Doutores da Alegria: doações despencam e crianças internadas ficam sem acolhimento; entenda
"Não consigo imaginar as crianças que esperam os Doutores da Alegria não chegarem", afirma mãe, que viu filho com doença rara aprender a sorrir; veja história
Raphael Santana, de 10 anos, nasceu com malformações no coração, pulmão e em todo aparelho renal causadas pela síndrome de Prune-Belly, uma doença genética rara que afeta, geralmente, o abdômen e órgãos de crianças. O crescimento e a segunda casa do pequeno foram em diferentes unidades hospitalares de São Paulo, entre internações e tratamentos.
Com 1 ano e 6 meses, ele precisou iniciar hemodiálise, procedimento que simula a função do rim e que faz seis vezes por semana até hoje. Ao longo de uma década, passou por mais de 20 cirurgias. No meio de tanta luta, ele, a família e as pessoas ao redor, nesses ambientes, aprenderam a sorrir com os Doutores da Alegria, uma associação de 30 anos de história, que traz a arte do palhaço em hospitais públicos, mas que precisou reduzir o número de ações após as doações despencarem.
Doutores da Alegria
Segundo o presidente da organização, Luis Vieira da Rocha, a atuação do programa é integralmente financiada a partir de doações, sendo o principal meio a Lei Federal de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet.
No entanto, este foi o primeiro ano em que a receita da organização sofreu uma queda abrupta, passando de quase R$ 5,5 milhões para R$ 1,5 milhão, uma redução dos cofres em quase 75%. Presentes em pelo menos 18 hospitais públicos de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, os Doutores precisaram cancelar 40% das ações previstas para 2024.
Palhaços
Os palhaços que realizam as ações não são voluntários, e sim profissionais das Artes Cênicas e especialistas em linguagem. Cada artista, em média, recebe R$450 por apresentação. Com a diminuição das doações, a partir do próximo mês, o valor pago por eles reduzirá entre 20% a 30%.
A missão dos palhaços, diferente do que acontece nos circos ou em espetáculos, não é para buscar aplausos ou mostrar suas virtudes. Para Luis, os profissionais buscam ressaltar o que há de saudável naqueles que estão sendo atendidos.
"O que faz o palhaço nessa situação tão difícil e adversa? Nós trabalhamos com crianças com doenças raras, complexas, com internações médias e longas e o palhaço vai lá e, apesar de toda dificuldade, olha para aquilo que precisa ser preservado. A criança, mesmo em uma situação terminal, está brincando, não desiste da brincadeira, do faz de conta e o palhaço estimula isso", explica Luis.
Além disso, outro impacto para os Doutores da Alegria ocorreu com uma mudança na Lei Rounaet durante o governo de Jair Bolsonaro, em 2021. Antes, as organizações da sociedade civil se inscreviam no financiamento contínuo anual da Lei, principalmente as associações que fazem ações ao longo de todo o ano, como museus, orquestras e o programa.
O financiamento e planejamento passaram a ser trimestral, mas, ao invés das doações serem distribuídas em quatro trimestres, as empresas que destinavam o dinheiro anualmente não doaram no mesmo ritmo. No ano passado, os Doutores da Alegria precisaram utilizar R$ 5 milhões de economias guardadas ao longo de sua história para manter as atividades.
"A gente achava ia voltar à normalidade em 2024, né? Pensamos em se organizar e formar uma nova reserva daquela, durante esses próximos anos. Mas, a surpresa veio nesses trimestrais. Agora a gente não tem reserva e não tem o dinheiro", afirma Luis.
Para Miriam Santana Silva, mãe de Raphael, os Doutores trouxeram luz na vida do filho em momentos de muita tristeza.
"Se o Doutores da Alegria acabarem é muito triste. É muito importante que eles estejam presentes não só pro Rafa. É um pouquinho de esperança e de vida que entra. Eu torço para que dê tudo certo e não consigo nem imaginar todas as crianças que esperam os Doutores chegarem", diz Miriam.
Doações
Os próximos passos da organização serão para promover campanhas de arrecadação e comover empresas pela causa, além de incentivarem as doações pelo próprio site.