Com hospitais alagados, gestantes e recém-nascidos são atendidos em abrigos no RS
Uma das crianças atendidas tem 11 dias de vida e nem chegou a usar o enxoval, que foi totalmente perdido nas enchentes
Luciane Kohlmann
A história da pequena Kinberli, de apenas onze dias de vida, ilustra a importância da dedicação de médicos voluntários nas enchentes do Rio Grande do Sul. Ela estava prestes a nascer quando a casa da família foi tomada pela água. Tudo foi perdido, inclusive o enxoval, que a bebê nem chegou a usar. Agora, mãe e filha recebem atendimento no abrigo improvisado dentro de uma sala de aula, em Canoas (RS), enquanto a maioria dos hospitais e unidades de saúde continua debaixo d’água.
“Já tinha comprado roupinha. Fizemos um chá de fralda três dias antes de acontecer tudo isso. E, no fim, acabamos perdendo tudo. Já tinha gasto até R$ 1.500 comprando berço, bebê conforto. E no fim, a água levou tudo”, lamenta o pai, o antônimo Lucas da Silva Coelho.
“Fiquei com muito medo mesmo”, revela a estudante Agatha dos Santos, mãe de Kinberli. “Eu quero que abaixe, eu quero voltar pra casa uma vez. Só isso”, deseja a estudante.
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Agatha e Kinberli são atendidas pela obstetra Juliana Maciel de Mesquita. A médica saiu do Ceará para o Rio Grande do Sul para servir como voluntária nos abrigos. Ela elogia a perseverança da família de Kinberli. “Os três, na verdade, estão super bem. Todo mundo em um pós-parto tranquilo. Ela [Agatha] está seguindo as orientações que recebeu no hospital direitinho, a amamentação está perfeita”, afirma a médica, lembrando que, nos próximos dias, é fundamental a família se vincular a uma unidade básica de saúde da região para continuar recebendo atendimento médico.
O trabalho voluntário do qual Juliana faz parte é organizado pelo grupo SOS Obstetrizes. A equipe é formada por profissionais de diferentes áreas, incluindo enfermeiras e assistentes.
“A gente está fazendo um mapeamento das gestantes que estão no município, em que abrigos estão, o que está acontecendo, para poder depois dar andamento nos pré-natais. As [pacientes] de alto risco a gente encaminha ao hospital universitário”, explica a coordenadora do grupo, Elísia da Silva Ramos.
Números
De acordo com as autoridades locais, 18 mil pessoas estão em 79 abrigos em Canoas. Pelo menos 44 delas são gestantes. Elas estão sendo atendidas principalmente em salas de aula como a que se tornou o lar provisória da família de Kinberli. Isso porque a maioria das unidades de saúde da cidade seguem inundadas.
“Das 27 unidades que nós tínhamos inicialmente, hoje estão em funcionamento apenas oito. Segunda-feira (20) nós iremos abrir mais duas unidades”, esclarece a secretária-adjunta de Saúde do município, Caroline Schirmers.
Caroline informa que, além dos voluntários, as equipes de saúde da cidade têm se empenhado para manter os atendimentos mesmo nos abrigos. Mas encontram dificuldades em razão das transferências de pessoas de um abrigo para outro. “Esse acompanhamento acaba sendo um pouco prejudicado, porque a gente tem uma mobilidade nos abrigos”, lamenta.
Expectativa
A dona de casa Jéssica Beatriz Gonçalves é uma das gestantes atendidas. Está de 31 semanas. A exemplo de muitas outras mães, perdeu casa e tudo o que tinha. Uma das consequências foram os atrasos das consultas pré-natais. Mas, graças às voluntárias do SOS Obstetrizes, os exames foram colocados em dia.
“Maravilhoso que eu vou conseguir agora fazer tudo direitinho, vou conseguir passar no médico, ser atendida. Fazer exame todo o tempo ficou bem mais tranquilo”, comemora, enquanto aguarda, ansiosamente, o dia do parto.