Saiba o que é mercado de carbono, que o governo quer regular
Projeto de Lei com esse objetivo está tramitando na Câmara e tem deputado do Partido Verde como relator
Entre as proposições que o Governo Federal tem como prioridades neste semestre, na relação com o Congresso Nacional, está o Projeto de Lei que regula o mercado de carbono no país. O texto tem como relator o deputado federal Aliel Machado (PV-PR), e a expectativa do governo é que a proposta seja aprovada em definitivo até a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), de Dubai, prevista para começar em 30 de novembro.
Mas, afinal, o que é o mercado de carbono? O SBT News conversou com a bióloga e engenheira ambiental sanitarista Marta Camila Carneiro, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), para responder a essa questão.
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Segundo a especialista, trata-se de "uma forma de 'punir' as empresas que, de alguma maneira, não desenvolvem estratégias para evitar a emissão de gases do efeito estufa na atmosfera". "Gás carbônico, gás metano, etc. Como evitar a emissão de gases? Implementando estratégias de tecnologias limpas, na transição energética, evitando desmatamento, pensando numa produção sustentável, pensando em sistemas agroflorestais, fazendo essa transição energética do uso de combustíveis fósseis para o uso de energias limpas, etc.".
Empresas que não investem nisso, diz a professora, "acabam tendo que comprar créditos de carbono de empresas e governos que investiram e que diminuíram as suas emissões de gases". E é isso o mercado de carbono, ressalta. Ou seja, ele consiste na compra de créditos de carbono por pessoas físicas/jurídicas ou governos para compensar a não redução de uma emissão de gás do efeito estufa por parte deles próprios, de outras ou outros que fizeram a diminuição.
Comprar crédito de carbono significa pagar por aquilo que não se conseguiu deixar de emitir de gases. "Você está pagando por isso. Então, para que você fique bonito na fita, perante a sociedade, você está compensando, por meio de um valor financeiro, aquilo que você não conseguiu deixar de emitir", complementa Marta Camila.
Atualmente, no Brasil, o mercado de carbono não é regulado, mas ocorre de forma voluntária, conforme elucida a professora. Esse mercado voluntário, explica, "é destinado tanto para organizações, empresas, como para pessoas físicas. Tipo eu. Eu posso ir lá e comprar o meu crédito de carbono se eu quiser."
"O preço do carbono é negociado em contrato e de acordo com o projeto de origem. Então, vou dar um exemplo: eu investir em um projeto de transição energética; o valor do meu carbono vai ser X. Eu investir em um projeto de desmatamento evitado ou de reflorestamento, o valor do meu carbono vai ser X ao quadrado, vai ter um valor um pouco maior. Até porque o Brasil tem um grande potencial de sequestro de carbono, em especial, então esses projetos acabam tendo um valor do carbono um pouco maior na competição".
De acordo com ela, existem mais de 170 projetos elegíveis, no Brasil, para mercado voluntário de carbono, nos quais pode-se investir. "O que é importante é a gente ter uma verificação, então a gente ter um rastreamento não só da origem desse carbono, mas do uso desse crédito de carbono, e que é feito por algumas instituições. Aqui no Brasil, por exemplo, a Verra faz isso. Então elas fazem essa creditação desse crédito do carbono, para não virar a festa do caqui, você não sair 'ah, eu tenho uma samambaia aqui em casa, vale R$ 10 o crédito de carbono', não é assim que a coisa funciona. Então tem que ter uma creditação, uma verificação".
Já no mercado regulado, explica a professora, como o próprio nome dele indica, há uma legislação específica. Ela pode ser nacional, regional ou estadual, pois não há ainda o mercado internacional regulado, e o preço do crédito de carbono "vai ser definido pelo regulador, por quem regulamenta". "E ele é restrito a algumas localidades ou setores específicos. Então não é porque você tem um mercado de carbono regulado, por exemplo no Reino Unido, que ele serve para todos os setores. Ele é regulado para o setor de mineração, ou ele é regulado para o setor de agroindústria. Ele pode acontecer isso? Pode".
Porém, no mercado regulado, acrescenta, as empresas que estão dentro deles nos locais que já o possuem são obrigadas a reduzir ou compensar as suas emissões de gases de efeito estufa. Exemplos de países que já têm o mercado regulado de carbono são o Reino Unido, a China, os Estados Unidos e o Japão.
Para Marta Camila, é muito importante que o Brasil passe a ter o regulado. Ela ressalta que a tramitação do Projeto de Lei com esse objetivo está demorando porque há discussões setoriais. "Então o setor de atividades fala 'olha, eu posso deixar de emitir tanto, eu vou investir tanto'. Então quando eles falarem isso, eles vão ser cobrados disso. Então um crédito de carbono da mineração é diferente de um crédito de carbono da indústria de bebidas. Portanto, eles têm que conversar entre eles".
A especialista afirma ainda que a regulação prevista no PL tornará o mercado de carbono mais justo e conseguirá certificar a redução ou a remoção verificada das emissões de gases de efeito estufa de forma mais transparente. "Para o mercado de investimentos e ESG, isso é muito legal", acrescenta.
A regulação, pontua, conseguirá "quase 'validar' o mercado voluntário". "Então empresas que já aderiram a esse mercado voluntário vão poder de alguma forma certificar, elas já vão estar um passo à frente. É diferente de empresas que até agora não fizeram nada. Estão no 'deixa a vida me levar, vida leva eu'. Elas não vão ser a opção do mercado. Então aquelas vão estar menos expostas aos riscos regulatórios".
Quando se fala de riscos, explica, fala-se de riscos de transição. "Dentro destes, a gente tem esse risco regulatório. Então, uma nova regulamentação vai impactar menos essas empresas que já estão dentro do mercado voluntário, porque elas já têm uma estratégia mais ou menos desenhada".
Outro benefício de o Brasil regular o mercado de carbono, diz, é a diminuição da insegurança jurídica. "Enfim, muitas coisas legais vão acabar surgindo desse mercado. E eu espero que realmente a gente consiga fazer isso esta semana, para que a gente apresente alguma coisa bacana na COP28".
Valor
De acordo com Marta Camila, o valor do crédito de carbono está muito relacionado a políticas públicas regionais.
O Brasil, pontua, é o quinto ou sexto maior emissor de gases de efeito estufa no mundo, principalmente por causa do uso e ocupação do solo, e a ocupação do solo não só emite mais gases, mas também deixa de sequestrar esses gases, isto é, de removê-los da atmosfera. Com a diminuição da capacidade de sequestro de carbono, o gás, mesmo no mercado voluntário, acaba tendo um valor menor do que o atribuído, por exemplo, no Reino Unido, complementa a professora.
"No Reino Unido, salienta, há políticas públicas mais seguras, concretas, que lhes permitem ter um valor maior no crédito de carbono gerado naquela localidade.
Mercado voluntário, mas nem tanto
A professora da FGV diz que o mercado voluntário de carbono no Brasil "não é tão voluntário, porque existe no mercado atualmente o ESG, que são as boas práticas ambientais e sociais de governança, onde a gente usa os conceitos de sustentabilidade mais para atender às expectativas dos investidores".
"Investidor faz análise de risco. E os investidores entendem, também as empresas entendem, que um aumento da temperatura global impacta diretamente na produção de matéria-prima, no investimento em outras estratégias, para que a gente consiga manter a produção para atender 8 bilhões de pessoas no planeta e as empresas, etc.".
Dessa forma, fala a especialista, "aderir a esse mercado voluntário de mercado é uma estratégia que permite com que você tenha mais vantagens competitivas diante dos investidores".