Exclusivo: 4 em cada 10 investigações de racismo, homicídio e agressão relacionadas ao esporte não são concluídas
Em SP, entre 2014 e 2024, ao menos 96 pessoas foram vítimas desse crimes; abertura de investigação após ocorrência demora, em média, 5 meses

Derick Toda
Torcedores rivais em confronto, armados com pedaços de madeira e barras de ferro. Emboscadas organizadas em rodovias do estado. Crimes de injúria racial nos estádios. São todos casos de intolerância esportiva, crime que envolve ódio contra o adversário no esporte.
No estado de São Paulo, a cada dez investigações de racismo, lesão corporal, homicídio e tentativa de homicídio em casos relacionados ao esporte, quatro não são concluídas. Os dados foram obtidos pelo SBT via Lei de Acesso à Informação.
Entre 2014 e 2024, a Delegacia de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva (DRADE) instaurou 57 inquéritos policiais. Destes, não concluiu 22, o equivalente a 38,6%. Isso significa que a investigação não chegou a ser enviada ao Ministério Público, responsável por oferecer ou não a denúncia para a Justiça.
Em média, a abertura da investigação só acontece quase 5 meses depois da ocorrência. Ao menos 96 pessoas foram vítimas dos crimes mencionados e 91 pessoas investigadas – em 24 inquéritos, a polícia não chegou a identificar os suspeitos.
- 9 por racismo e injúria racial;
- 24 por homicídio ou tentativa de homicídio;
- 63 por lesão corporal.
Dessas investigações, 32 foram por lesão corporal (59% não concluídas), 13 de homicídio e tentativa de homicídio (55% não concluídas) e 12 de racismo e injúria racial (17% não concluídas).
Dois inquéritos policiais de assassinatos foram encaminhados pela DRADE ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP): a emboscada de palmeirenses que matou o torcedor do Cruzeiro José Victor Miranda, ocorrida em outubro de 2024, e a morte da torcedora do Palmeiras Gabriela Anelli, que foi atingida por estilhaços de uma garrafa de vidro arremessada pelo flamenguista Jonathan Silva, em julho de 2023.
Para Felipe Tavares, professor da Unicamp e Doutor em Ciências Sociais, um dos líderes do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Futebol (GEF), culturalmente no Brasil, o poder público busca punir uma entidade ou instituição, e não os indivíduos envolvidos nos atos.
"São poucos os casos em que há um fichamento e a conversão em responsabilização para os envolvidos. O reflexo é uma sensação de impunidade ou de ineficiência investigativa. Uma prática do poder público, mais ou menos recorrente, tem sido punir o CNPJ, e não o CPF. Atores engajados nesses confrontos acabam não sendo responsabilizados e tampouco punidos", diz Felipe Tavares, que também é autor do livro Violência no futebol: ideologia na construção de um problema social.
Nesta segunda-feira (1º), a Polícia Civil realizou uma nova etapa da operação que investiga o assassinato do torcedor cruzeirense José Victor Miranda. O caso, de grande repercussão, completa seis meses ainda em andamento. O número de investigações de crimes relacionados à intolerância esportiva varia entre 2014 e 2024 – especialmente nos anos de pandemia, em que a participação da torcida foi suspensa em muitos eventos –, mas boa parte dos inquéritos sem conclusão ocorrereu entre 2014 e 2018.
Veja:
Além da importância da responsabilização dos envolvidos, o professor Felipe Tavares defende políticas públicas preventivas.
"Muitas vezes os casos acabam com sanções contra entidades ou organizadas que são punidas e afastadas. O resultado disso é a diminuição dos enfrentamentos? Não. O resultado disso é você colocar essa associação à margem, na clandestinidade, e perder o diálogo com ela, que é fundamental para a prevenção da violência", diz Felipe Tavares. "Quando essas associações torcedoras são convidadas para o debate, você tem, inclusive, mais legitimidade para responsabilizá-las", completa.
O SBT News pediu o posicionamento da Secretaria de Segurança Pública (SSP) sobre a eficácia das investigações e sobre quais são as ações preventivas adotadas pela pasta. Até o momento, não houve resposta e espaço segue aberto para manifestação.