Leia o discurso do presidente do STF após atentado a bomba na Praça dos Três Poderes
Barroso diz que na democracia não há lugar para "quem não respeita as regras da própria democracia, para quem não respeita os direitos fundamentais dos outros"
O ministro Luis Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), manifestou-se pela primeira vez nesta quinta-feira (14) após o atentado a bombas na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O crime resultou na morte do autor do crime, Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, que se matou com explosivos.
A íntegra do discurso:
"Abro esta sessão com uma fala institucional que preferiria muito não ter que fazer. E apesar de ainda estarmos no calor dos acontecimentos e no curso das apurações, nós precisamos – como país e como sociedade – fazer uma reflexão profunda sobre o que está acontecendo entre nós.
Onde foi que nós perdemos a luz da nossa alma afetuosa, alegre e fraterna para a escuridão do ódio, da agressividade e da violência? Estamos importando mercadorias espiritualmente defeituosas de outros países que se desencontraram na história.
Por volta de 19h30 de quarta-feira (13/11/2024), um homem que já foi identificado (Francisco Wanderley Luiz) se aproximou com uma mochila e um extintor de incêndio da Estátua da Justiça, em frente ao STF, e jogou um pano na estátua.
Diante da movimentação, um segurança do Tribunal se aproximou para a abordagem. As imagens das câmeras de vigilância mostraram o momento em que o suspeito deixa a mochila no chão e recua, e mais agentes começam a se aproximar.
O homem atirou então o primeiro artefato em direção à estátua, que não explodiu, e os agentes corajosamente começaram a cercá-lo. Ele arremessou um segundo artefato, que caiu mais perto da marquise do Tribunal, e causou uma explosão. A equipe de segurança conseguiu evitar que o homem se aproximasse do Tribunal.
Diante do cerco, esta pessoa acendeu mais um artefato, se deitou sobre ele e houve uma segunda explosão – causando-lhe morte imediata. Depois disso, a Polícia Judicial fez o primeiro isolamento do local.
Na sequência, a Polícia Militar e a Polícia Federal assumiram os trabalhos, em parceria com nossa equipe de segurança, para averiguar outros artefatos que estavam na roupa do homem, na mochila e os que ele havia arremessado. Os trabalhos duraram toda a madrugada, e o corpo foi retirado às 9h desta quinta (14).
Em uma coletiva de imprensa concedida no fim da manhã de hoje, o diretorgeral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, informou que o autor do atentado mantinha um grande número de explosivos na casa alugada por ele em Ceilândia, que foi alvo de operação policial.
Uma gaveta, que felizmente foi aberta por um robô antibombas, gerou uma grande explosão. Ninguém se feriu, mas o episódio mostra o nível de periculosidade das pessoas com as quais estamos lidando.
Queria aqui, muito especialmente, cumprimentar os agentes de segurança e da polícia judicial do Supremo Tribunal Federal pela atuação correta e corajosa, bem como à Polícia Federal e à Polícia do Distrito Federal, pela presteza e empenho com que trataram do assunto.
Esse episódio de ontem se soma ao que já vinha ocorrendo no país nos últimos anos. Em fevereiro de 2021, um Deputado divulgou um vídeo com discurso de ódio, ofensas e ameaças aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, num grau inimaginável de grosseria e incivilidade.
Em outubro de 2022, um parlamentar, notório por esquemas variados, desrespeita ordem do STF e ataca os policiais federais com fuzis e granadas. Disse que era em nome da liberdade.
Em outubro de 2022, uma parlamentar persegue de arma em punho um cidadão que havia se manifestado criticamente, em tom, aliás, muito menos grave do que aquele a que todos nós vínhamos sendo submetidos.
Ao longo dos meses de novembro e dezembro, após bloqueio de estradas, milhares de pessoas acamparam nas portas de quartéis por todo o país pedindo desrespeito ao resultado das eleições e golpe de Estado. Muitos deles insuflados pela afirmação criminosamente mentirosa de que teria havido fraude nas eleições.
No dia 8 de janeiro de 2023, milhares de pessoas, mancomunadas via redes sociais, e com a grave cumplicidade de autoridades, invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes da República.
Relativamente a este último episódio, algumas pessoas foram da indignação à pena, procurando naturalizar o absurdo. Não veem que dão um incentivo para que o mesmo tipo de comportamento ocorra outras vezes. Querem perdoar sem antes sequer condenar.
A gravidade do atentado de ontem nos alerta para a preocupante realidade de que persiste no Brasil a ideia de aplacar e deslegitimar a democracia e suas instituições, numa perspectiva autoritária e não pluralista de exercício do poder, inspirada pela intolerância, pela violência e pela desinformação. Reforça também, e sobretudo, a necessidade de responsabilização de todos que atentem contra a democracia.
Onde foi que nos perdemos nesse mundo de ódio, intolerância e golpismo? Por que, subitamente, se extraiu o que havia de pior nas pessoas?
Pessoas com visões diversas podem ter respostas diversas para esse fato. Porém, mais do que procurar os inspiradores dessa mudança na alma nacional, o que nós precisamos é fazer o caminho de volta.
De volta à civilidade, ao respeito mútuo. Superar essa crença primitiva de que quem pensa diferente de mim só pode ser um cretino completo a serviço de alguma causa escusa. A vida não deve ser vivida assim
A sociedade brasileira é plural. O Supremo Tribunal Federal é plural. Aqui estão pessoas que pensam de modo diferente acerca de muitos temas. Mas nos tratamos com respeito e consideração e estamos todos irmanados nos valores que nos unem como nação e que se encontram na Constituição. E, por evidente, a não violência é um deles.
A democracia tem lugar, como sempre digo, para conservadores, liberais e progressistas. Somos todos livres e iguais. Só não há lugar para quem não respeita as regras da própria democracia, para quem não respeita os direitos fundamentais dos outros.
Repito: ninguém tem o monopólio da verdade, ninguém tem o monopólio da virtude, nem tampouco do amor ao Brasil.
Amanhã celebramos a Proclamação da República. É uma boa hora de renovarmos nossos votos e nossa crença nos valores republicanos. É uma boa hora para um novo recomeço. Cada um pensando de acordo com suas convicções, mas sem desqualificar ou agredir quem pensa diferente. Uma pequena Revolução ética e espiritual.
O Supremo Tribunal Federal, com sua função constitucional de guardião da Constituição, continuará a simbolizar os ideais democráticos do povo brasileiro e a luta permanente pela preservação da liberdade, da igualdade e da dignidade de todas as pessoas.
O episódio de ontem será apenas mais uma cicatriz na história. Uma história de superação e progressiva construção de um país melhor e maior."