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Brasil

Atos de junho: crise política em 2013, impeachment e avanço da direita

Pesquisadores analisam reflexos dos protestos e mudanças que aconteceram no Brasil nos últimos 10 anos

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catracas de papel pegando fogo
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O ciclo de protestos de junho de 2013, que começou com uma reivindicação contra o aumento na tarifa do transporte público e foi se tornando uma revolta generalizada nas ruas, é -- muitas vezes -- relacionado às mudanças políticas que aconteceram no Brasil nos últimos dez anos, como o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e o fortalecimento da direita, que culminou na eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018.

Carlos Melo, cientista político do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e professor da PUC de São Paulo, diz que é preciso olhar no retrovisor da história, para antes das manifestações de 2013. "Olhar no retrovisor, mas no longo prazo, né? O que é a democracia? O que foi a reivindicação das Diretas Já, para que o Brasil pudesse voltar a votar? Nós precisamos olhar para a história numa perspectiva de quem nós somos e o que nós queremos ser", afirma o professor.

A pesquisadora Camila Rocha, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), também lembra dos movimentos que antecederam os protestos de 2013 e destaca que o que levou as pessoas às ruas foi a falta de representatividade.

"Em 2011, em 2012, aconteceram, no Brasil inteiro, vários protestos contra corrupção, que eram menores, eram mais localizados, mas assim foi no Brasil inteiro. Junho de 2013 foi esse momento de as pessoas pedirem o aprofundamento da democracia. Claro, tinha várias pautas ali, né? Existiam pessoas de esquerda, direita, mas o que tinha em comum nessas pessoas? Elas não se sentiam representadas", declara Camila.

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Além de não se sentirem representados, os manifestantes também não se sentiam ouvidos. Em São Paulo, no início dos protestos, tanto o prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), quanto o governador do estado, Geraldo Alckmin (na época no PSDB), não quiseram negociar. Haddad afirmava que o valor do aumento estava abaixo da inflação acumulada e por isso seria mantido. Alckmin declarava em entrevistas coletivas que os atos eram um movimento político, pequeno e violento.

Protestos contra o aumento da passagem, em São Paulo, tiveram catracas de papel queimadas | Rovena Rosa/Agência Brasil

Em Brasília, no início, as vozes que vinham das ruas foram interpretadas pelo então governo federal, comandado por Dilma Rousseff, como o ápice do processo democrático.

"O aumento foi o pretexto para que o Movimento Passe Livre começasse as manifestações, que eram manifestações altamente legítimas e muito objetivas, tinham um objetivo claro: a questão do preço da passagem e os problemas da mobilidade urbana", afirma o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência em 2013, Gilberto Carvalho.

Do início de junho de 2013 até a metade do mês, a cada novo protesto na Avenida Paulista, em São Paulo, o número de manifestantes aumentava. A pauta inicial, que era a melhoria do transporte público, passou a ficar perdida no meio de outras reivindicações. As cobranças, antes direcionadas à prefeitura e ao governo paulista, passaram também a alcançar o que acontecia em Brasília, a capital do poder.

No dia 17 de junho, manifestantes subiram a rampa que dá acesso à entrada principal da Câmara e do Senado, tomaram a marquise, mas não conseguiram invadir o prédio. A partir de então, o Movimento Passe Livre deixa as ruas. Nos meses e anos seguintes, os protestos continuam, só que desta vez colocando em xeque as instituições e a base do sistema político.

Manifestantes sobem na marquise do Congresso Nacional | Valter Campanato/Agência Brasil

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Em 24 de junho, cinco dias após os governos de São Paulo e do Rio de Janeiro anunciarem o recuo no reajuste das passagens, a presidente Dilma recebeu, no Palácio do Planalto, representantes dos movimentos que organizaram as primeiras manifestações na capital paulista, incluindo o MPL.

Uma carta, entregue à mandatária, trazia outras reivindicações -- como a desmilitarização da Polícia e o pedido para o início de uma política nacional com o uso de armamento menos letal, já que, dias antes do encontro, várias manifestações foram marcadas por uma repressão violenta. Mas o que se viu nos anos seguintes a 2013 foi exatamente o contrário. 

Enquanto a presidente tentava se aproximar dos manifestantes e responder à pauta dos estudantes, grupos contrários ao governo viram na movimentação das ruas uma oportunidade para enfraquecê-lo. Quando junho de 2013 chega ao fim, os protestos continuam, mas agora com um novo foco e novas cores: o verde e o amarelo.

"O que acontece ali, de fato, é que o clima anti-PT se instaura com muita força [...] Se a gente considerar que um pedaço muito grande da rua, em 2013, era esse campo patriota, eles voltaram à rua depois e fizeram a campanha do impeachment da presidente", diz Angela Alonso, socióloga e autora do livro Treze: A política de rua de Lula a Dilma.

Para o cientista político Carlos Melo, é possível traçar um paralelo entre os atos de junho e o impeachment de Dilma, passando pelo fortalecimento da direita.

"É um processo... A eleição de 2014, que foi uma eleição muito complicada, muito ruim, muito disputada, de muito conflito e que teve uma diferença muito pequena, logo contestada na sequência. O impeachment em 2018, né? E o resto da história nós estamos aqui vivendo", diz ele.

O cientista social Jonas Medeiros, integrante do Núcleo Direito e Democracia do Cebrap, discorda. "A única coincidência é a rua. Então, você identificar essa narrativa, de que basicamente coloca junho de 2013 como uma caixa da Pandora, o ovo da serpente, seja do impeachment, seja da eleição do Bolsonaro, cria uma casualidade linear, mecânica, que não tem base empírica nenhuma", afirma o pesquisador.

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