteiro de terrenos. “A proposta era que ganharíamos um loteamento. Eram dois loteamentos em questão. Um seria deles, dos mandantes, das pessoas envolvidas. E [o segundo] seria da mão de obra”, informou Lessa.
Lessa afirmou que a intenção era vender cada lote por R$ 100 mil. O preço de todos os terrenos seguiria um padrão. Isso, porque, segundo Lessa, se um dos proprietários vendesse mais barato, os demais seriam prejudicados pela queda no preço.
“Isso aí era um consenso para que não caísse o padrão. Ninguém vai pagar cem mil em um lote para fazer um barraco. Então, pra manter um nível, digamos, não favelizado da coisa, até porque ali é praticamente tudo favela”, disse Lessa.
“Estratégia política”
O executor acrescentou que, além de motivação econômica, os envolvidos tinham interesses políticos na morte de Marielle. Nessa parte do depoimento, Lessa menciona Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé, assassinado em circunstâncias ainda misteriosas em novembro de 2021.
Lessa declarou que foi convidado por Macalé para executar o crime, ainda no segundo semestre de 2017. E que o autor do convite era homem de confiança de Domingos Brazão e do irmão dele, o deputado federal Chiquinho Brazão, também preso por suspeita de encomendar a morte da vereadora.
“Eu vejo uma estratégia política por trás disso. O Macalé tinha um domínio político e social em Osvaldo Cruz, que é um bairro muito próximo, divisa com Vila Valqueire e que vai sair no bairro Tangue, onde eram áreas pretendidas. Então, com isso, o Macalé foi escolhido como uma peça chave, porque ali eram mil lotes. Quinhentos deles e quinhentos nossos.”