Além da medida protetiva: SBT mostra como funcionam projetos de reeducação para agressores dentro e fora da prisão
Sem algemas, presos do Centro de Detenção Provisória de Pinheiros II se voluntariam para refletir sobre o passado e o futuro na aula de Direito das Mulheres
A cada oito mulheres com medida protetiva, uma continua sendo perseguida pelo agressor, segundo levantamento exclusivo do jornalismo do SBT com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
No segundo episódio da série de reportagens "Além da Medida", o SBT Brasil mostrou um dos mecanismos da Lei Maria da Penha para diminuir a violência contra a mulher: os programas de reeducação para presos ou processados por violência doméstica.
"Cadeião"
"Eu fui um cara tão miserável que eu não dei valor ao ouro que eu tinha na minha mão". A frase é de um preso do "Cadeião", como é chamado o Centro de Detenção Provisória de Pinheiros II. O homem responde por crimes contra a mulher junto com outros detidos em prisão preventiva ou que aguardam julgamento por crimes desde violência doméstica a estupro.
Uma vez por semana, durante uma hora, ele é chamado para refletir sobre o passado e o futuro, na aula de Direito das Mulheres. A ação, que não é obrigatória para os detidos, é realizada pelo projeto O Bem Delas, da OAB-SP, em parceria com o Tribunal de Justiça e a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP).
Na visão de Mariana Garcia, professora do projeto, o primeiro contato com os homens reclusos é de resistência, seguido pela afirmação deles de serem supostamente inocentes e pelo entendimento comum de enxergarem a mulher como "coisa, antes mesmo de um objeto".
Mas, durante as aulas ministradas por ela, os detidos ouvem, debatem e compreendem a lei, refletindo sobre as próprias histórias e com base em outros casos contra a mulher, emblemáticos para a sociedade.
"O maior resultado das aulas é a provocação. Acho que ninguém vai sair daqui [cadeia] como um novo homem, sem reproduzir nada do machismo, mas os homens saem daqui provocados a questionar situações que eram comuns para eles, como a traição, o olhar para o corpo de uma mulher e passam se perguntar 'será que isso está certo?'", explica Mariana Garcia.
"Volta comigo ou eu te mato"
Preso há mais de um ano, esse outro detento, de 21 anos, disse que o programa o ajudou a enxergar a própria arrogância e violência.
"Essa visão que eu tinha mudou com as aulas porque os homens acham que eles mandam na mulher, e não é assim. No final, eles falam 'volta comigo ou eu te mato'. Antes eu me via de forma arrogante e violento. Eu achava que eu podia dizer para mulher que 'você não vai terminar comigo porque é minha'. Eu pensava assim e agora não penso mais", diz.
Dos 800 reeducandos no "Cadeião", 110 presos frequentaram as aulas desde que o programa teve início, em outubro do ano passado. Para Lívia Barreiro da Silva, supervisora do CDP Pinheiros, uma das certezas de que o projeto está funcionando é que, "até o momento, não há registros de reincidência criminal para os que participaram", sendo a sociedade a principal vencedora da iniciativa.
Além das grades
Com o mesmo objetivo de reeducação, agressores inseridos na Lei Maria da Penha podem ser encaminhados pela Justiça para grupos de reflexão fora das prisões, como pena alternativa ao encarceramento.
O jornalismo do SBT realizou um mapeamento exclusivo dos programas existentes no estado de São Paulo, em parceria com o Tribunal de Justiça, que conta com 26 ações dessa modalidade. Em Santo André, região do ABC Paulista, a poesia de Carlos Drummond de Andrade, sobre um homem perdido na vida, dá nome ao projeto voluntariado E Agora, José?
Com duas horas de duração, Júlio (nome alterado) tomou coragem a abriu a roda de reflexão, em sua primeira participação dos 20 encontros previstos.
"Eu estou aqui para ser uma pessoa melhor. Tive um erro e, como minha mãe diz, tuda na vida tem uma consequência. Espero estar aqui para somar e aprender", conta Júlio.
Fundado há dez anos, o E Agora, José? recebeu mais de mil processados pela Lei para discutir o significado de ser homem na sociedade a partir de três perguntas:
- Como podemos diminuir a violência na sociedade?
- Como podemos diminuir as violências em nossas famílias?
- Como podemos diminuir a violência contra a mulher?
Hermes Rangel, um dos coordenadores do programa, explica que o sucesso do grupo é visto em ações do dia a dia.
"Atendemos mais de mil homens e nenhum deles retornou com uma intimação ou pena. Acreditamos que eles alteraram o próprio comportamento no dia a dia. Muitos não estão mais se relacionando com as mulheres com quem tiveram problemas e já estão em outros relacionamentos. O que podemos afirmar é que eles saem do programa com novos conceitos, algo que foi desconstruído na concepção deles", diz Rangel.
Para a própria Maria da Penha, a mulher que ensina por meio da lei a desconstrução do velho homem, iniciativas assim mostram que o caminho para combater a violência contra a mulher vai além da punição.
"Essa desconstrução só acontece com a educação. A educação desde o ensino fundamental a reflexão para os que estão presos pela lei antes de serem soltos por um tratamento nos grupos reflexivos", diz Maria da Penha.